Nem Realismo Nem Idealismo

Neste breve e despretencioso ensaio, do qual este constitui a primeira parte, procuro alcançar e elucidar, previamente, os quatro capítulos fundamentais da ontologia em oposição as sentenças determinantes e fechadas propostas pelo realismo e pelo idealismo.

A ontologia estuda a teoria do ente. Classifica-o, tenta definir sua estrutura e, também, procura apreender aquilo que todos os entes tem de comum, que os classifica como tais, razão pela qual muitos a tomam por uma teoria do ser.

A ontologia terá como primeira incumbência descobrir e definir as estruturas onticas de cada ente que apreender; estes entes são dados por quatro grupos de objetos (coisa, objeto ideal, valor e vida).

Podemos estudá-la sobre a ótica da dialética, isto é, a partir da noção mesma de ser, apreendendo diferentes significações da noção para compará-las intuitivamente com o conjunto da realidade, o que está mais próximo de uma abordagem metafísica. Podemos, ainda, colocar-nos diante da realidade, diante do ser pleno, da multiplicidade deste através da nossa própria vivencia. Este é o ponto de partida de Heidegger, por exemplo. Para ele, a questão fundamental da filosofia não é o homem e sim o ser, a essência, do homem e de todas as coisas.

Cabe assinalar que o primeiro método tem vantagens didáticas e expositivas mas, o segundo, tem vantagens precisamente existenciais, por isso é que o proponho como mais adequado para iniciarmos estas considerações iniciais.

Partindo então de nós mesmos, apreendemos, já de inicio, que estamos vivendo. Este viver consiste em estar no mundo; isso implica que temos a mão, mais ou menos, uma porção de coisas, que podem ser uma porção de objetos de toda sorte, os quais constituem o âmbito onde nos movemos e atuamos. Nossa vida, pois, consiste em termos, ou tratarmos, constantemente com as coisas que existem e que estão em nossa vida e para ela, pois que lhes atribuímos sentidos e práticas.

No entanto, nós não só utilizamos e fazemos as coisas, também as pensamos, embora esta última atitude só apareça no decurso de nossa vida, é uma postura secundária, coloquemos assim. As coisas podem ser para nós amáveis ou detestáveis, podem, ainda, ser fáceis ou nos opor resistência, e é quando elas nos opõem essa resistência que procuramos meios de vencer tal entrave, e o fazemos ao pensar esse entrave ou empecilho que se nos apresenta, querendo saber o que é ele, como é, a clássica pergunta: ”que é isto?”.

Quando tomamos esta atitude reflexiva, o conjunto das coisas começa a ter para nós aspecto completamente diferente.

Esfera das coisas reais e dos objetos ideais

Tomemos o exemplo dado outrora por Garcia Morente ao explanar o assunto. Imagine-se que estejamos numa floresta. Estamos juntos a uma árvore e,com esta, fazemos algo como, colocarmo-nos debaixo de suas ramagens, cortamos um galho para nos sentar, apanhamos e comemos um fruto; mas também pode chegar o momento em que nos detenhamos e pensemos: o que é esta árvore? Então nossa atitude varia por completo, pois a árvore já não é mais um fim imediato de nossa ação, de nosso fazer, mas, antes, esta ação e este fazer constituem agora uma meditação a cerca do ser da árvore. Meditando sobre isto chegaremos a conclusão de que na nossa vida há coisas como árvores, pedras, plantas, animais, um certo conjunto de coisas enfim.

Mas também podemos fixar a atenção em que, nesta floresta onde estamos, está árvore diante de nós é igual aquela árvore que existe lá, então vem a nossa mente a noção de igualdade e dizemos: ”o que é igualdade?” e constatamos que a igualdade não é uma coisa, como a árvore em si e outras plantas, animais e pedras que vemos neste ambiente. Também podemos ter percebido que o tronco desta árvore é circular, e podemos perguntar-nos: ”o que é o círculo?”. Também veremos que o círculo, como a igualdade, não é uma coisa. Então verificamos que, com aquilo que há na nossa vida, podemos formar dois grupos: um grupo onde colocaremos árvores, animais, pedras, plantas, casas, o Sol,a Lua etc, e a esses chamarei coisas; no outro, colocaremos: a igualdade, a diferença, o circulo, o triangulo,os números etc, a estes, chamaremos, por ora, objetos ideais. Constato então que, no repertório daquilo que há na nossa vida, achei, em primeiro lugar, coisas; em segundo, objetos ideais.

A esfera dos valores

Pois bem, enquanto fazemos estas reflexões, tornamos a contemplar aquela árvore e pensamos: ”Que bela é esta árvore!”. Então, surge outra novidade em nosso mundo, além daquelas coisas e objetos ideais, há a beleza da árvore, e onde colocaremos e beleza? Não a colocaremos no grupo das coisas, ela também não faz parte dos objetos ideais, pois estes ”são”, e a beleza ”não é”. E isto porque, se a árvore é bela, esta sua beleza não lhe acrescenta um átomo sequer ao ”ser” árvore. A beleza será algo que não tem um ser, mas tem um valor, por isso a colocaremos num novo grupo, o dos valores.

Então, na nossa vida, temos coisas, os objetos ideais e os valores.

Mas e a vida?

Ainda não terminamos por aí. Se nos dedicarmos a fazer algumas reflexões mais desinteressadas ainda, porque abrangem a totalidade daquilo que há em minha vida, verificaremos que, além destas três esferas de objetos, há minha própria vida, há o conjunto de todas as coisas descobertas anteriormente na minha vida mesmo. Mas minha vida não é uma coisa, pois ela contém as coisas; não pode ser também um objeto ideal, porque os objetos ideais são aquilo que são: o número 2, a raiz quadrada de três, a igualdade, o circulo; enfim, são aquilo que são, em todo o tempo, imutáveis, fora, portanto, dum tempo e dum espaço mutáveis. Há até um adágio, ‘ estranho desígnio das coisas (para nós todas as categorias que vimos até então), de serem o que realmente são, quando as olhamos sem paixão’. Talvez até mesmo a vida, enfim...

Mas retornando... minha vida flui no tempo. Uns dias é tal coisa, outros dias é outra e, sobretudo, minha vida é aquilo que ainda não é, ou o que virá, o que está por ser. Ao inverso, todos estes objetos ideais são eternamente.

Direi então que minha vida é um valor? Mas também não o podemos dizer, pois os valores não são, lembram-se? Eles valem. São qualidades que atribuímos as coisas, porém, os valores, eles, não são, senão que imprimem as coisas seu valor e minha vida, ao contrário, é uma realidade, pois dela posso predicar o ser, que não posso predicar dos valores. Portanto, nossa vida, não é nem coisa, nem objeto ideal, nem valor. Então, o que é nossa vida?

Realismo versus idealismo: Nem um, nem outro

Bom, poderíamos neste momento, distinguir entre mim que vivo e o mundo ou conjunto daquilo que há em mim; poderíamos, por outra, distinguir entre mim e o outro, e então perguntaríamos: que relação de ser, que relação ontológica, há entre mim e o outro?

Se formos formular este questionamento na vida prática, a distinção que estabeleceremos será válida, mas, para a ontologia, não o será, por que, o eu, vivendo sua vida, vive entre as coisas. De modo que nós é impossível pensar sujeito e mundo como separados um do outro.

De um lado os realistas dizem: ”Se eu me elimino, ficam as coisas”. Os idealistas, por outra, dizem: ”Se eu me elimino, o mesmo faço com as coisas”. No entanto, essa contraposição radical das duas doutrinas é o que há de falso nelas. Porque, se eu elimino-me, as coisas não se dão; mas, se elimino as coisas, não fica tampouco o eu. O eu e as coisas não podem separar-se radicalmente, como no enunciado que abordamos, mas ambos encontram-se unidos, complementam-se numa síntese de reciprocidade, e chegamos ao deslinde da questão formulada antes, isto é, a nossa vida. Não vivemos independentemente das coisas, nem as coisas se dão independentes de nós. Antes, o viver e a vida, como diz Heidegger, significa estar no mundo. E isto implica em que me são necessárias, para a minha existência e no interior dela, as coisas com que vivo, e que eu viva com estas coisas, em contrapartida.

Então, o ato de expor o problema ontológico sobre o eu e as coisas, assim independentes e destituídos, conduziu a disputa secular entre realismo e idealismo. Mas a vida não permite essa distinção em parte, a saber, o eu e as coisas, antes a vida é estar no mundo, e tão necessária e essencial é para o ser da vida a existência das coisas como a existência do eu.

Portanto, nem realismo, nem idealismo. A vida não permite divisão e passa a exemplificar em si mesma, um quarto grupo de objeto que não se pode reduzir aos outros três que já apreendemos, que chamaremos, pelo menos provisoriamente, objeto metafísico.

Neste ponto o problema ontológico, exposto antes, converge com o metafísico; porque, ao chegarmos a vida, como algo mais profundo que a divisão entre sujeito e objeto, entre mim e as coisas, alcançamos o fundamento de toda a realidade. E, nos problemas colocados na vida, encontraremos a resposta ao grande problema metafísico, que é: o que é aquilo que de verdade existe? Ao mesmo tempo, é na vida também que encontraremos o grande problema da ontologia, que é o da unidade.

Thais Paloma
Enviado por Thais Paloma em 19/03/2012
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