DESABAFO DE UMA MULHER PÓS-MODERNA: O OUTRO LADO DA MOEDA

Este texto é uma réplica do texto original publicado na internet e recebido na minha caixa de e-mail da gmail.com em Maio de 2005. Ei-lo a seguir.

Jesus! São seis horas da manhã, o despertador do celular está tocando; minha vontade é jogá-lo na parede, mas quebrá-lo significa prejuízo. Estou tão acabada, não queria ter que trabalhar hoje, queria ficar até as sete horas deitada. Quando digo trabalhar, significa não ter que limpar a sujeira que minhas duas poodles fizeram na área de serviço às 6.10 da manhã. Lavar toda a cozinha e área de serviço. Preparar o café, passar a farda da minha filha, que demora demais no chuveiro, e quase não tem tempo de tomar café. Lavar os pratos do café, arrumar a cozinha, e já dar os primeiros encaminhamentos ao almoço. A seguir, pegar a vassoura, a pá, um saco de lixo, um espanador e começar a limpar, varrer, espanar, guardar objetos que o marido, os filhos espalham dentro de casa. Guardar as roupas que todos eles espalham dentro de casa. Limpar banheiros, (são três). Retorno à cozinha para terminar o almoço e enquanto preparo o almoço, corro para por roupa na máquina, esperar que lave, para estender no varal. Tirar a que está no varal e guardar. Ao meio dia, sirvo o almoço aos que estão em casa, e aguardo os que estão para chegar. Arrumo a cozinha. Dou um cochilo, levanto para as outras atividades do dia, como comprar pão, fazer o café, arrumar a cozinha, guardar os livros e roupas dos que chegaram da escola. E assim eu levo a vida. E no dia da faxina, então! Oh vidinha mais ou menos!

Compenso a rotina, fazendo crochê, costurando, pintado, bordando, lendo alguma coisa, para não emburrecer de vez. Ah, ia esquecendo, faço meu próprio perfume, desinfetante, sabonete, e outras coisas mais, para economizar o dinheiro do marido.

Preciso estar sempre sorridente, bonita, bem humorada, estar em forma, bem informada, para não perder o posto para a colega de trabalho, que está sempre cheirosa, arrumada, unhas feitas, e um bom papo com o amigo carente, cuja mulher está sempre ocupada, e não tem condições de falar sobre muitas coisas, pois coitada, ela vive dentro de casa. Só sabe lavar, passar, arrumar, etc. Ah, sim, vai levar e buscar os filhos na escola, ensinar as tarefas dos moleques, etc.

Os maridos querem uma mulher inteligente, bem informada, de preferência bem fisicamente, pois quando sair com ela, não ficar envergonhado diante dos amigos, pois a coitada, é desarrumada, gorda, só sabe falar do dia-a-dia dos filhos, da casa, de comida, e ninguém está interessado nisso. E ainda por cima, tem aquela espertinha que pensa e comenta com os colegas: você viu a mulher de fulano, como ela é mal amanhada, não sabe conversar. Coitado! Ela deve pelo menos ser boa de cama para ele agüentar. O colega mais maldoso diz: que nada, ele já se queixou que ela só faz o trivial. Quem disse que marido abre porta para a mulher? E se ela esperar, ele pergunta, ta ficando doida é, entra que estás me atrasando. Alongamento? Minha filha, a mulher de classe pobre não tem empregada, geralmente não tem máquina de lavar, nem forno de microondas, nem máquina de lavar pratos, e não pode se dar ao luxo de almoçar domingo no shopping.

Quem disse que ela é a rainha do lar, do bairro, etc.? Ela é a filha de seu beltrano, a esposa de seu fulano, a mãe de sicrano, a avó de beltrano. Quem disse que os casamentos antigos e duradouros é resultantes do respeito, do companheirismo entre os cônjuges? A mulher tinha que se submeter ao marido, e não cobrar dele quando chegava tarde em casa, quando não conversava sobre nada. Geralmente a solidão era apenas dela, pois ele tinha sempre uma escapatória.

Não se cobrava performance sexual, porque ele tinha na rua com a prostituta. O desejo do homem era ter uma mulher descalça, grávida, e a disposição para satisfazer as suas necessidades e do lar e, para não ser contaminada com idéias erradas.

Hoje a mulher tem fazer às vezes da prostituta, para que o marido não vá procurar a dita cuja, por medo até de ser contaminada com AIDS e etc. Espero não ter que dizer como o autor do livro O repouso do guerreiro “perdidos estamos todos nós, não estar perdido é ainda mais cretino.”

Quero que meus filhos me ajudem, pois não sou nada de super-mulher, nem a empregada doméstica. Sou tão estudante quanto eles, e quero meu lugar no mercado de trabalho. Não preciso de dia da mulher, pois quem tem dia no calendário anual, sempre faz parte dos excluídos e discriminados. Decidi acabar com isso! Hoje aos quarenta e oito anos, trabalho até as 13 horas em casa, e minha rotina está tremendamente desgastante, pois estudo em duas faculdades. Por falar nisso Vocês já leram Voltaire? Ele diz que mulher que estudo, e por que em outras palavras e mal-amada. Fala sério! Não sou feminista, mas tem horas que dá uma vontade insana de virar o mundo de cabeça para baixo. Aliás, ele já está, e graças a cultura dominantemente patriarcal, machista, revanchista e, as feministas pouco contribuíram para isso. É o que pretendo realmente descobrir. Quero um emprego, quero ser respeitada pelo potencial que tenho. Descobri a um bom tempo que sei pensar e, tenho boas possibilidades de fazer algo bom com isso. Quero chegar em casa, noite, e encontrar a mesa pronta para mim, quero ser chamada de meu bem, quero encontrar a casa limpa, tudo em ordem e só usufruir. Eles estão confusos? Que se achem! Procurem um terapeuta, e descubram a nova ordem mundial! Valorizem a profissional que está ao seu lado e paguem o que lhe é devido. Que levante o traseiro do sofá e vá lavar os pratos, se a mulher não chegou antes que ele, pois certamente no final do mês irá cobrar sua parte nas despesas. Que a chame “querido, senta aqui, para eu massagear seus pés,” sem chulé, por favor! Não estou concorrendo com ninguém, quero apenas usufruir do resultado plantado por mim mesma. Isso é delírio? Os homens que me perdoem, mas isso sim, é fundamental!

Ai meu Deus, são 6.05, preciso levantar, chega de autopiedade, e canto a música do Chico Buarque: “todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual e me beija com a boca de café...”; aí, lembro-me do hino do Cantor Cristão que diz: “breve o dia vem, breve o dia vem...”, em que terei minha carta de alforria. No final do dia, a casa está limpa, todos satisfeitos dentro das possibilidades, no entanto, eu estou um caco!

Cristina Nóbrega

cristinanobrega@gmail.com