A Babel Nossa Desde Sempre

Incrível o número de associações que são despertadas pelo filme Babel. A discussão da afetividade ferida num casal, que dá início ao filme, mostra americana irritada com o companheiro, que a feriu num momento crucial, quando perdeu um bebê e não teve o apoio que necessitava. Os cortes do filme, que logo nos levam aos Estados Unidos, onde a babá dos outros filhos do mesmo casal, quer ir ao casamento do neto, no além fronteira americana com o México e recebe um pedido do patrão para não se afastar.

A câmara acompanha outra personagem, uma jovem japonesa se iniciando nas drogas e na vida e, nesta altura pensei: quero saber dos camponeses da situação anterior: dois meninos recebem do pai uma espingarda japonesa, para atirar nos lobos que atormentam seu rebanho.

Inexperientes, atiram em um ônibus, que leva o casal em questão, atingindo a esposa.. O pandemônio se instala..

O que fazer com alguém ferido numa estrada de uma região quase deserta? Tanto a situação da babá que termina por ir à festa, levando consigo os meninos, como uma pessoa ferida numa fronteira próxima a um país que está em guerra – e esta é muito fácil encontrar na África - como

a fronteira dos México com os EUA, mostram situações limite. Para a americana, há um hospital no país vizinho, mas o ônibus não pode leva-la. Mesmo um helicóptero fica sob ameaça, devido à fronteira em litígio. O enredo se detém no entrelaçamento destas vidas, em locais e situações sócio-econômicas tão diferentes, do Marrocos aos Estados Unidos, passando por México e Japão.

Tanto americanos como japoneses pertencem a classes abastadas. E o japonês, numa de suas caçada, presenteia seu guia marroquino com uma cobiçada espingarda. Os contrastes, não os mais ostensivos, como o apartamento onde residem pai e filha no Japão, como a residência dos americanos, mas sim, as atitudes chamam a atenção: são pessoas corretas e até generosas, o roteirista fugiu ao clichê de qualquer arrogância. Refiro-me ao contraste do que eles têm a sua disposição em momentos cruciais de suas vidas: para a babá surpreendida em sua volta da festa com um sobrinho dirigindo embriagado e duas crianças americanas no banco de trás do carro, ocorre uma perseguição que termina com sua expulsão dos EUA e pode-se ver o absurdo de ela dizer: eu moro e trabalho aqui há dezesseis anos, tenho uma vida de labuta, comprei uma casa.. Nada disto conta porque fiz uma bobagem?

Para a americana, deixada num lugarejo próximo e naquele momento entre a vida e a morte, há os recursos médicos locais: um veterinário que faz uma costura a frio e que salva sua vida, não é claro sem passar posteriormente, por um hospital onde recebe o atendimento que todos merecem, mas que seria inútil sem aquela cirurgia.

Os rápidos traços do enredo, aqui mal esboçados, servem para destacar duas cenas, onde as diferenças de classe são mostradas, com rara sutileza. A primeira num pequeno recinto, quando a americana exaurida pela tal cirurgia, aceita um cachimbo de narguilé, fumado por uma anciã que a tudo assiste em silêncio, mas se aproxima com o cachimbo e com mãos rudes acaricia o cabelo da jovem – algo que ela permite e adormece. Há momentos em que uma mulher representa a figura da carinhosa da mãe, ainda que seja uma desconhecida camponesa. Neste momento, creio, ela se reconcilia com o marido, que não a assistira no passado e agora, permitira a tal “cirurgia”. As cenas posteriores, quando ela acorda, ainda sem ter sido removida, são de extremo carinho entre os dois, mostrando que ela superara os seus rancores.

A segunda cena, pareceu-me também muito sutil: um enorme helicóptero vem buscar a jovem enquanto todo o vilarejo é bafejado pela poeira e assiste, extasiado, a modernidade vindo até eles”! Não para lhes fornecer um médico,um posto de saúde ou hospital, mas para resgatar alguém de fora. O americano oferece dinheiro para aquele que o recebera em sua casa, pagara o veterinário, mas o pagamento é recusado. Pela vida de alguém não se aceita dinheiro naqueles ermos onde a carência de bens materiais é total.

Muitas outras situações no filme mostram situações limites, mas estas me pareceram de uma rara beleza, detendo-se no que o que ser humano tem de essencial: o reconhecimento do outro como seu igual, não em traços culturais, intelectuais ou materiais, mas como seres que dependem uns dos outros, mais do que possam esperar ou desejar.

Marluiza
Enviado por Marluiza em 03/02/2007
Reeditado em 04/02/2007
Código do texto: T368409