Primeiro capítulo

1.

Reparou quando o táxi parou na Praça Zacarias e uma loira desceu, seguida de uma criança que devia ter uns dez anos. A menina teve de correr para acompanhar a displicente mãe, que caminhava em direção à rua Emiliano Perneta sem sequer olhar para trás. Supôs tratar-se de mãe e filha pela cor do cabelo de ambas, mas uma verdadeira mãe não deixaria sua filha para trás daquele jeito.

Em sua caminhada a loira chamava a atenção de homens e mulheres pelo seu jeito exageradamente sensual. Trajava um vestido curto justíssimo com faixas de renda transparente que corriam por toda a lateral, desde as axilas até as coxas, deixando ver boa parte de suas generosas curvas. Calçava sapatos de salto alto e rebolava ao caminhar. Não tinha como não olhar, quer pela beleza, quer pela vulgaridade, quer pela criança que tentava acompanhar seus passos ao atravessar a Praça Zacarias.

As duas logo desapareceram pela Rua Emiliano Perneta e ele voltou a conversar com seus amigos, sentados num banco a observar os transeuntes. Gostava de dedicar um pouco de seu tempo ao ócio, principalmente quando se deparava com alguma situação complexa no trabalho, que lhe tomava o juízo. Nesses momentos descia e tomava um café no quiosque da praça, parando alguns instantes para não enlouquecer diante dos problemas. Ali encontrava amigos que tinham o mesmo hábito e também aposentados, desocupados e toda sorte de pessoas. Era uma tarde nublada de outono em Curitiba. O sol aparecia intermitentemente, mas felizmente não chovia. A temperatura era agradável, na faixa dos vinte graus.

De repente um alvoroço. Ouviu gritos e agitação que chamava a atenção de todos para o caminho que pouco tempo antes observavam. A menina loira surgiu em disparada em direção à praça, como que querendo voltar para o táxi do qual havia descido pouco antes. Parou indecisa diante do ponto, olhando para todos os carros alaranjados como se buscasse reconhecer entre eles o que as havia trazido. Neste momento virou-se para trás e o homem pode ver seu olhar desesperado. A mãe não a acompanhava e a menina começou a caminhar lentamente no caminho de volta. Sentou-se no banco, ao lado dele, e chorou.

– O que aconteceu, menina? – perguntou. A menina não respondia, permanecendo com a cabeça abaixada e as mãos no rosto, chorando muito. Ele insistiu. = Fala comigo. Onde está sua mãe?

– O homem atirou nela e depois veio atrás de mim! – respondeu entre soluços.

– Qual homem? – perguntou, procurando identificar entre as pessoas da praça alguém com uma arma.

– Eu não sei. Eu saí correndo no meio das pessoas e ele desapareceu.

– Então precisamos levar você à polícia.

– Não. A polícia não, por favor. – A menina saltou do banco ao ouvir a palavra, como se polícia a apavorasse.

– Por que não? Se alguém tentou matar sua mãe e você, a polícia tem que ser informada.

– Polícia não – repetiu a menina. – Por favor, moço, me leva lá pra ver a minha mãe. Eu quero ficar com ela.

Subiu pela rua Emiliano Perneta segurando a mão da menina, como se fosse sua filha. Era esse o jeito de um pai ou uma mãe caminhar pela cidade com uma criança, pensou. Chegou à esquina da rua Voluntários da Pátria e já viu o tumulto que se havia formado na próxima quadra, na esquina do calçadão da rua Senador Alencar Guimarães. Forçando passagem conseguiu chegar ao cordão de isolamento e não evitou que a menina largasse de sua mão e corresse para se jogar sobre o corpo da mãe morta. A cena comoveu a todos e o pranto da criança arrancaria lágrimas até mesmo dos olhos mais insensíveis.

Relaxou ao ver que uma policial feminina se aproximou da criança e tentou tirá-la de cima do corpo. Era necessário preservar a cena do crime para que a polícia científica fizesse o seu trabalho. Outra policial se aproximou com um copo d’água e a menina tentava se acalmar. Foi quando viu o dedinho apontado para si e uma das policiais se aproximando.

– O senhor tem que nos acompanhar. Precisamos de alguns esclarecimentos sobre a morte de sua esposa.

– Minha esposa? Quem disse que ela é minha esposa?

– Sua filha, senhor. Por favor, passe por baixo da faixa e venha comigo. – respondeu a policial firmemente.

– Ela não é minha filha. Essa mulher não é minha esposa. – disse, surpreso e um tanto assustado.

– Por favor, senhor, vamos resolver isso na delegacia. Passe para cá.

– Não posso acompanhar vocês. Eu tenho trabalho, preciso voltar ao escritório. – respondeu, querendo se retirar.

– Senhor, é uma ordem. Passe por baixo da fita e me acompanhe. – disse a policial, já em voz alta, levantando a fita com a mão esquerda e colocando a mão direita no cabo da pistola, já destravando o coldre.

– Policial, eu já disse que não tenho nada a ver com essa mulher nem com a menina. Eu apenas a trouxe da praça até aqui. – disse, dando um passo para trás e observando que as pessoas ao seu lado se haviam afastado. Pensou em sair correndo, mas seus pés não obedeceram. Provavelmente o cérebro travou sua decisão, pois os olhos estavam fixos na mão da policial sobre o cabo da arma.

Logo sentiu mãos firmes que seguraram seus braços e o jogaram no chão, algemando-o. Um policial homem veio por trás e o prendeu, revistando-o para ver se não portava alguma arma.

... continua no segundo capítulo.