DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS LINGÜÍSTICOS: A conquista da liberdade das línguas

Resumo:

Neste artigo apresenta-se uma discussão acerca da prática dos direitos adquiridos através da criação da Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, mostrando como ainda na atualidade as pessoas são preconceituosas e discriminadoras com relação ao modo de expressar-se do próximo e o quão é importante que o Estado motive o respeito pelas diferenças de linguagem.

Palavras-chave: linguagem; Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos; preconceito lingüístico.

1. Introdução:

Este artigo tem como principal objetivo trabalhar as várias discussões relacionadas às questões lingüísticas no Brasil, tendo como base argumentativa a Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos.

2. Desenvolvimento:

Diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) que se deve haver “a Fé nos direitos humanos fundamentais, a dignidade e o valor da pessoa humana e direitos iguais de homens e de mulheres”, independente da “cor, raça, sexo, língua, religião (...)”. Inspirados em mensagens como estas que diversos especialistas das leis e lingüistas se reuniram em Barcelona, no ano de 1996, para a criação da Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos.

A problemática da supremacia de determinadas línguas em detrimento de outras é uma questão existente desde o período de colonização e ocupação de territórios conquistados. Lugares, nos quais, eram impostas novas línguas e dialetos. Na medida em que os nativos apreendiam a nova linguagem dos colonizadores, sua língua materna era ridicularizada e tachada de pobre e inadequada. Assim inúmeras línguas foram marginalizadas, degeneradas e gradativamente fadadas ao esquecimento. No Brasil há o triste exemplo do desaparecimento de diversos dialetos indígenas, como o Tupi Guarani. Vale salientar que esta marginalização da língua indígena perdura até a atualidade, visto que as pouquíssimas tribos ainda existentes nos dias de hoje mantém a sua linguagem em segredo, em território próprio, longe dos “caras-pálidas”, a exemplo da tribo Fulni-ô, do município de Águas Belas.

Além de fazer repercutir no brasileiro o mito de que as línguas indígenas são inferiores, o sistema de colonização no Brasil resultou na criação e diferenciação dos sotaques regionais. Logicamente há uma hierarquia nos diversos sotaques brasileiros, uma pirâmide hierárquica, em cujo topo são encontradas as diferenciações lingüísticas das cidades mais desenvolvidas e dominantes do país. No Brasil, infelizmente, os sotaques menos valorizados e mais ridicularizados são os pertencentes às cidades mais pobres do país, no norte e nordeste.

Com relação ao tipo de desvalorização e desrespeito lingüístico comentado anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, em seu artigo 9º diz que “Todas as comunidades linguísticas têm direito a codificar, padronizar, preservar, desenvolver e promover o seu sistema linguístico, sem interferências induzidas ou forçadas.” e, conforme o artigo 10º da Declaração em questão: “1. Todas as comunidades linguísticas têm direitos iguais;

2. Esta Declaração considera inadmissível a discriminação contra as comunidades linguísticas com base em critérios como o grau de soberania política, seus critérios sociais, econômicos ou outros, bem como o nível de codificação, atualização ou modernização que suas línguas foram”. Ou seja, é vetada legalmente a discriminação das variações regionais de linguagem. Todo o indivíduo tem o direito de escolher uma variedade regional, com estilos e construções sintáticas próprias, sem que seja mal jugado e discriminado por este ato.

Outra questão que prejudica a liberdade lingüística de um indivíduo é o eterno mito da supremacia da linguagem culta em detrimento da oralidade. Sabe-se que a língua em uso é viva, ela se mantém em estado de constantes mudanças e adaptações, sejam elas históricas, tecnológicas ou mesmo culturais. Logicamente é deveras importante a existência das regras gramaticais, porém oportunamente devem-se haver manutenções em sua estrutura para que sejam abarcadas as mudanças lingüísticas à medida que a língua se desenvolva em um determinado espaço de tempo. Uma língua e suas regras devem estar coerentes com a realidade contemporânea dos seus usuários, bem como com o momento de uso, já que mais importante do que usar as normas gramaticais com perfeição é saber se comunicar, ou seja, se fazer entendido por qualquer ouvinte ou leitor. O artigo 9º dos Direitos Lingüísticos Individuais trata exatamente a questão agora abordada: “O indivíduo, no papel de ‘ouvinte’ tem direito de compreender plenamente o falante; este tem direito de cometer lapsos, de autocorrigir-se, de empenhar-se a fim de ser claro, preciso, relevante”. Há, desta forma, o pleno direito de não precisar seguir à risca as regras gramaticais quando em intuito de se comunicar com o(s) ouvinte(s) da melhor forma possível, apesar das inúmeras demonstrações de desrespeito das pessoas em geral, as quais chegam a sentirem o dever de corrigirem aqueles que procura se expressarem adequadamente.

Outro assunto muito bem lembrado nos Direitos lingüísticos individuais é o dos direitos das crianças serem ouvidas e entendidas pelos pais. O termo infância etimologicamente vem do latim, significa “aquele que não fala”, na Antigüidade realmente era acreditado que as crianças não tinham a capacidade de falar bem, o motivo seria os dentes ainda não devidamente firmes. Esta fase, digamos, “incomunicável” duraria até os sete anos, idade que os dentes já deveriam estar mais ordenados, permitindo então o desenvolvimento da linguagem da criança. Da Antigüidade até a atualidade houve um desenvolvimento enorme com relação a visão da infância na família e na sociedade. Gradativamente foi sendo descoberto que as crianças teriam sim a capacidade de saber se comunicar bem, é oportuno observar, porém, que o uso da linguagem pelas crianças nem sempre é feito de forma clara e perfeita, por isso cabe aos pais o dever de, pela grande intimidade, entendê-las e as ajudarem a conseguirem se comunicarem cada vez melhor. Com relação ao agora abordado, os Direitos lingüísticos individuais declaram que a criança tem “direito de ser ‘ouvida’ e ‘compreendida’ pelos pais; direito de receber, dos pais, dados lingüísticos necessários para seu desenvolvimento lingüístico inicial (no período de aquisição da língua materna)”.

Entre outras questões, na Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos ainda são encontradas abordagens com relação ao direito de apreensão da língua nativa; direito de ser poliglota; direito a meios de tradução; de haver documentos administrativos e judiciais na língua do território; enfim, esta Declaração busca abarcar todas as problemáticas situacionais do uso da língua.

O papel da educação na manutenção da linguagem é bastante evidenciado na Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos. Está especialmente trabalhada do artigo 23º ao artigo 28º. Inicialmente é tomada como responsável pela manutenção e desenvolvimento da língua falada para, dessa forma, motivar a geração da diversidade cultural, artística e lingüística. Depois é veemente insistido que todos têm direito à educação, inclusive para melhor compreender as principais tradições culturais, literárias ou até mesmo sagradas e que deve-se ser decidido o quanto a língua nativa será usada como língua padrão no ambiente escolar e quão será definida como objeto de estudo. O artigo 26º resume bem a intenção da Declaração com relação à linguagem: “Todas as comunidades linguísticas têm direito a uma educação que vai permitir aos seus membros para adquirir um comando cheio de sua própria língua, com diferentes habilidades relativas a todas as áreas de uso comum, e o domínio melhor possível de qualquer outro linguagem que eles desejam saber.”

As declarações adicionais no final da Declaração Universal dos Direitos Humanos traz à tona uma questão bastante delicada a ser discutida, a da eficácia do Estado em divulgar os direitos neste trabalho abordados. Segundo a Declaração, primeiramente é aconselhado ao governo que sejam tomadas todas as providências e esforços necessários para que estes direitos sejam devidamente implementados em seu território, que, para o melhor exercício da integração destes direitos é aconselhável que se defina fundos. O governo deve dar todo apoio à sua comunidade lingüística no âmbito educacional da língua. Depois, a Declaração lembra que o governo deve sempre deixar o cidadão ciente e motivá-lo a ter ciência de todos os seus direitos e deveres expostos nela. E, por último, pede que as autoridades estabeleçam sanções resultantes do não compromisso e desrespeito aos direitos aqui tratados. Ora, na teoria estas seriam recomendações perfeitas, dadas a um governo, cujos representantes sejam igualmente perfeitos e extremamente leais e dedicados. Ora, a Declaração Universal dos Direitos Humanos existe a mais de dez anos e muito dificilmente, para não dizer nunca, ouvimos falar dela. Todos os dias cidadãos brasileiros são alvos de preconceitos e discriminações lingüísticas, muitas vezes vítima da ignorância das pessoas e nada é registrado ou sancionado. O governo brasileiro ignora totalmente a existência desta Declaração tão brilhante e importante, faz-se necessária grande divulgação dos direitos lingüísticos. Cabe ao cidadão a tarefa de conscientizar e motivar as pessoas a serem mais respeitosas e pacíficas com relação as variações na língua portuguesa, lembrando-as sempre que antes dela ter o direito, ela tem o dever de respeitar lingüisticamente o próximo.

3. Conclusão:

Neste artigo buscou-se mostrar quão relevante é o respeito e a valorização das diversas variedades lingüísticas existentes e como foi importante e oportuna a criação da Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, a qual aborda questões tão simples e ao mesmo tempo tão problemáticas associadas às relações sociais e familiares. Tal Declaração procura mostrar que ainda há muita intolerância lingüística e desrespeito lingüístico na sociedade atual e que é possível relacionar-se socialmente de forma pacífica e respeitosa.

4. Referencial Teórico:

• www.humiliationstudies.org/.../MatosTwoTypologiesofLinguisticRights.pdf Acesso em 22 jun 2011

• http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao01/declaracaodireitoslinguisticos.htm. Acesso em 20 jun 2011

• http://www.linguistic-declaration.org/index.htm. Acesso em 20 jun 2011

• Material concedido pelo professor Francisco Gomes de Matos.

Érika Bandeira de Albuquerque
Enviado por Érika Bandeira de Albuquerque em 15/07/2012
Reeditado em 28/03/2017
Código do texto: T3779058
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.