A MULHER BRASILEIRA DO SÉCULO XIX NO CONTEXTO DO PATRIARCALISMO (artigo na íntegra)

*Tânia Maria da Conceição Meneses Silva

RESUMO

Este artigo se propõe a promover um debate teórico-reflexivo sobre a condição da mulher brasileira no contexto do sistema patriarcalista que vigorou durante o século XIX e estende suas raízes ao longo do século seguinte, tendo inculcado nos sujeitos sociais tal mentalidade e padrões comportamentais, transmitindo-os de pai para filho e de mãe para filhos um modelo considerado ideal e ainda é cultuado em alguns lares. Para o desenvolvimento e argumentação do texto alguns objetivos específicos foram selecionados. Entre eles: 1. Esboçar o panorama socio-histórico do século XIX em busca de situar a figura feminina no cenário brasileiro dos primórdios de seu processo civilizatório; 2. Perfilar a figura feminina em basicamente dois espaços sociais: o da elite e o da pobreza; 3. Revelar a face social feminina em luta pela igualdade de direitos e contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e na qual a mulher ocupasse seu espaço e demonstrasse sua capacidade intelectual. Para tanto foram consultadas teorias disponíveis em Rede, a exemplo das apresentadas por estudiosos como: Oliveira, Gomes & Pessoa, Biasoli-Alves, Verona, Rodrigues, Lopes, Muzart, Follador, Santos, Batista, Siqueira & Dantas, etc. A presente reflexão levou a pesquisadora a perceber com mais clarividência a movimentação da figura feminina em busca de sua realização pessoal e participação social. Inclusive se fez evidente a força dessa luta diante da riqueza de manifestações em detrimento da situação opressora promovida pelo sistema patriarcalista.

Palavras-chave: século XIX, mulher, brasileira, patriarcalismo.

ABSTRACT

This article aims to discuss / reflect on the condition of Brazilian women in the context of patriarchal system that prevailed during the nineteenth century and extends its roots throughout the next century, having instilled this mentality and behavior patterns, transmitting them from father to son and from mother to children considered ideal and a model is still worshiped in some homes. For the development and advocacy of the text some specific objectives were selected. Among them, pass on light traces the socio-historical panorama of the nineteenth century in search of situating the female figure in the Brazilian scene from the early days of his civilizing process; profiling the female figure in basically two social spaces: the elite and poverty; reveal the female face in the struggle for equal rights and contributing to building a more just society in which women and man occupy its space and demonstrate their intellectual capacity. For both theories were consulted on available network, such as those presented by scholars: Oliveira Gomes & Person, Biasoli-Alves, Verona, Kuznesof, Rodrigues, Lopes, Muzart, Follador, Santos Batista Dantas, etc. This reflection led the researcher to realize with more clarity moving the female figure in search of personal fulfillment and social participation. Inclusive became evident the strength of this fight before the manifestations of wealth at the expense of the oppressive situation promoted by the patriarchal system.

Keywords: nineteenth century, woman, Brazilian patriarchy.

INTRODUÇÃO

O início do século XIX apresenta uma tela de confluências, de convergências e de redirecionamentos sociais, políticos, de pensamento, de cultura e de movimentação geral e definidora de um período de transição que encaminha a formação de uma diferente mentalidade em boa parte do mundo civilizado. Para Costa & Silva (1994, p. 21),

“O início do século XIX caracteriza-se por um aguçamento dos nacionalismos. E não só na Europa, mas também nas duas margens mais ao sul do Atlântico. Na América, as colônias espanholas e portuguesa independentizam-se; na África, os grandes agrupamentos étnicos se consolidam”.

Lançando a partir deste ponto um olhar sobre o século XIX, no Brasil, e aprumando o foco sobre a família e seus hábitos e costumes, especialmente no que diz respeito à figura feminina, objeto de reflexão no presente texto, tome-se a palavra de Canto (2010). Essa autora dedicou estudo acerca da família patriarcal e o fez tomando como ponto de partida a literatura representada na obra Iaiá Garcia, de Machado de Assis.

“Em Iaiá Garcia – romance escrito em 1879, mas cuja história se passa entre os anos de 1866 e 1871 – podemos perceber nitidamente a família patriarcal com seus jogos de manutenção de poder, os arranjos matrimoniais e sua mentalidade em relação ao casamento” (Canto, 2010, p. 2).

Iaiá Garcia é uma das personagens da ficção machadiana, mas que se origina na observação aguçada do romancista sobre a sociedade brasileira, especialmente do Rio de Janeiro, àquela época capital do Brasil.

Segundo Lima (2010, s/n de página),

“O Rio de Janeiro é um cenário propício para se refletir acerca das mulheres da elite em meados do século XIX. A cidade foi capital do Império e, posteriormente, da República, e sua relevância durante os séculos XIX e XX se constitui num aspecto socioeconômico importante da história do Brasil. Já no que se refere ao período em que circulou o "Jornal das Senhoras", entre 1852 e 1855, este representa um momento interessante para a análise histórica, pois as transformações urbanas por que a Corte passou após 1860 tiveram origem no decênio de 1850”.

A influência de uma sociedade como foi a do século XIX se mostrou em toda a sua potencialidade, pois muitos dos costumes continuaram pelas primeiras décadas do século XX e se perpetuando através da herança que ficou da formação e da educação de pai para filho e da mãe para a filha e, inclusive também, direcionada ao filho. A menina era ensinada para o bom casamento e o menino a dar as ordens àquela que será a futura esposa e a ser o condutor, o comandante do navio familiar. As meninas, ricas ou pobres, brincando com as bonecas e aprendendo as artes do fogão, da agulha e linha e da máquina de costura. Os meninos das famílias abastadas estudando para alcançarem boas posições sociais, perceberem bons salários, prover o lar e conduzi-lo por águas claras e serenas. Enquanto isso, os meninos pobres vadiavam pelos campos, tomavam conta de cavalos, de porcos e aprendiam a arte de pedreiro ou ajudante em algum serviço braçal. O casamento era a reta final. Para os ricos com toda a pompa e circunstância e para os pobres, a simplicidade.

“Os dados extraídos dos relatos de mulheres, hoje com 80 ou 90 anos, referindo-se quer ao seu namoro e casamento, quer à forma como foi realizada a união de seus pais, não deixam dúvidas quanto ao fato de que nos idos de 1900 havia pouca permissão para uma decisão pessoal. A(s) família(s) de origem definiam com quem, como e quando as moças e rapazes deveriam se casar. Nos poucos casos em que as regras foram infringidas e os jovens se opuseram à vontade dos pais, houve ruptura das relações e o casal foi excluído do círculo de convívio familiar” (Biasoli-Alves, 2000, p. 238).

A mulher da vida real, naquele momento da formação da sociedade brasileira, exercia as atividades domésticas e cumpria o destino traçado pela força do patriarcalismo, inclusive sua educação estava relacionada à lógica prevalecente de que sua obrigação seria a de tornar-se esposa e mãe exemplar, condutora da formação dos futuros cidadãos e cidadãs. Dessa forma, submetia-se ao homem, apesar de ter aberta a estreita porta do magistério que lhe garantia alcançar uma pequena parcela de participação social no mercado de trabalho (Oliveira, 2009).

“No que se refere ao começo do século XIX (...) o que se idealizava para a mulher brasileira era uma vida cheia de afazeres domésticos, um sólido ambiente familiar, filhos educados, dedicação exclusiva ao marido tanto para vida domiciliar quanto social, esse sim era considerado o tesouro da mulher no limiar do século XIX” (Gomes & Pessoa, 2009, p. 122).

Esse tipo de mulher passiva, submissa e crente naquilo que lhe impunha a sociedade machista estava colocada em um cenário de ambiguidades, de desigualdade social e política. Era uma vítima de preconceitos e ficou estereotipada, além de contribuir inocentemente para a manutenção de uma situação que até hoje mostra sua força e na qual somente o homem tinha voz e vez. Por isto mesmo e devido às ideias disseminadas via Iluminismo, a época do Romantismo foi a da construção do ideal do amor em todas as formas e também o momento em que se consolidou o “discurso da mulher frágil, emotiva, amorosa, incapaz, portanto, “inferior”, não permitindo o acesso ao conhecimento dessa condição opressiva” (Rodrigues, ano de acesso/2012, p. 5).

Esse ser “inferior” foi impedido de se manifestar e até a sua educação que antes não estava em pauta, quando teve início foi pelas rédeas da Igreja e esta “pregava que a mulher devia obediência não só ao pai e ao marido, mas também a religião” (Miranda, 2010, p. 7). E, como se não bastasse, “juridicamente, a mulher era considerada ‘menor perpétuo’, e o foi até a promulgação do Código Civil, em 1916, com o direito de voto garantido apenas em 1932” (Lopes, 2011, p. 126).

DESENVOLVIMENTO

Verona (2008) também tomou o romance da literatura brasileira para perfilar a mulher do país no século XIX. O romance no século XIX tanto espelha quanto faz a leitura da sociedade e a influenciou: “às mulheres, sobretudo às de elite, cabiam o piano, o bordado e um bom pretendente e, aos homens, cabiam as carreiras liberais ou públicas. À mulher, a casa. Ao homem, a rua” (Verona, 2008, p. 5).

A estudiosa ressalta um particular da mulher dos anos de 1800, dizendo da histeria como um componente da personalidade que se pode ver em personagens do romance romântico no qual o padecimento

“(...) aparece como moléstia diretamente relacionada ao sexo feminino e é fruto dos muitos distúrbios que, comumente, afligem a maioria das mulheres dos romances. Emília, no romance Diva, “sucumbiu num ataque de nervos” quando, aos onze anos, resolveu aventurar-se sozinha pelos arredores da chácara onde morava. Aurélia, em Senhora, depois de exaltada conversa com Seixas, abateu-se de repente e ficou prostrada no tapete, depois de uma breve síncope” (Verona, 2008, p. 6).

Quanto aos casamentos das moças de fino trato, eram sempre providenciados pela família, representada pela figura patriarcal, o chefe que era o dono e senhor e cujos atos e palavras eram indiscutíveis. Esse modelo foi herdado de Portugal. As moças casavam em tenra idade e, se ficassem viúvas, o próximo casamento poderia ser com um parente próximo, um tio ou mesmo um cunhado. Para tanto, pedia-se uma licença especial porque matrimônios com parentes próximos até o terceiro grau eram proibidos pela lei canônica.

Se o casamento fosse desfeito, a situação se agravava, pois, “a separação matrimonial resultava, sem dúvida, em perda para a mulher. Nos romances, essa perda aparece no custo da discriminação social com a qual a mulher teria que ‘pagar’ com as já comentadas doenças nervosas ou mesmo com a morte” (Lopes, 2011, p. 136). Inclusive registre-se que mulheres divorciadas são recusadas pelas senhoras bem casadas que temem perder os seus maridos para aquelas discriminadas da sorte, sem marido e sem nome.

O corpo dessa mulher aqui focalizado é descrito realisticamente por Santos (2009) à semelhança de um adorno ou um objeto do ambiente familiar e propriedade privada do esposo e chefe do clã. O corpo dela, além de não lhe pertencer, é “automatizado e urbanizado em prol das conquistas do marido; não deixando, contudo, de preocupar-se, ao menos que aparentemente, com a moral social Vigente”. Também fazia parte desse cenário a hipocrisia, a dissimulação e o moralismo. Nas palavras de (Follador, 2009, p. 6), o papel da mulher na formação da sociedade ocidental esteve ao longo dos séculos posto em segundo plano e, sua figura geralmente relacionada a ambiguidades.

“(...) Os homens, aqueles a quem cabiam os relatos à posteridade, expressavam seus sentimentos e opiniões de forma dupla, ora demonstrando amor e admiração às mulheres, ora demonstrando ódio e repulsa. O olhar masculino reservava às mulheres imagens diferentes, sendo em determinados momentos um ser frágil, vitimizado e santo, e, em outros, uma mulher forte, perigosa e pecadora. Essas características levaram a dois papéis impostos às mulheres: o de Eva, que servia para denegrir a imagem da mulher por ele maculada; e o de Maria, santa mãe zelosa e obediente, que deveria ser alcançado por toda mulher honrada”.

Essas mulheres perfiladas nos romances eram as burguesas, as brancas, fidalgas e refinadas; aquelas cuja formação incluía atividades como bordar, coser, administrar o lar e também tocar piano. A mulher da classe pobre e a mulher negra, em particular, eram entendidas pelos patriarcas como submissas e obedientes também, mas destinadas ao trabalho doméstico e ao serviço pesado ou ainda à classe operária que vai crescer no início do século XX. Na realidade, “o século XIX trouxe mudanças, que, na verdade, não se estenderam a todas as mulheres, pois as mais beneficiadas foram aquelas ligadas à elite” (Follador, 2009, p. 14).

Gilberto Freyre aprofundou estudos sobre a mulher brasileira no contexto do patriarcalismo. Entre os traços nítidos desfiados pelo autor de Casa grande & senzala, destacam-se aqui, passagens reveladoras nos estudos de Santos (2011) _ que afirma ter sido Freyre o primeiro estudioso, na tradução ensaística, a abordar a mulher na condição de figura importante na construção da vida pública brasileira:

“As mulatas são apontadas como mulheres de ‘ardência sexual fora do comum’, o elemento de ‘superexcitação sexual’, que ‘ao natural, ou enfeitada e artificializada [...] sempre teve o seu quindim para o branco” (FREYRE, 2002, p. 1.240).

No caso das mulheres da elite e brancas, anotado está que:

“Freyre observou uma tendência para a perda precoce da vivacidade por parte das mulheres brancas no Brasil colonial, muito pela corriqueira situação de confinamento. As modinhas de engenho do Brasil serviram como fonte para o autor dissertar sobre a condição feminina. Freyre aponta que ‘nem todas as modinhas celebravam o quindim das mulatas das senzalas; muitas exaltavam as iaiás das casas-grandes, filhas de senhor de engenho’ (FREYRE, 2002, p. 446). As modinhas exaltavam as ‘meninas de doze, treze, quatorze anos’, ‘Anjos louros’, ‘Santas imaculadas’, ‘Pálidas madonas’, ‘Marias do Céu’, ‘Marias da Graça’, ‘Marias das Dores’, ‘Marias da Glória” (FREYRE, 2002, p. 446).

“Freyre também descreve que as meninas deixavam de ser crianças ‘desde o dia da primeira comunhão’ e ‘tornavam-se sinhás-moças’. O dia da primeira comunhão ‘era um grande dia. Maior só o do casamento’ (FREYRE, 2002, p. 446). O casamento, geralmente realizado muito precocemente, resultava em muitos filhos, e a vida reclusa permanecia depois dele. Citando o relato de Mrs. Kinderley, uma inglesa que estivera no Brasil, Freyre descreve que esta registrara que ‘as brasileiras envelheciam depressa; seu rosto tornava-se logo de um amarelo doentio” (FREYRE, 2002, p. 447). (In Santos, 2011, p. 95-96).

Outra descrição do estereótipo da mulher negra, escrava, tratada como “um objeto” ou como “um animal” perante os senhores de escravos. Não um objeto de adorno, mas de uso e abuso. Sem direito à educação como tinham e, segundo Caio Prado Júnior, as negras “eram consideradas ‘um subproduto da escravidão’. E, este foi um período em que elas serviam apenas para os serviços domésticos, bem como, o trabalho forçado nos cafezais e também para as necessidades sexuais dos seus senhores” (Santos/acesso em 2012, p. 6).

Estudos comprovam que a mulher do século XIX tem sua representatividade intelectual, apesar de toda a opressão e perseguição de suas obras. Entre essas mulheres notáveis nas letras, registre-se aquela considerada precursora do feminismo brasileiro, educadora, escritora e poetisa, Dionísia Pinto Lisboa, que usou o pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta, nasceu no dia 12 de outubro de 1809, em Papari, atual município de Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte.

“Em 1832, Nísia Floresta Brasileira Augusta publicou a ‘tradução livre’ do livro Vindication de Mary Wollstonecraft. A obra, escrita quando autora tinha apenas 22 anos que lhe conferiu a atribuição de percussora do feminismo não somente no Brasil como também na América Latina” (Carvalho Araújo, acesso/2012, p. 2).

Trabalhos como os de Nísia Floresta e de outras contribuíram para que a mulher fosse ganhando espaço e aprofundasse sua luta por direitos, pois deveres tinham muitos. Ao final do século XIX, a sociedade começava a mostrar indícios de transformações e mudanças de comportamentos. Isto não significa dizer que a esta altura da evolução humana, a mulher tenha verdadeiramente alcançado a igualdade de oportunidades sonhada.

Um trabalho que se refere a um momento dessa transformação inicial é o de (Gomes & Pessoa, 2009, p. 122) e para isto usou como exemplo uma famosa obra literária e que até parte do século XX era leitura maldita para jovens, especialmente as moças. Trata-se de A carne, de Júlio Ribeiro, escritor que

“(...) faz uso do cotidiano brasileiro para representar por meio de seu romance esse processo de mudança social que no começo do século era de uma forma, a mulher direcionada especialmente para o seu lar, e no final do oitocentos percebemos um direcionamento mais conciso para uma esfera emancipatória dessa mulher ansiosa por mudanças sociais e capazes de mostrar seus desejos, sejam eles luxuriosos ou não”.

Essa mulher intelectual gostava das letras, especialmente da poesia, apesar dos constrangimentos impingidos pelo sistema patriarcalista. Entre essas mulheres vale destacar os nomes de Ângela do Amaral Rangel (a Ceguinha/1725-?), Beatriz Francisca de Assis Brandão (1779-1868), Maria Josefa Barreto (1775-1837), Bárbara Heliodora (1758-1819), Maria Clemência Silveira Sampaio (1789-?), Delfina Benigna da Cunha (1791-1857), Ildefonsa Laura César (1794-?), Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806-?).

“Transgressoras, destemidas, essas escritoras se posicionaram contra a ordem vigente, produzindo literatura em um período que só aos homens era permitido escrever. Perto da produção masculina, as mulheres pouco publicaram, o que não significa que tenham escrito pouco. Foram, sim, marginalizadas e excluídas da historiografia oficial. Daí nosso interesse em resgatá-las, inserindo seus nomes no cânone literário e alterando, consequentemente, nossa maneira de encarar a própria História” (Batista, acesso/2012, s/n de página).

As mais significativas transformações sociopolíticas, no Brasil dessa época, vão ocorrer nas duas décadas que finalizam o século XIX. Consideradas estão aí a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República. O clima era de otimismo e de muita esperança no crescimento do país.

Segundo Dantas (1991, p. 136):

“O universo temático das escritoras do final do século passado em Pernambuco é bem abrangente. As mulheres recifenses se empenhavam na luta feminina/feminista, defendendo também causas de cunho nacionalista, como foi o caso da bandeira abolicionista. Mas essas mulheres também falavam do amor, da fé, da dúvida, da felicidade, da dor/tristeza e mágoa”.

Um tanto por influência da literatura estrangeira e outro tanto pelo contexto em que viviam, as mulheres produziam uma literatura impregnada pela sombra trágica da morte e esta era uma metáfora equivalente à libertação. A liberdade para a mulher só tinha este caminho, a morte.

“Como objeto do discurso, a mulher penetra no imaginário masculino sob a forma da noiva morta, da monja encastelada ou da esfinge de pedra; como sujeito do discurso, a mulher rompe com o simbólico pré-estabelecido, recusando a passividade e a inação _ a mulher rejeita ser a esfinge de pedra, criada pelo imaginário do homem. É o que podemos comprovar no poema de Júlia Cortines, intitulado "Esfinge": Olha! Levanta agora a pálpebra/E o segredo desvenda enfim do teu olhar!/Fala! Descerra a boca há tanto tempo emudecida/Deixa o segredo enfim da palavra escapar!/Olha! Fala! Estremece! O meu olhar atento/Vai-te da imota fronte ao imoto coração,/Buscando surpreender um fugaz movimento/Que revele o sofrer ou que traia a paixão” (Paixão, 1991, p. 199).

A mulher escritora do século XIX usava temas diversos e recursos estilísticos que o estudioso Muzart (1990) denominou de artimanhas. Esses artifícios serviam para assim representarem, em metáforas, aquilo que desejavam expressar. Em seu estudo comparativo entre escritores homens e escritoras mulheres, Muzart alcançou desvelar importante diferença e acrescenta:

“Nos prefácios femininos, transparece o peso da "culpa" (?) e o medo de ser repudiada, ou de ser ignorada, compondo um estranho jogo. Decorrendo desses sentimentos escondidos, uma humildade ou modéstia meio forjadas e, muitas vezes, exageradíssimas. Embora as fórmulas de humildade sejam usadas desde a Antiguidade, nas mulheres são às vezes tão acentuadas, tão repetidas, que se torna evidente haver outra coisa atrás das palavras” (Muzart, 1990, p. 65).

Não apenas na Literatura, mas em todas as áreas a mulher buscou a sua afirmação. Na medicina brasileira, campo anteriormente sob o domínio masculino e onde mais se acentuava o preconceito, evidencia-se a figura feminina hostilizada, sofrendo pressões políticas e sociais. Nesse sentido, Rago (2000) focaliza a personalidade da primeira médica brasileira, em 1881, Maria Augusta Generoso Estrela (1860-1943), sobre quem narra esta passagem gloriosa de sua infância, aos somente 12 anos de idade. Na oportunidade (1872) Augusta e os passageiros

“do Flamsteed, o vapor que viajava da Ilha da Madeira rumo ao Rio de Janeiro, foram acometidos de um grande desespero quando a embarcação se chocou contra o Blorimphon, navio de origem inglesa. (...)”

E consta ainda que,

“No calor do incidente, enquanto a tripulação do Flamsteed chorava e gritava, a menina tentava identificar entre os tripulantes se havia algum ferido, quem precisava de ajuda, enquanto o clima de tensão e medo aumentava cada vez mais (...)” (Rago, 2000, p. 200).

A menina então implorou ao comandante que pedisse ajuda e ele, depois de muito relutar, a atendeu e “a jovem estudante teria ficado conhecida no Rio de Janeiro, através da imprensa, pelo seu feito neste episódio” (Rago, p. 201).

No contexto de mudanças que se entremearam ao final do século XIX, a mulher também registrou sua passagem inicial pela Imprensa através do primeiro periódico semanal do Rio de Janeiro, escrito por mulheres e às mulheres dedicado: o "Jornal das Senhoras", cujo período de publicações se estendeu ininterruptamente de 1852 a 1855. Os jornais ainda podem ser consultados na Seção de Obras Raras da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Dispunha de “seções de Moda, Belas Artes, Teatro e Crítica, além de espaços dedicados a partituras de piano e a romances que eram publicados em forma de folhetins, como ‘A Dama das Camélias’, de Alexandre Dumas” (Lima, 2010, s/n de página).

Carvalho (2009, p. 1-58) se dedica a examinar a emergência do discurso da mulher sergipana que aponta um tanto tardiamente, em relação ao que acontecia no país, do final do século XIX para o início do século XX. As primeiras manifestações surgiram de forma autobiográfica em “diários, memórias, álbuns, cartas; depois, na literatura, na imprensa educacional e feminina, ou partilhando o espaço com o outro sexo, em jornais e periódicos de centros urbanos, sobretudo em Aracaju”. O destaque da estudiosa é o texto de memórias, assinado por Aurélia Dias Rollemberg, e, posteriormente, analisado e publicado por Albuquerque (2005) com o nome “Memórias de Dona Sinhá”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos esta reflexão olhando para o Atlântico. Esse olhar nos mostrou um cenário de intensa movimentação. Costa & Silva se referem às transformações advindas de tal agitação. Pensamos agora que o Atlântico continua sendo o pano de fundo de outras mudanças.

O mundo vive a fase mais surpreendente, a do avanço das comunicações e o expressivo e veloz desenvolvimento da moderna tecnologia. O homem atravessa o oceano em possantes navios e o sobrevoa em máquinas de voar altamente sofisticadas. Tentando unir os dois quadros, é possível observar homens e mulheres, de uma forma ou de outra, partícipes da história da formação do povo brasileiro.

Possível é também sentir que a realidade mundial que envolve os seres humanos desde as mais remotas eras das quais se tem notícia, há, invariavelmente um jogo que não se sabe onde, como e quando foi organizado para que os homens se colocassem na posição de superiores e, dessa forma, impingissem à mulher a inferioridade. Entretanto, em algum momento e lugar, há aquela representante do gênero feminino que, como se acordasse de um pesadelo, alçasse a sua voz e conclamasse outras vozes companheiras. Não exatamente querendo uma troca de lugares, mas buscando a igualdade de direitos, tentando construir sua história com as próprias mãos. Algumas dessas representantes aqui se encontram. Tamanha é a força dessas e de outras mulheres, mesmo que, proporcionalmente, formem pequenos grupos no seio da sociedade, conseguiram quebrar alguns preconceitos, vencer algumas barreiras e venham através de décadas alcançando bons resultados para suas propostas.

As mulheres pagam caro a ousadia e, ainda em plena era de avanços científicos de toda ordem, remanescem em algumas consciências os preconceitos que geram constrangimentos. A esta luta foi atribuído depreciativamente o adjetivo feminista. As mulheres que se atreveram a ocupar um lugar nas instituições foram chamadas de “machonas”. Entretanto, elas não se intimidaram e prosseguiram e prosseguem buscando e encontrando.

Aqui e ali, a mulher foi bordando e tecendo o seu vestido de liberdade. Aqui e acolá ela ergueu e ergue o seu cetro de rainha, não mais do lar, mas rainha de si mesma e autora de sua história. Conquistou a literatura, as artes em geral, as profissões antes proibidas, a palavra que lhe foi cerceada e o próprio corpo que lhe foi vedado.

Brancas ou negras, da elite ou da miséria, elas estão por toda parte, estão nos mais altos postos e, até, quem sabe, por ser mulher, extravase em mim alguma emoção além do permitido, mas vejo claramente que, apesar de toda a história, na mente feminina não floresce a vingança. A mulher saberá dividir suas vitórias com os homens e com eles compartilhar os frutos de suas conquistas.

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