UM PAÍS SEM HERÓIS

Em matéria de seriedade, ética e lisura os tempos atuais estão, de certa maneira, tão “bicudos” neste país, que qualquer homem público, simplesmente, por cumprir o seu dever, passa a ser louvado e logo o querem colocar num pedestal.

É o fenômeno que estamos assistindo acontecer, por exemplo, com o ministro Joaquim Barbosa, que, pelo simples fato de estar se desincumbindo da tarefa que lhe cabe com seriedade, vem sendo objeto de uma campanha — veiculada na internet e nas redes sociais, com bastante desenvoltura — com o propósito de transformá-lo em herói nacional.

Desde compará-lo ao Batman, numa alusão ao super herói que também se veste com uma capa preta, até lançar a sua candidatura à presidência da República, o ministro relator do processo chamado de “mensalão” tem sido louvado. E as loas que lhe tecem encontram lugar até mesmo na Farmacologia, com o lançamento de um fictício remédio, a “Barbosacilina”, cuja indicação, constante da bula, seria a cura da falta de caráter, da pouca vergonha, da bandidagem e, para completar, de certa doença que — aqui, ali e acolá — acomete a Justiça, o chamado “Mal de Lewandowski”.

Como costumava dizer um conhecido meu, “assim, sim; mas assim, também, não!”. Ninguém há de desconhecer que, em qualquer ramo de atividade, ofício ou profissão, sempre há os que cumprem e os que não cumprem o seu dever. Ou será que alguém duvida que, além dos maus, existam médicos abnegados, advogados que agem com lisura em relação ao seu constituinte, aos colegas e ao processo, mecânicos que não “engatilham” o carro do cliente, para que ele volte outras vezes, assim como em todas as demais categorias profissionais?

No caso do ministro Joaquim Barbosa, todo este alvoroço se deve a um fato muito particular. É que a opinião pública, extenuada da convivência diuturna com a corrupção, com o desrespeito ao contribuinte, com a violação das normas legais e dos princípios morais mais comezinhos, está especialmente sintonizada com o andamento das sessões do Supremo Tribunal Federal, nas quais o processo segue o curso do seu julgamento. E o ministro relator, pelas posições firmes que adota em relação aos réus, como é natural, fica em evidência e granjeia a simpatia de todos.

É mais do que compreensível, mas isto não faz dele, propriamente, um herói nacional. Pois parece que o mais adequado seria penalizar os faltosos e não tratar como algo especialmente meritório o cumprimento das suas obrigações pelos demais. Mas tão carente anda a sociedade brasileira de pessoas públicas dignas, probas, íntegras, que passamos a ver o fato — alvissareiro, mas apenas normal — de um juiz do STF honrar a sua toga, como um ato de heroísmo. E aí, já vão os mais açodados elevando o homem à categoria de “São Joaquim Barbosa” e querendo fazer dele o próximo presidente do Brasil.

Vamos com calma, que o ministro em questão já está aprovado para ser o próximo presidente do Supremo, o que é seu direito pelo rodízio que há, de tempos em tempos, no comando daquela Corte de Justiça. Isto, sim, pode ser um bom indício, embora o presidente do STF, como o de qualquer outro tribunal, possa determinar o ritmo dos trabalhos, mas não possa interferir na forma como cada um dos seus pares julga e vota cada processo. Exceto, como se sabe, na hipótese do voto de desempate, que é conhecido como o “voto de Minerva”.

Ao final de tudo, o que há de mais a lamentar é essa ânsia de se querer canonizar alguém, só porque está cumprindo o seu dever e se desempenhando com correção de suas obrigações. Porque, como já disse alguém, “triste do povo que não tem heróis; mas, mais triste ainda, é o povo que precisa de heróis”. Sinceramente, eu não me lembro quem foi o autor desta frase. Asseguro, porém, que, se pudesse, eu a assinaria com o maior entusiasmo.