A POÉTICA EM HEGEL


É possível que Hegel seja mais conhecido como a expressão do pensamento filosófico alemão do século XIX que concebeu a dialética idealista, mais tarde criticada por Marx que a colocou de cabeça para baixo, fazendo emergir o materialismo histórico dialético.

Entretanto, o autor da Fenomenologia do Espírito dedicou parte de sua vida à construção de um Tratado de Estética, onde a poesia, nos diferentes gêneros épico, lírico e dramático, teve merecido destaque, compondo o último tomo da obra.

Para Hegel, a poesia é a síntese superior da interioridade espiritual ou a totalidade que reúne os extremos desde o concretismo das artes plásticas ao abstracionismo da arte musical. Ela apropria-se da “totalidade dos conteúdos e das formas de artes” processando na interioridade do espírito sinais e estímulos da exterioridade real.

Desse modo, a poesia, como a prosa, interpreta a fenomenologia da realidade; contudo, difere da prosa porque é livre na representação. Transcende, pois, as palavras revelando na sua simbologia toda a liberdade criadora e imaginadora, dizendo sem descrever e expressando sem enunciar.

Dois conceitos importantes aparecem na analise hegeliana da arte poética: a interioridade espiritual e a exterioridade real. A primeira, subjetiva, o reino da abstração, do transcendental. A segunda é a realidade com toda a carga de objetivismo e concretismo. No sistema filosófico de Hegel, o primado do espírito prevalece sobre o real. É o império da idéia, inicialmente sob a forma de espírito individual que depois se multiplica no espírito coletivo, plasmando a idéia absoluta. A poesia como expressão humana seria o supra-sumo desse transcendentalismo: “o objetivo verdadeiro da poesia seria o reino infinito do espírito ou, em outras palavras de Hegel, “a criação poética é uma conciliação que se efetua antes sob a forma de uma representação espiritual, mas no pr6prio seio da fenomenalidade real”.

Talvez resida aí a base de toda argumentação dos cultores de uma pretensa racionalidade objetiva ao querer estigmatizar os poetas com anátemas de sonhadores, quiçá alienados. Mas é a própria crítica marxiana à dialética de Hegel que destrói a ingenuidade dessa premissa. O pensamento, a idéia, não constrói o real, muito pelo contrário, é construído a partir dele. Isso quer dizer que a poesia, não expressa tão somente o plano objetivo da realidade espiritual. Ela é um reflexo estético que se referencia no real e nesse particular, como nos ensina Luckàcs, o reflexo estético iguala-se ao reflexo cientifico.

Em meio a essa disjuntiva prefiro aceitar que a poesia, enquanto manifestação estética, seja a apreensão da realidade processada e codificada na interioridade do individuo. Com efeito, o poeta se vale da subjetividade para expressar emoções que refletem um momento que somado a outros reconstrói um fragmento da história. Tem sido assim desde Homero a Elliot, de Verlaine a Castro Alves, de Neruda a Bandeira e de Lorca a Vinícius de Moraes para ficar com alguns exemplos.

A poesia continuará eterna como expressão mais livre e refinada do gênero humano, registrando emoções, percepções e sentimentos que mesmo processados na interioridade espiritual, não deixarão de refletir as relações entre os homens e o ambiente que os cerca. Em outras palavras: a poesia é um registro fidedigno do movimento da história.

Refrerências

Hegel, G. W. F. Estética, poesia. Lisboa: Guimarães       Editores, 1980, 375p.

Hegel, G. H. F. A fenomenologia do espírito. Petrópolis:       Vozes, 2007, 271p.

Lukács, Georg. Introdução a uma estética marxista.     Prefácio.  Rio de Janeiro, 1978, p. 1-3

Marx, Karl & Engels, Friedrich. A ideologia alemã   (Feurerbach). São Paulo: Hucitec, 1984, 138p.