Oito de março: A luta continua!

Hoje é novamente oito de março. Durante todo o dia vimos nos meios de comunicação, um desfile de maneiras de agradar à mulher, respeitar as pessoas que trouxeram à luz a Humanidade e expressões correlatas. Destacam também nosso crescimento enquanto cidadãs e senhoras dos próprios lares e narizes.

Vitoriosas, aguerridas, guerreiras, lutadoras são apenas alguns dos termos que se nos impõem para detalhar o destemor pelos desafios diários e a resistência à dor. Somos descritas com tantos predicados e detalhes que custa-nos acreditar nesse ser mítico: nós mesmas.

Incansável, inquebrantável, indestrutível, sedutora, maternal, envolvente, curiosa, mulher! Cresce no inconsciente coletivo a utopia de que a mulher torna-se mais mulher quando exposta a uma fatia maior de sofrimento. Isso é facista, mutilador, perverso.

A sociedade nos impõe, a cada dia, mais tarefas para ser desempenhadas em cada vez menos tempo, com uma eficiência típica de uma máquina. Os companheiros nos exigem uma performance mais atlética e dinâmica que feminina, uma sensualidade quase animal, uma musculatura tão real quanto... masculina. Os filhos querem mães igualmente descoladas, modernas, de preferência que venham com chamada em espera.

A Igreja culpa-nos pelos descaminhos da Raça Humana. A mídia responsabiliza-nos pelas escolhas exageras e abusivas do consumo desenfreado. As empresas de cartões de crédito nos idolatram enquanto os motoristas nos odeiam. Os psicanalistas lotam seus consultórios por nossa causa.

Mas quem nos compreende? Quem nos explica? O que nos acalma? E nós, o que achamos de tudo isso?

As primeiras batalhas foram difíceis, dolorosas, mas vencemos. Era o tempo de desbravar o mercado de trabalho. Fazer a sociedade entender que não servíamos apenas como encubadoras e babás, mas pensávamos além do ponto da calda e da goma para o paletó.

Mães das primeiras professoras, professoras das primeiras médicas e paraninfas das primeiras fuzileiras e cientistas. Somos avós da árbitra e da juíza de paz e ainda lutamos para ver reconhecida a nossa condição de vítima em casos de estupro.

Ganhamos o Nobel da Paz, mas ainda animamos comerciais de cerveja e carros importados. Brigamos pela pílula e cresceu o número de tratamentos de fertilidade e de mulheres soropositivas. Dirigimos nosso próprio carro, mas não conduzimos nossa vida sexual.

Ainda sonhamos em casar e ser Amélias da modernidade com utensílios eletrônicos e potentes microondas. Queremos tanto o título de doutoras e mestres como o de Sra. Fulano e mães de Pedrinhos e Luizinhos. Iludimo-nos com o mesmo carinha de sorisso fácil e acreditamos piamente que a gravidez independente é uma escolha e não falta dela.

Ficamos jovens e solitárias por mais tempo, com o desproporcional nascimento de mulheres e a difusão do orgulho gay.

Ainda deixamos que eles tenham a última palavra sobre o nosso vestido e damos crédito à falácia que há mulheres que casam e outras que são inteligentes, como se ambas fossem díspares.

O fato é que a briga agora é por poder, um poder mais mascarado porque se esconde nas relações pessoais, profissionais, raciais, sexuais e de gênero. O poder de incutir no outro o sentimento de culpa pelo abandono, pois ainda condenamos - na letra da Lei - adúlteras e impuras.

A certeza universal de que ainda somos apêndices, fração, costela, pois não há outra forma de explicar as burkas e suas aprisionadas?

A imposição da tortura psicológica, caracterizada pelo genocídio, pelo turismo infantil e pelo crescente número de "mulas" tanto nas fronteiras latinas como nos presídios femininos. O patriarcado, principalmente no Sertão Brasileiro, ainda determina quem será esposa ou amante, filha ou prostituta, adulta ou adúltera.

As leis econômicas determinando o mercado humano: oferta maior que procura.

E nessa gangorra dos sexos somos Joanas D’Arc caracterizadas de sinhazinhas, sonhando em ser cinderelas de novo para descobrirmo-nos verdadeiramente gatas burralheiras.

Como se vê: A luta continua!

Arsenia Rodrigues
Enviado por Arsenia Rodrigues em 08/03/2007
Reeditado em 26/06/2008
Código do texto: T406204
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.