DIVÓRCIO PSÍQUICO

DIVÓRCIO PSÍQUICO...

Não são raros os casos em que há rompimento psíquico entre um casal. Quando não se cuida com esmero do bem estar em uma relação, o tempo passa e leva embora a empolgação dos primeiros dias do casamento. O descuido e a negligência fazem com que o interesse e o prazer de estar casados passe por um arrefecimento e, num crescendo, a relação entra em um processo de desgaste levando o casal a um afastamento afetivo progressivo muitas vezes irreversível, entretanto, mesmo assim, permanecem juntos por motivações diversas. Muitas vítimas desse divórcio enrustido, eventualmente, se sentem na contingência de permanecer na relação por anos a fio, por motivos alheios à sua vontade.

Pequenos incidentes vão acontecendo na relação e, por comodidade nada se diz no momento de tensão para não interromper o sossego. E, para não provocar o início a alguma discussão estressante e coisa e tal, a conversa fica pra depois, a qual também não acontece porque já se torna necessário uma conversa mais séria. Desta forma a coisa vai se aprofundando num processo crescente chegando-se, inconscientemente, a uma crise que não se pode mais administrar sem medidas severas cabendo, daí por diante, decisões cada vez mais difíceis.

Essa experiência não é programada e não acontece conscientemente. Ela simplesmente acontece, só sendo notada quando já está em estágio avançado e, eventualmente, tarde demais para retroceder.

Alguns, por comodidade, vão adiando o momento do confronto indefinidamente em face das dificuldades que vão aparecendo. Diante desse quadro cria-se um bloqueio ao iniciar um simples e básico diálogo que certamente reverteria a situação, normalizando o relacionamento. Porém, pela não existência do diálogo de entendimento, uma barreira invisível começa a se erguer e vai se fortalecendo pouco a pouco até que seja inamovível.

A isso chamo Divórcio Psíquico.

Não importa o nome que se dê ao que vem a seguir, mas toda e qualquer coisa ruim que estiver acontecendo de forma repetitiva e insistente entre um casal, geralmente denota a existência de algum elemento do Divórcio Psíquico já instalado ou em andamento.

Ao Divórcio Psíquico normalmente segue-se a separação de corpos, separação de quarto, baixo nível de comunicação, afastamento de casa e, por fim, o divórcio judicial.

O Divórcio Psíquico não é algo que alguém queira que aconteça. É um fenômeno que se instala lenta e progressivamente até que não haja mais como se livrar dele. É como um vazamento em uma barragem. Um mundo de concreto interrompe o fluxo de um rio e pára suas águas, formando-se um grande lago, e aí é só alegria. A farta energia elétrica proveniente das turbinas tocadas pelos fortes jatos de água sob pressão saídos da base da estrutura e outros serviços que uma represa produz torna-se motivo de grande festa durante muito tempo, mas eis que, de repente, para a tristeza e desalento de toda a equipe, um pequeno esguicho de água se destaca do paredão de concreto da represa e, quando o tímido esguicho é notado pelos engenheiros ou pessoal da manutenção, um grande corre, corre, acontece por todos os lados no empreendimento, porque todos sabem que não demora muito tempo e todo o conjunto vai se desmanchar e tudo será levado em breve pelas águas antes represadas, rio abaixo. Aquele delgado esguicho revela que todo o conjunto está corrompido e comprometido, estragado por causa das infiltrações que provocaram instabilidade na estrutura de concreto lenta, silenciosa e invisivelmente. Quando chega a ser descoberto, é tarde demais. Uma vez detectado este tipo de problema, significa que todo o complexo está de tal forma comprometido que todos sabem que não tem conserto. Todo o conjunto está condenado. Não adianta tentar cimentar, enfiar um tarugo, colocar uma bucha de pano. Nada, nada pode interromper o processo de desagregação de todo o conjunto quando chegou a esta instância*.

*Palavra de leigo somente para criar uma analogia.

Aquilo que chamo de Divórcio Psíquico é o conjunto de pequenas agressões e dificuldades não resolvidas que se fizeram presentes ao longo do relacionamento e que se infiltraram lenta, silenciosa e invisivelmente na estrutura da relação, fragilizando-lhe as colunas e vigas que o sustinha. Todo o processo que provoca desgaste em uma relação é ruim por si só, pior fica quando é descoberto o tímido “filete” que começa a se destacar do “paredão de concreto” da relação.

O “corre, corre” nesse caso, fica por conta das tentativas em consertar o estrago feito ao longo do processo por meio das várias terapias à disposição de casais problemáticos, pelos tardios conselheiros que têm tanto valor quanto as rolhas, tarugos ou buchinhas de pano que tentariam conter o vazamento da barragem. Vem-me à lembrança o que nos disse certo conselheiro em S. Paulo há cerca de 14 anos atrás: “Só um milagre pode salvar o casamento de vocês...” Não é que o “pastel” estava certo? Sou obrigado a concordar com ele, só que o milagre não aconteceu, pelo menos não ainda.

O problema essencial não é o vazamento visto no paredão. O incômodo esguicho revela o verdadeiro e assustador problema que, em essência, é o desleixo. O problema pode chegar a ficar muito grave tão somente por conta da desatenção por parte da equipe. Por falta de uma simples manutenção preventiva adequada a um empreendimento tão grandioso e complexo como é uma usina hidrelétrica, tudo pode vir a se perder.

O problema revela a triste realidade: Negligência. Se não for mantido uma necessária e permanente vigilância, o problema aparecerá.

Grandes obras têm um fim trágico por causa de fatores absurdos, que poderiam ter sido evitados através de pequenas e singelas providências. Isso ressalta o princípio de que prevenir é melhor do que remediar.

Estou falando da relação. A barragem é só uma alegoria.

A FELICIDADE É ALGO NATURAL NA RELAÇÃO.

Felicidade não é algo que se busque numa relação. Felicidade é algo que se leva para a relação para dar-lhe sentido. Na construção de numa relação deve-se estabelecer um alvo a ser alcançado e cada um dos cônjuges contribuirá para a construção desse alvo manifestando carinho e respeito pelo parceiro consolidando a cumplicidade nessa construção. Ambos olham em uma mesma direção e em um mesmo sentido, diretamente para o alvo. A aplicação deste princípio fará gerar o bem estar familiar o que proporcionará estabilidade, equilíbrio e harmonia proporcionando fundamentos fortes à relação Mt 7:24-25 (Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. Mt 7:24-25).

Quem não conhece a história dos dois burricos amarrados nas pontas contrárias de uma mesma corda se "esgüelando" para chegar a dois montinhos de capim? Ambos lutando para alcançar, cada um, o seu montinho de capim em dois pontos diferentes. A corda totalmente esticada impedia que cada um chegasse ao seu montinho. A corda que os ligava os atrapalhava porque ambos usavam a força em sentido contrário anulando-se mutuamente. De repente perceberam a "burrada" que faziam e resolveram abandonar a esforço feito em sentido contrário e decidiram caminhar unidos em um mesmo sentido e em uma mesma direção chegado ambos a um montinho que resolveram compartilhar e, terminando aquele, foram ao segundo montinho e o comeram também saciando, juntos, a sua fome guardando o esforço que faziam para se anularem para ser usado em outras coisas que beneficiassem a ambos. Isso é cumplicidade.

O compartilhamento da felicidade dentro da relação é algo natural, é um dom que Deus nos concedeu. Desfrutar deste dom vai evitar que a infelicidade ganhe espaço. Se, porém, não houver espontaneidade e singeleza de coração na aplicação dos elementos básicos que formam a cumplicidade, a felicidade natural fica em desvantagem e isso enseja o início do processo que origina o mal estar entre o casal avançando inexoravelmente para um ponto sem volta, portanto esse monstro chamado infelicidade é gerado por nós mesmos.

O casamento também é assim. Todo esforço tem que ser feito para o bem comum. É como na barragem, tem-se que evitar que o processo tenha o seu ponto de partida por meio de uma manutenção preventiva. Aos olhos desatentos tudo parece bem mesmo em presença de alguma coisa que não deveria estar lá. Esse elemento estranho que não deveria estar lá pode ser o ponto de partida para a instalação de um problema estrutural familiar. São as raposinhas referidas por Salomão no livro de Cantares (Cânticos 2:15) - "Apanhai-nos as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas, porque as nossas vinhas estão em flor".

É dito que o tempo da florada é o período mais sensível e é quando a lavoura precisa de maiores cuidados.

Na relação o ponto de partida do processo de desmonte é invisível e a quase totalidade dos casais não percebe quando tem início. Uma vez começado o processo, o fim é previsível. Se não for tomada uma medida drástica emergencial de confronto entre o casal expondo totalmente a dificuldade através de um diálogo sincero sem acusações ou agressividade, o fim vai estar lá, é só uma questão de tempo.

Pense nisto, você que está lendo este escrito! Talvez a relação em que você está envolvido apresente algumas dificuldades, mas quem sabe ainda não chegou ao ponto da irreversibilidade? Se você ainda não tem o assustador esguicho, ainda existe esperança.

Lembre-se, o tratamento preventivo é mais barato e mais eficiente do que o tratamento curativo para qualquer doença.

Quem sabe esses princípios poderiam ser aplicados em relacionamentos que ainda possuem uma esperança quanto à sua continuidade?

As vítimas do Divórcio Psíquico sabem que não vão conseguir parar o desmonte do casamento por si próprias, procuram então reverter o quadro por meio de ajuda matrimonial, aconselhamentos diversos, terapias, etc. Tenho por certo que isso é válido e é o correto a fazer, mas, na maioria dos casos, a ferida continua aberta mesmo depois de tratamentos, principalmente se as situações que deflagraram o rompimento são marcadamente reais, autênticas. A lembrança de uma traição, de uma atitude de desrespeito, de menosprezo sempre vai estar lá. Arquivada, mas viva.

Quando o perdão acontece com autenticidade tudo vai ficar bem mesmo em face de algo grave que tenha acontecido. Se o casal, diante de um diálogo sincero e isento de emocionalismo, decidir pela continuidade da relação será possível retomar a relação sem grandes prejuízos, porém caso isso não tenha acontecido nessa dimensão, mesmo com a liberação do perdão, todo o restante da vida conjugal será uma "via crucis". O rompimento psíquico aconteceu e causou uma tragédia que vai marcar o casal, enquanto existirem como tal. Alguns casamentos que nunca deveriam ter acontecido, não deveriam ter continuidade.