Registrar a cultura popular é fazer a mediação entre o homem e o mundo natural.  Não se pode  apresentar a natureza  apenas como um espetáculo ou um palco onde se desenrola a vida. É preciso mostrar aspectos sociais, culturais e naturalistas. É necessário perceber as cores, os cheiros e os sons da terra e da sua gente.
 
     Terroir designa a terra onde algo se origina. Fabricar queijos com qualidade determinada pelo “terroir” é uma arte que exige uma técnica própria, um processo artesanal considerado um bem da cultura mineira e tombado pelo patrimônio histórico. O queijo tem a qualidade determinada pelo tipo de clima, relevo solo, capim do qual a vaca se alimenta, fatores humanos, históricos e comerciais.  O modo de fazer produz um queijo com características únicas: a cor, o sabor, a cremosidade são possíveis apenas nos ambientes em que são produzidos.
     
     O Queijo Canastra é feito da mesma maneira há 200 anos em regiões produtoras tradicionais e faz uso do leite cru.  Antigamente era usado o coalho derivado de uma enzima do estômago de animais. Hoje todos os produtores usam o coalho industrializado. Além do pingo, um resíduo líquido e esverdeado liberado pelo queijo após a prensagem e a salga, é o último soro, depois do queijo salgado e descansado, recolhido para ser usado no outro dia.
 
     O Naturalista Auguste de Saint Hilaire registrou a presença do queijo artesanal como produto importante na alimentação e na economia da região. A Serra da Canastra é responsável por boa parte da produção de queijo artesanal no Brasil e guarda consigo uma tradição secular na fabricação e comercialização dos queijos. Somente os queijos produzidos em São Roque de Minas, Piumhi, Vargem Bonita, Delfinópolis, Medeiros, Bambuí e Tapiraí, podem usar, oficialmente, a marca Serra da Canastra para batizar seus queijos, isso já é um grande avanço, pois reconhece a origem da produção dos queijos da região.
 
     Apesar de seguirem as “Boas Práticas de Produção”, instituídas pelo IMA (Instituto Mineiro Agropecuário), o Queijo da Canastra continua proibido além da fronteira mineira. Por ser um queijo produzido com leite cru, ele tem restrições do Ministério da Agricultura para a sua comercialização, pela suposta e remota possibilidade de transmissão de doenças para o consumidor. Para ser comercializado entre estados, todo produto de origem animal tem que ter um carimbo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), ligado ao Ministério da Agricultura.
 
      A questão é que pequenos produtores não conseguem se adequar às exigências industriais para obter o SIF. E assim, queijos como o Serro e o Canastra de Minas chegam clandestinamente a São Paulo e Rio de Janeiro, assim como os Coalhos e o Marajoara do Nordeste, o Colonial e o Serrano do Sul – todos feitos de forma artesanal e segundo tradições locais – sofrem para sair da ilegalidade muitas vezes até mesmo no próprio Estado.
 
     O consumo extensivo, continuado e histórico do queijo por toda a população do Estado de Minas Gerais, sem registros de mortalidade ou doença, mostra como é absurda, equivocada e ultrapassada esta legislação. A lei federal que determina esta proibição é de 1952. O mais grave é que muitos produtores estão deixando de produzir queijo para vender leite. Assim se corre o risco de perder uma tradição cultural importantíssima e um produto gastronômico sofisticado, que enfrenta uma batalha legal por conta do seu modo de produção e armazenamento. Por outro lado, produtos nobres como o queijo produzido artesanalmente estão cada vez mais acessíveis ao consumidor, em lojas especializadas, e presentes em pratos sofisticados de restaurantes renomados, assim vem conquistando espaço nas mesas de gourmets.
 
     O modo tradicional de fazer o Queijo da Canastra já se constitui num patrimônio cultural e não foi alterado neste tempo todo. O Queijo Canastra de Minas já virou patrimônio imaterial reconhecido pelo Iphan. (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como patrimônio cultural imaterial do País desde 2008.
 
     Já foi tema de documentário: virou até protagonista de filme em 2011. No documentário O Mineiro e o Queijo, com trilha sonora de Tavinho Moura, o cineasta Helvécio Ratton percorreu as regiões do Serro, Serra da Canastra e Alto Paranaíba e deu voz a produtores, comerciantes, pesquisadores e atravessadores. Ratton mostra no filme de 72 minutos que o Minas típico vive um paradoxo: é tradicionalíssimo e, no entanto, proibido fora das fronteiras mineiras.
       
       
A ironia é que o queijo artesanal produzido em outros países, da mesma forma que o Canastra, tem passagem liberada no País. Um exemplo é o Roquefort francês. Mas ainda assim o Queijo Canastra não  pode cruzar a fronteira do Estado, pelo menos não legalmente. A informalidade prospera nesse mercado. Mesmo com a proibição, saem semanalmente da região da Canastra para outros Estados cerca de 10 das 20 toneladas de queijo que são produzidas.
 
            
O modo de fazer queijo em Minas sintetiza o conjunto de experiências, símbolos e significados que definem a identidade do mineiro, reconhecida por todos os brasileiros como um predicado da mineiridade. A Serra da Canastra é uma das microrregiões produtoras de queijo artesanal de Minas Gerais. Sem querer afirmar que o Canastra é o melhor  queijo do mundo, apenas tentei apresentá-lo e deixar que  o paladar dos leitores  decida. Porém, é  importante entenderem que é um queijo de terroir e precisa proteção.
 
                                                                                                                 

              

As fotos são de moradores do município de São Roque de Minas, fazendo o Queijo Canastra.


              
              Embalagem  do queijo da Fazenda Agroserra

 
Nota:Algumas informações do texto eu já conhecia, outras pesquisei em vários sites. Aqui alguns links
 

http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/11/26/internas_economia,332047/queijo-minas-continua-restrito-ao-estado.shtml
 
 

 Link do documentário  "O Mineiro e o Queijo" no youtube.

http://www.youtube.com/watch?v=iW03hfM7pkU

 
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 10/01/2013
Reeditado em 15/02/2016
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