Está complicado (con) viver com a efemeridade

Efemeridade. Ando com medo dessa palavra. Os dicionários trazem algumas definições para esse bonito vocábulo (que teria, inicialmente, conotação poética, mas virou uma balela a partir de sua - equivocada - ligação à vida humana). "Pouco tempo". Passageiros, de passagem... sabemos que aqui estamos com o destino selado para que sejamos "passageiros", mas daí agir para com o próximo como se fosse uma brisa, uma tempestade de verão, um outro qualquer fenômeno ou casualidade? E a oportunidade? Essa é só para os que se sentem (e se fazem) poderosos?

Sempre estive, como a maioria da população, creio eu, abismada com tamanha irresponsabilidade para com a vida. Acho que estarei, posto que, no que depender do ser humano (?) a vaidade, prepotência em ser Deus, ganância, estarão passeando por aí, a nos envergar no peito a espada da arrogância - segundo a "premissa do livre arbítrio". E que vivamos, mesmo que efêmeros que somos, a contribuir para o crescimento dessa pseudo-humanidade... ?

No último fim de semana, fui com a família para Búzios, RJ. O motorista, seguindo o gps (que nem sempre leva à melhor estrada, notamos nós), foi pela antiga e, o que levaria 2h para a chegada ao condomínio onde ficaríamos, extendeu-se por 3. Mas isso não vem ao caso: o que implicou nesse retardamento é que foi, quando pouco, nada efêmero: havia na beira da estrada (de fazenda, rua de chão batido, buracos) um homem morto. Até então, normal. Efemeridade comprovada. Só que, independente de ter morrido a pouco tempo, como soubemos mais adiante, o "presunto" (como foi denominado friamente por um sobrinho meu de 8 anos, quem viu a cena, assim como meu irmão) estava bem perto de casas, ponto de ônibus, e, para minha surpresa, umas seis crianças que brincavam de bolinhas de gude ali, a uns dez metros, talvez. Normal... "Brigou", ou "foi atocaiado", "ofendeu", ... morreu. Acabou. Efemeridade virou balela, que virou normalidade, que virou... "presunto". Ponto final. Se morreu, ou ficou moribundo "até o coração parar", e daí? A vida, pra quem está de fora continua... Tudo bem que o corpo, esse é efêmero, "aquilo é só carne", "somos um nada nesse mundo", e tantas outras afirmações doutrinárias que aí estão. Até concordo. Mas tratar essa efemeridade como uma constante, como se vivêssemos num campo de batalha (e vivemos, eu sei) indignos do mínimo respeito enquanto pessoas, isso ainda me dói, e muito, até ao ponto de me perguntar se sou desse mundo. Acho que não. Sou um ser esquisito e idiota por observar essas coisas e ainda me abalar. Mas, como também sou efêmera... um dia desses parto dessa vida e, quem sabe, crianças sem idealização do que é o Ser Humano (meramente o respeito ao próximo) até lá, infiram que, pelo menos, ali, naquele corpo efêmero havia um "ser = obra de Deus"... Alguém que nasceu, um dia; viveu, com ou não dignidade, e morreu, sim, mas não é um mero pedaço de carne à espera da putrificação - também efêmera - mas que traduz o futuro pú(á)tre(i)o poder daqueles que se acham no direito de tirar a vida (como pude observar naquele dia). Isso cheira mal e não é efêmero não...

Luzia Avellar
Enviado por Luzia Avellar em 30/01/2013
Reeditado em 30/01/2013
Código do texto: T4113509
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