Cajuina com Falácia Caseira

Não existe algo mais “mexedor de cérebros” do que assistir dois intelectuais em programas de televisão discutindo “trabalho infantil”. As mãos, esfregando-se insistentemente na frieza do assunto, dão-me o devaneio de que: intelectual é um cara que pensa que sabe tudo sem precisar ter calos nas mãos.

“O menino que aprende a fazer “dim-dim” na periferia vai ser, no futuro, vendedor de picolé.” Esta desceu sangrando, faca afiada entranhando nas vísceras das minhas lembranças de garoto pobre lá na periferia do interior do Piauí. Para sobreviver, quando menino, vendi bombom, pimenta de cheiro, salgadinhos, suco de cajú e outras “tralhas” feitas pela minha mãe para conseguir dinheiro no combate à fome. Gostava mais quando chegava o circo na cidade e lá íamos nós (a turma da periferia) com os tabuleiros do dono do toldo: vendíamos, sorríamos com as peripécias dos palhaços e, de quebra, comíamos a mercadoria do patrão.

Atualmente, há uma falácia permanente no ar, proveniente de dentro de ares refrigerados – muito frequentado por uma maioria que nunca pisa numa periferia – gerando discursos enfadonhos sobre condutas de crianças em ambientes de trabalho. Apresentam o mal sempre acompanhado da velha solução: “lugar de criança é na escola”. Concordo! Agora me respondam: quais modelos de escola? Os pobres não têm opção. Os filhos de posse frequentam colégios particulares, ocupação o dia todo; alguns estão salvos – digo alguns, porque dentro dos muros desse “status quo” de boa educação existe um mal maior: o preconceito gerado pela condição contra aqueles que não têm posse para pagar um educandário de qualidade. Infelizmente, como virou moda transferir a educação dos filhos para os colégios, ainda não criaram uma disciplina chamada: Humildade!

Pela sobrevivência de menino pobre, pode-se tudo que seja digno: até catar cabeça de frango no lixão para matar a fome dos irmãos. O que não pode, neste país, é faltar a um garoto de periferia uma boa sala de aula (tempo integral) com uma professora que ame o seu trabalho e os seus discípulos; e esta - embora sem um bom colégio - tive de sobra. E nessa nau, com poucos livros e muita paixão pela mestra, entendi que precisaria mais do que “catar lixo e brincar de trabalhar” para sobreviver nesse “mundo cão”.

Não basta só apontar o problema e o mesmo clichê de solução. A concretização de mudanças está na efetivação da melhoria da condição de aprendizagens que levará uma criança ao discernimento sobre sua condição de vida: isso sem criação de êmulos revoltados, mas humildados dentro da descoberta de um mundo novo.

Não sou a favor da exploração do trabalho infantil, nunca fui, nunca serei! Sou contra a ociosidade da criança na periferia: “oficina do diabo!”. Agora, fazer discursos intelectuais contra essa exploração, se usufruindo de velhos clichês e passando a responsabilidade para alhures, é, no mínimo, nojento de se assistir. Pior que isso, é ouvir a citação que brota da maioria dos brasileiros: “pago meus impostos em dia, o governo tem que cumprir com sua obrigação!”

E pra não dizer que não falo de flores, espero encontrar intelectuais – críticos de plantão – em algum grotão de rejeitados praticando algum trabalho altruísta.

Um brinde com cajuína caseira!

Kal Angelus
Enviado por Kal Angelus em 23/02/2013
Reeditado em 23/02/2013
Código do texto: T4155339
Classificação de conteúdo: seguro