HISTÓRIAS DE SEU CANDEIA

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

Com o tempo, fui descobrindo que as histórias contadas do “Seu Candeia”, já tinham ocorrido com outros personagens e em outros lugares, ele contava muitas histórias de trancoso. Uma certa vez ele contou a história de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo: Lampião , o rei do cangaço brasileiro, nascido em 7 de julho de 1898, em Vila Bela (atual Serra Talhada), Estado de Pernambuco, e assassinado no dia 28 de julho de 1938, na Fazenda Angicos, município de Poço Redondo, Estado de Sergipe, segundo Chandler (2003). Seu Candeia dizia com tanta certeza que quem ouvia ficava de boca aberta para lhe ouvir. E terminava sua falação mitológica sobre engrandecendo a figura de Lampião, dizendo que o “capitão” não gostava de “macacos”, se referido a soldado de policia, não tolerava ricos fazendeiros e gostava de defender pobres injustiçados, tinha ingressado no cangaço para se vingar da morte de seu pai José Ferreira da Silva, morto pela polícia lá pelos idos anos de 1920, a tiros no sítio de sua propriedade no sertão de Pernambuco. E não é que Lampião virou o herói de muitos meninos de minha época nas brigas de crianças na escola.

No princípio, cheguei a julgar que alguém estava plagiando as histórias dele, no entanto, mais tarde, descobri que ajustar o contexto às histórias elaboradas faz parte do processo de comunicação na tradição oral de cada povo em qualquer lugar do mundo. Assim sendo, na obra literária denominada de “As Tecnologias da Inteligência”, de autoria de Lévy (1997), ao referir-se às culturas orais, ele defende que elaborar histórias e ajustá-las ao contexto vivenciado são tecnologias de apoio ao processo de memorização permanente na socialização do individuo. De modo que “o contexto é o próprio alvo dos atos de comunicação” (LÉVY, 1997, p. 21). Ao mesmo tempo que ele contribui para a compreensão e construção do significado das mensagens, vai-se transformando com essas: “o sentido emerge e se constrói no contexto, é sempre local, datado, transitório”, conforme o Lévy (1997, p. 22). Assim, contexto e sentido vão-se modificando a cada nova proposição e/ou recriação contextual, ajustando-se e produzindo novos sentidos e/ou significados. Contextualizar histórias, nada mais é, do que, nesse caso, uma tecnologia da inteligência permanente. Seu Candeia do Maraú e provavelmente seu Fulgêncio, assim como muitos outros, são oralistas e usam essa tecnologia até os dias de hoje, para compartilhar e socializar os conhecimentos que aprenderam de seus antepassados, através da educação formal e/ou informal. É importante mencionar que segundo Lévy (1997), uma tecnologia intelectual apresenta-se como um conjunto de estratégias, técnicas e mecanismos, frutos da inteligência humana, que auxilia a própria inteligência a produzir relações e guardar informações necessárias e úteis. Nas últimas décadas do século o mundo sofreu uma verdadeira revolução com as novas tecnologias colocadas a disposição da interação social envolvendo a população do planeta terra através do uso das redes telemáticas, tudo começou depois que o homem pisou na lua pela primeira vez. Dessa forma, Lemos (2002), menciona que já na década de 60 do século XX, McLuhan (1969), previa pioneiramente o surgimento da “Aldeia Global”, ao anunciar que a eletrônica e a multimídia poderiam ajudar para o surgimento de novas tecnologias, dentre as quais o computador sendo usado em rede, que por analogia, por exemplo, a atual rede mundial de computadores, conhecida como internet.

Meus pais , meus tios, minhas tias, meus irmãos, meus colegas de aulas, assim como a professora Beatriz Lopes Pereira , já utilizavam outra tecnologia da inteligência, a escrita: livros, jornais, revistas, folhetos de cordéis, os cadernos de contos, cadernos de poesias, os cadernos de receitas culinárias, os cadernos com os hinos sagrados dos santos venerados, os cadernos com o oficio da imaculada conceição, os cadernos com as ladainhas dos santos, que uns copiavam dos outros, e assim por diante... Na Escola Elementar Mista do Engenho Itapuá, ou mesmo fora dela, a escrita foi-se tornando uma fonte quase inesgotável de novidades. Alimentava até mesmo a fantasia do “Seu Candeia” do Maraú, que ficava lá em casa, assentado no alpendre, tomando café, fumando seu pé-de-burro feito de fumo com palha de milho, enquanto minha mamãe mandava sua ama Alice do velho Joventino preparar o jantar, e meu pai, meus irmãos: José Vicente, José Antônio e meus meios irmãos: Josefa, Maria do Carmo, Antonio, João, Luiz, e eu nos revezávamos na leitura, em voz alta, de algum romance da literatura de cordel, revista e/ou jornal A UNIÃO ou O NORTE, vindo da Capital da Paraíba trazendo as noticias dos últimos acontecimentos na sociedade.

A velha Mãezinha, uma senhora de uns 80 ou mais anos, também contava suas histórias de trancoso para a meninada, ainda me lembro quando ela contou a história do “lobisomem” e que fazia uma mistura danada com a visita do cangaceiro Manoel Batista de Morais, vulgo: Antonio Silvino no Engenho Itapuá. O fato é que a velha era desbocada e falava muitos palavrões, principalmente estava com o “quengo” cheio da água que passarinho não bebe. Somente quando li pela primeira vez o livro: “Menino de Engenho”, de Zé Lins, foi que compreendi que a história da visita de Antonio Silvino não foi no Engenho Itapuá e sim no Engenho Santa Rosa, ficando a partir daí a confusão em minha mente entre o real e a ficção do romance. Assim sendo, procurei melhor entender à legendária história da vida do cangaceiro vulgarizado de Antonio Silvino, “o rei dos cangaceiros”, segundo a poesia de cordel do grande poeta Leandro Gomes de Barros, que assim declamou,

(...)

No Pilar da Paraíba / Eu fui juiz de direito,

No povoado — Sapé, / Fui intendente e prefeito,

E o pessoal dali / Ficou todo satisfeito.

Ali no entroncamento / Eu fui Vigário-Geral,

Em Santa Rita fui bispo, / Bem perto da capital,

Só não fui nada em Monteiro, / Devido a ser federal.

(...)

Diante do exposto, ele é realmente o precursor de “Lampião”, em suas andanças e atividades criminosas e justiceiras em certos momentos, um herói do povo sofrido em uma época em que não existiam sindicatos e movimentos populares do tipo: sem tetos, sem terra, etc, que durante o tempo em que esteve preso, teve um bom comportamento, converteu-se ao protestantismo e recebeu as visitas de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Luis da Câmara Cascudo, Nilo Pereira, José Américo de Almeida, dentre outras personalidades, inclusive não aceitava receber jornalistas, segundo o pensamento de Porto (1986), Fernandes (1990), Melo (1993), Moura (1997) e Barbosa (1997).

Lá em casa meus pais falavam das novidades tecnológicas no final da década de 50 do século XX: televisão, rádio de pilha e de eletricidade, geladeira a gás e a eletricidade, fogão a gás e das linhas telefônicas. Tenho na lembrança a confusão no imaginário de um trabalhador da roça de meu pai de nome “Zé Burinete” a respeito dos cantadores de viola transmitido através do Rádio Tabajara, onde ele questionava o fato de uma caixinha tão pequena como o rádio e que cabia dois homens e duas violas dentro dele, além dos dois tamboretes para se assentarem. E isso fazia um blá...blá...blá danado na roça com dos demais trabalhadores zombando do mico e da falta de conhecimento do mesmo sobre os homens cantadores, suas violências o aparelho físico do rádio.

Para mim foi uma grande aventura em contar que meu pai viajou de pau de arara e em 21 de abril de 1960 tomou parte entre os populares da inauguração de Brasília, construída pelo Presidente JK, como é conhecido Juscelino Kubitschek de Oliveira, quando regressou para a Paraíba no final de abril do mesmo ano, trouxe de presente para minha mãe uma moldura de madeira e vidro, contendo de frente Nossa Senhora da Conceição, do lado direito se via São Jorge e do lado esquerdo Nossa Senhora do Bom Parto, isso causou uma grande surpresa porque ninguém nunca tinha visto em um só quadro três santos juntos.

A devoção à fé católica sempre esteve presente no meu ciclo familiar paterno e materno, tendo como demonstração maior a construção da Capela de Nossa Senhora do Desterro, ainda no século XIX no município de Cruz do Espírito Santo/PB, pelo meu tio-bisavô Carlos Gomes de Melo. E jamais poderei esquecer os três dias de festas e missas, realizadas nos dias 26, 27 e 28 de dezembro de cada ano na referida capela, onde os padres José João Pessoa da Costa (Cruz do Espírito Santo/PB) e José Mesquita (Gurinhém/PB), eram os pregadores e celebrantes. Isto sem de deixar de lado os atos religiosos realizados na casa de minha tia Doninha, casada com João Luiz de França, conhecido por João Frade, que anualmente realizada uma grande procissão e festa folclórica em homenagem a São João Batista no dia 24 de junho de cada ano, com comidas, bebidas, boi de reis, babau, cantadores de viola (tendo a frente o seu filho Galego Frade e seus colegas violeiros) e baile com sanfona. Para encerrar o ciclo das festas religiosas do meu tempo de criança, relembro a tradicional festa de Nossa Senhora da Conceição, realizada no dia 8 de dezembro de cada na localidade conhecida por João Raimundo, na divisa dos municípios de Cruz do Espírito Santo e São Miguel de Taipu/Pb, tinha de tudo um pouco, tais como: carrocel, roda gigante, canoas, butiquins, comidas e bebidas típicas diversificadas, leilões, sorteios, jogos de azar, banda de música, pastoril, procissão, terço e missa, além das mulheres de vida livre vindas dos cabarés de Santa Rita, João Pessoa, Itabaiana e outras localidades, ficavam hospedadas na capoeira anexa as festividades para negociar suas carnes por dinheiro. Nos dias 5 e 6 de janeiro de cada ano também se repetia a realização da festa de Santos Reis, na bagaceira do Engenho Itapuá, tinha de tudo um pouco, que por analogia era muito parecida com a festa da Conceição do povoado de João Raimundo, inclusive naquela época já acontecia roubos, furtos e assassinatos em ambas as festas, não obstante a presença estatal através da polícia militar e dos vigias ou privados dos promoventes das festividades. Em tais festas já se encontravam presentes os motores a diesel gerando energia elétrica, parques de diversões, serviço de som, onde os rapazes e as moças colocavam músicas para seus pretendentes. Na festa de Reis do Itapuá, tinha até sessão de cinema por trás da Capela de Nossa Senhora das Angustias, padroeira da localidade.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 01/03/2013
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