A MEMÓRIA DE MINHA MÃE

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

Se a escrita e leitura nos fascinava, o que dizer da memória de minha mãe (Maria do Carmo Melo Aguiar)? Pois, ela fotografava em sentido figurado todos os acontecimentos em sua mente privilegiada. Ela gostava de ler textos bíblicos para os filhos, além de ensinar a rezar as orações do Pai Novo, da Ave Maria, o credo católico, o oficio da Imaculada Conceição e a salve Rainha. Em suma aos sete anos de idade fiz minha primeira comunhão na Capela do Engenho Itapuá, era o dia 11 de novembro de 1959 das mãos do Padre Manoel Gomes de Andrade, então Vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar. Lembro-me do refrão do hino principal cantado naquele magnífico dia, que assim dizia: Senhor Jesus nós meninos vos amamos, com o nosso pequeno coração, a recompensa que nós esperamos, seja a nossa eterna salvação. Naquele tempo não existia para as camadas populares filmagens em vídeo e/ou dvd, apenas quem tinha melhor condição financeira mandava que o fotógrafo lambe-lambe tirasse uma fotografia em preto e branco de seus rebentos. Vale salientar que nem sempre era possível fotografar e registrar os momentos importantes, pois, era difícil encontrar em qualquer lugar o retratista como era o profissional desse ramo conhecido até então, pois, a máquina fotográfica, era do tipo caixote, que “batia oito chapas” de três por quatro e/ou seis por nove centímetros num filme. Quando terminava, o filme era revelado através do processo conhecido popularmente no Nordeste do Brasil por lambe-lambe. As fotografias não eram entregues cinco minutos depois de tiradas como nos dias atuais, em certos casos passavam semanas para serem entregues. Na mente de menino da roça, esse tempo de espera pelas fotos tinha o sabor da eternidade que, no entanto, se esvaecia ao recebê-las semanas mais tarde. Talvez essa demora tenha sido a motivadora de minhas experiências de copiar fotos com papel carbono tirado da sesta de bordado e/ou costura doméstica de minha mãe, onde se imprimiam uns vultos, sem muita nitidez, que desapareciam pela ação da luz solar, após alguns dias. Inúmeras experiências foram-se somando, uma a uma, até que, por volta dos dez (10) anos de idade, rendi-me aos produtos industrializados: lona, pincel, tinta guache de diversas cores e fiz o desenho de um caipira, espécie de jogo com o uso de bozóis e/ou dados, feito de madeira de cajá e/ou de osso, contendo seis lados, com buracos de um a seis furos, contendo os seis bichos: avestruz com o número um, águia com o número dois, burro com o número três, borboleta com o número quatro, cachorro com o número cinco e cabra com o número seis.

O que mais me encantava, nesse processo todo, é que meus colegas de escola faziam encomendas de estampas dos caipiras de acordo com suas solicitações pessoais.

Não chegou a ser uma atividade lucrativa, era apenas um passa-tempo, mas cobria os investimentos e dava-me grande satisfação, afinal, tinha uns dez anos de idade e já sabia ganhar dinheiro com minha humilde inteligência. Então passei a ser importante, porque copiava os bichos do caipira com o uso do carbono de bordado de minha mãe e em seguida cobria com tinta guache a base de água em papelão e/ou em pano, tipo lona. É bom salientar de fotografia, propriamente dita, era reservada aos momentos mais significativos e comemorações especiais de pessoas tidas como bem sucedidas financeiramente falando, e que custava caro, não era todo mundo que podia ser fotografado no sistema do lambe-lambe. Procurei com cuidado desenhar casas, árvores, pessoas e animais domésticos, mas com o tempo tive de abandonar tais idéias, pois, tinha que me dedicar ao magistério que iniciei no dia 05 de janeiro de 1964 em Santa Rita – Paraíba, o meu dia-a-dia, a partir daí passou a ser atividades didáticas e pedagógicas, embora que sempre que pudesse usava desenhos para ilustrar minhas humildes aulas do então Curso Primário, administrado na escola que já tinha o nome: COFRAG – Colégio Francisco Aguiar.

Certamente, o pintor, decorador teatral, pioneiro na divulgação da fotografia e pesquisador Daguerre (1839 e 1844) , que no século XIX, conseguiu, depois de várias experiências, fixar imagens mais ou menos assim: utilizando chapas de cobre sensibilizadas com prata e tratadas com vapor de iodo, expondo a imagem ao mercúrio, reduzindo o tempo de exposição de horas para minutos, a esse processo complexo deu-se o nome de daguerreotipia. O daguerreótipo foi popular por muitos anos, mas tinha duas inconveniências: quando os modelos eram pessoas e não paisagens, elas necessitavam ficar imóveis e por no mínimo cerca de três minutos. E o principal: como se tratava de uma placa de cobre coberta por uma emulsão que, ao revelada, tornava-se visível, não era possível copiá-la e multiplicá-la. Vale salientar de que no século XVIII, o físico Nicéphore Nièpce, que utilizava suas pesquisas de soluções químicas, a principio, para imprimir litografias, foi responsável pela primeira imagem, que é considerada a primeira fotografia do mundo. Expôs durante cerca de oito horas na sua câmera escura uma placa de betume que utilizava para as pesquisas com as litografias e conseguiu uma imagem do quintal da sua casa, a qual chamou de heliografia (ou escrita do sol). Na verdade ele juntou-se ao pesquisador Daguerre e teve suas idéias por ele aprimoradas. Na verdade, Daguerre e Nièpce inventaram e aperfeiçoaram o processo de registrar imagens fotograficamente, jamais imaginaram os usos que essa tecnologia iria tomar nos séculos seguintes. Na verdade, a introdução da fotografia, como da escrita, produziu alteração no equilíbrio e nos processos de conhecimento e da informação de todas as comunidades, em qualquer parte do mundo, evidenciando que aquilo que Lévy (1997, p. 11) chama de “ecologia cognitiva” se desequilibra com a introdução de qualquer elemento novo, seja ele uma técnica, uma linguagem, uma idéia e/ou uma pessoa.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 02/03/2013
Código do texto: T4167258
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