"Dai de comer a quem tem fome" (Mt,14,16)

A vida me trouxe ao Departamento Municipal de Merenda Escolar de Itaboraí (DMMEI), um apêndice da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec) que tem como ação o cuidar da educação através de uma alimentação de qualidade.

Diferente do que possam imaginar alguns, a função do DMMEI não está limitada a simples conferência do Mapa de Merendas das Unidades escolares ou a contagem dos gêneros alimentícios que são distribuídos pela Prefeitura. Nosso trabalho é, antes de tudo, um compromisso com as futuras gerações através da criação de redes de ações entre a Semec, as escolas e as comunidades. Nossa missão é fazer de um elemento cultural considerado sagrado em todas as culturas – o alimento – o ponto de convergência rumo ao futuro libertário onde todos tenham condições semelhantes no jogo social.

Escolhi a frase evangélica tirada da multiplicação dos pães por acreditar que Matheus faz uma clara oposição entre o “banquete da vida” e o banquete de aniversário do rei Herodes Antipas. No primeiro há solidariedade e respeito aos pequeninos do Reino e no outro há a fartura, a concentração de alimentos e consequentemente a injustiça clarificada através da condenação à morte de João Baptista. A comida gera vida e tudo o que promove a vida deve ser tratado com o devido respeito.

No entanto a visão sobre a alimentação nas escolas não pode ficar no campo das reflexões teológicas. Não podemos esquecer que somos um Estado laico, porém como a cruz é um símbolo intrínseco à nossa formação cultural, imagino que ela pode muito bem retratar a função do DMMEI.

A parte vertical fala dos valores supra-humanos, as coisas do alto, os mistérios da existência que cercam o ato de alimentar-se. A sua parte horizontal, nos chama à responsabilidade social, nos alerta que embora a vida terrena seja passageira e breve ela deve ser tratada com toda dignidade. Lembrando Paulo de Tarso que se refere ao corpo como templo do espírito, vejo que cuidar do corpo, respeita-lo e, sobretudo, alimentá-lo é muito mais uma exigência ética do que uma simples formalização moral.

A merenda escolar no Brasil nasce justamente desta cultura brasileira de ser solidário. Na década de 30 surge a “Caixa Escolar”, um empreendimento voluntário e comunitário que tinha como objetivo melhorar as condições de ensino no país. A “Caixa Escolar” ficou conhecida como a Associação de Pais e Mestres.

Durante a década de 50 são criadas a Campanha da Merenda Escolar (março de 1955) e a Campanha Nacional de Merenda Escolar (abril de 1956) que funcionaram como braço paternalista da política de Getulio Vargas e ao longo dos anos foi sofrendo uma série de ajustes até o momento atual, quando buscamos assumir nossa identidade de Nação multicultural, a merenda escolar passa a ser uma espécie de linha invisível une todo o processo educativo.

Sabemos que não basta matar a fome é preciso promover a vida. No fundo estamos procurando tornar realidade o que os Titãs cantavam na década de 80 “ a gente não quer só comida... A gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade...”

O DMMEI é numa visão lúdica, porém lúcida, a água no gramado. Você não vê a água, mas é ela quem mantém o gramado verde.

Para que este processo de unidade comunitária se realize o DMMEI tem como coordenadora a nutricionista Inaiá Figueiredo, uma filha da terra que não só conhece a estrutura e os meandros da administração pública, mas também acredita que o trabalho sério aliado à responsabilidade sempre trarão bons resultados.

Pequena no tamanho, mas notável na presença e na competência Inaiá teve a preocupação de formar uma equipe multidisciplinar. Somos professores e funcionários ligados às diversas áreas do conhecimento e principalmente formamos uma equipe que teve a oportunidade de acumular experiências e saberes em sala de aula e nas ações comunitárias.

Desta mistura de conhecimentos e saberes surgiu o plano de ação que à pedido do Prefeito Helil Cardoso, tem o dever de tornar a Merenda Escolar de Itaboraí uma referência.

Os desafios são inúmeros, mas a vontade de trabalhar é embalada pela força infinita dos sonhos...

O primeiro grande desafio é estabelecer a harmonia dentro das escolas.

Como é sabido, o processo de sucateamento escolar desencadeado nos últimos anos atingiu seu ápice na ultima gestão, quando a máxima de Maquiavel - “Dividir para reinar” - foi estabelecida em nossas escolas.

As cozinhas passaram a ser partes alheias à comunidade escolar, criando feudos de resistência ao desenvolvimento comunitário da educação.

Existiam as tais “donas da cozinha” que chegavam ao absurdo de determinar que um turno com 350 crianças deveria almoçar em apenas dez minutos.

Esta maneira absurda de administração provocou sérios problemas de relacionamento entre professores, gestores, auxiliares de cozinha, alunos e pais. Problemas que eram escondidos debaixo do tapete colorido de uma campanha para reeleição. Assim criou-se um abismo de frustrações e rancor entre as auxiliares de cozinha e o restante da comunidade escolar. Abismo este que passa a ser aterrado com a solidariedade e o respeito a cada um.

A gestão atual busca a harmonia através do estreitamento das relações, mas precisamos ter claro que a harmonia não é a ausência de conflitos, mas o resultado da habilidade de equacionar as diferenças. A harmonia não pode ser confundida com a estúpida ideia de cada um senhor do seu quadrado, e sim como a capacidade de ver no outro um agente educador de valor imprescindível ao processo de formação integral e não como um oponente separado por fronteiras burocráticas.

Quando pararmos de discutir nossas diferenças e nos ocuparmos integralmente a formação de nossos alunos, deixaremos de perder tempo com quem é o melhor ou o mais importante, porque teremos descoberto e experimentado a fraternidade... Assim poderemos celebrar o grande banquete da vida!

Paulo de Andrade

Professor a serviço da Alimentação Escolar.