A HISTÓRIA DO MILAGRE DAS DUAS CAPELAS

A HISTÓRIA DO MILAGRE DAS DUAS CAPELAS

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

As pessoas, geralmente, têm uma visão plana, pegada a terra, de duas dimensões. - Quando a tua vida for sobrenatural, obterás de Deus a terceira dimensão: a altura. E, com ela, o relevo, o peso e o volume.

Josemaría Escrivá

A História da Paraíba registra que “o dia 17 de novembro de 1636, nascera coroado por um céu límpido e sereno de estio”, segundo relata J. Glês Lacet no conto histórico “O Milagre”, publicado no Anuário Informativo do Município de Santa Rita de 1937.

É certo de que o contista continua sua dissertação de cunho histórico afirmando de que “o orvalho matinal, caíra tremulante, chorando, talvez com saudades do céu, e, o azul-natier dos morros, emendava-se com o verde fosco da várzea imensa”, o que comprova assim de que realmente em ambas as margens do rio Samuraguai, segundo nos ensina Donato (1996, p. 283), quando afirma: “[...] o estratégico engenho à margem direita do Rio Samuraguai, defendido pelos holandeses com muito empenho lhes foi tomado de assalto pela companhia do Cap. Francisco Rabelo. Lutando entre defensores, morreu o conselheiro Ippo Eys-sens, Governador da PB, membro do Conselho do Recife [...]”, cujo rio posteriormente passou a ser chamado de rio São Domingos e atual rio Paraíba, cujo termo em tupy guarany significa rio de difícil navegação, acesso ou rio ruim em ambos os sentidos, eram cobertas por grande vegetação nativa (madeira de lei), que com o passar dos tempos foi substituída pela plantação da cana de açúcar e/ou “ouro branco”, como é popularmente chamada ainda nos dias atuais.

E o conto histórico já referido referencia que “após ter infligido uma derrota total, nas forças holandesas, que guarneciam o Engenho Espírito Santo e ter morto o governador Ippo Eyssens”, continua dizendo que “apesar deste ter se defendido heroicamente, chegou o denodado guerreiro e patriota Capitão Francisco Rabelo, com seu exército de bravos, a margem setentrional do Paraíba”e enfatiza em sua prosa literária e porque não dizer obra-prima, haja vista que “em sua marcha vitoriosa o pequeno exército paraibano, fora destruindo os canaviais do inimigo afim de desalentá-lo e pretendendo assim continuar até juntar-se as forças do acampamento de Bagnuolo”. O certo é que o bravo Capitão Francisco Rabelo destacou-se por suas investidas de surpresa, sistema de guerrilha contra o invasor holandês, principalmente na Capitania da Paraíba, entre os anos de 1630 a 1637. A história registra que ele recapturou Porto Calvo (1636) e, em seguida, participou da Batalha da Mata Redonda, que foi vencida pelos holandeses.

Dentre os seus feitos, destacou-se o ataque ao administrador, uma espécie de governador nomeado interinamente/Interventor holandês na Paraíba, Ippo Eyssens, que, juntamente com a sua tropa foram assassinados, no Engenho Espírito Santo, em 1636. O referido engenho pertencera ao Capitão Manoel Correa Perez que, à época, teve essa propriedade confiscada, isto é, tomada sem qualquer tipo de pagamento pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, vindo a ser adquirido assim pelo administrador holandês assassinado. A história registra ainda que a ação do “Rabelinho”, nome dado a Francisco Rabelo foi reconhecida pelos habitantes do povoado do Espírito Santo, que ergueu duas capelas, uma dedicada a Nossa Senhora do Perpetuo Socorro e outra a Nossa Senhora da Batalha, nos locais de ambas batalhas, onde os paraibanos nativos saíram vencedores. Foi um verdadeiro milagre tendo em vista a superioridade do exército holandês. Ambas capelas, ainda atualmente existentes, relíquias vivas da História da Paraíba e do Brasil no século XVII. A história menciona ainda de que a ação guerrilheira do Capitão “Rabelinho” fez-se sentir negativamente, com o aumento da repressão da Companhia Neerlandesa das Indias Ocidentais na região da Várzea do Paraíba naqueles tempos. Em síntese a história de ontem e de hoje menciona de que a povoação constitui-se na cidade de Cruz do Espírito Santo/Paraíba, cuja emancipação política ocorreu em 7 de Março de 1896. E Francisco Rabelo, o Capitão “Rebelinho” faleceu em combate, na ilha de Itaparica, em 1647, o que vale dizer que “com o seu exército de bravos, à margem setentrional do Paraíba”, caracterizando-se um verdadeiro milagre diante do grande número de soldados inimigos holandeses que lutavam para defender o sangue derramado de seu líder e chefe.

Vale ressaltar ainda de que Francisco Rabelo “em sua marcha vitoriosa, o pequeno exército paraibano, fora destruindo os canaviais do inimigo afim de desalentá-lo e pretendendo assim continuar até juntar-se as forças do acampamento de Bagnuolo” (Giovanni di san Felice, conde Bagnuoli, dito conde de Bagnolo ou Bagnuolo, militar italiano (nasceu Nápoles/Itália, 1575; faleceu em Salvador/Bahia/Brasil, 1640). A serviço do rei da Espanha, lutou contra os holandeses na Várzea do Paraíba, no Nordeste brasileiro).

A história narrada no conto histórico registra também que “porém antes de ter seguido para o seu engenho Espírito Santo, onde a morte fora surpreendê-lo, o governador IPPO EYSSENS tomara as suas providencias, e, por essa razão, sem imaginar si quer na morte do valente mais despótico governador, um forte contingente partira nesse ínterim, de Friederickstadt (Paraíba) e às 10 (dez) horas mais ou menos do dia 17 de novembro, achou-se frente a frente com a pequena tropa do capitão Rabelo”. É importante relembrar os nomes que a atual João Pessoa já teve a saber: Em 1585 - Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, foi o nome escolhido quando da sua fundação, no dia 5 de agosto, em homenagem ao santo do dia; em 1588 - Filipéia de Nossa Senhora das Neves em homenagem ao Rei Filipe II da Espanha, durante o período em que a Coroa Portuguesa foi incorporada à Coroa Espanhola (União Ibérica 1580-1640); em 1634 - Friederickstadt (Cidade de Frederico) ou Frederica em homenagem ao príncipe de Orange, Frederico Henrique de Nassau, durante os 20 anos de ocupação holandesa no nordeste brasileiro; em 1654 - Cidade da Parahyba ao iniciar o período de restauração após a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro; em 1930 - João Pessoa numa homenagem ao político João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, paraibano de Umbuzeiro, então presidente (governador) do Estado da Paraíba, assassinado na cidade de Recife em 26 de julho de 1930 pelo advogado João Duarte Dantas.

Mencionamos ainda de que o conto de caráter histórico do santaritense Jaime Gonçalves, menciona de que “o bravo guerreiro teve de relance, a intuição de qual seria o fim daquela luta desigual, mas não podendo evitá-la, relanceou para os seus comandados um olhar de animo e de surpresa renuncia a vida pela grandeza e liberdade da terra nativa”, é aí que entra a participação do homem nativo (índio) na libertação das terras da Várzea do Paraíba dos atuais municípios de Santa Rita e Cruz do Espírito Santo com a expulsão do domínio holandês, fato histórico e primitivo de que o sentimento patriótico nasceu em solo paraibano antes mesmo do sangue derramado de Tiradentes em Minas Gerais pelos mesmos ideais.

A História da Paraíba deve muito a memória e a bravura de Francisco Rabelo, pois, “os valentes soldados compreenderam e apesar de exaustos da luta anterior e da longa caminhada, ergueram os bustos resolutos, dispostos a tudo”, segundo relata o conto ora analisado à luz da história que nos é comum. Daí por diante, “travou-se, então, a luta furiosa e sanguinolenta”, registrando-se de que “de um lado, um forte exercito de invasores (holandeses) animado pela cúbica e pela superioridade numérica; de outro, um punhado de patriotas (Francisco Rabelo, seus soldados brancos, negros e índios) confiado apenas na justiça divina e na própria bravura”, partiram para a luta do corpo a corpo, pois, “durante angustiosas horas o sangue regou em abundância a margem esquerda do rio Paraíba”, e como “não tardou que a horda estrangeira começasse a aniquilar pouco a pouco a tropa nativa”, o que vale dizer: os homens de Rabelinho: brancos, negros e índios, em pequena quantidade, levando-se em consideração “então, animado subitamente por uma fé estranha, o Capitão Rabelo incitou os seus bravos a elevarem uma prece ardente e sincera, a Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, a fim de não perecerem todos quando podiam ainda prestar tantos serviços a Pátria”, confirmando a partir daí o nascimento do grande patriota atualmente esquecido que é a figura de Francisco Rabelo, na História da Paraíba e do Brasil, desde 17 de novembro de 1637, em plena terceira década do século XVII.

Ato contínuo, o soneto de cunho histórico ora enfocado afirma de que “até o próprio exercito inimigo (holandês), que era composto de protestantes, reduziu um pouco o ímpeto da luta, ao ver aquele pequeno grupo de heróis estropiados e sujos de sangue e poeira, lutar ao som de uma ardente prece, ditada ( pelo Capitão Francisco Rabelo) pelo fervor de uma fé (católica) súbita e inabalável”.

Dando continuidade “e a luta prosseguiu encarniçada”, e como não bastasse “de repente o exército holandês viu-se cercado entre dois fogos”, pois, “é que um formidável reforço sob o comando do Capitão Sebastião de Souto e do famoso Henrique Dias (negro), viera pela margem direita do rio, em socorro da tropa de Francisco Rabelo”. E o sol da Pátria nascia em pleno século XVII na Várzea do Paraíba e em terras (solo, espaço físico) do Município de Santa Rita, tendo em vista que “em poucas horas, completamente rechaçados, os holandeses retrocederam, deixando o campo de luta semeado de mortos e feridos”. A Pátria Brasileira estava começando a ser construída com sangue na várzea do rio Samuraguai, São Domingos e Paraíba, atualmente, uma vez que em:

“16.10.1636 – ENGENHO ESPÍRITO SANTO.PB. Holandeses no NE. O estratégico engenho situado à margem direita do Rio Samuraguai defendido pelos holandeses com muito empenho, lhes foi tomado de assalto Pela companhia do cap. Francisco Rabelo. Lutando entre os defensores, morreu o conselheiro Ippo Eyssens, governador da PB, membro do Supremo Conselho do Recife” (DONATO, 1996, p. 283).

E Francisco Rabelo e seus homens (brancos, negros e índios) “considerando então, que a sua prece fora atendida, a tropa paraibana mandou erigir, depois, duas capelas (Capela de Socorro e Capela da Batalha), em agradecimento ao fato, que todos passaram a considerar um verdadeiro milagre”, ambos exemplares do barroco brasileiro no estilo rococó ainda continuam erguidos e recebendo visitantes para ouvir missas, pagar promessas e curtir o turismo histórico e religioso, tombados pelo patrimônio histórico e artístico nacional e cujas terras pertencem à propriedade da Usina São João.

Visitar a Capela do Socorro e a Capela da Batalha é reviver no tempo e no espaço os fatos históricos e a bravura do homem paraibano a procura de sua nacionalidade brasileira, levando-se em consideração “assim, foram erguidas, na margem setentrional do rio Paraíba, no local da luta, a capela de Nossa Senhora da Batalha, e na meridional a de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, que ainda hoje existem, conservada piedosamente pelo povo, que na sua quase totalidade, ignoram o valor pátrio-religioso daquelas duas relíquias da história paraibana”, é o que afirma no conto histórico publicado no Anuário da Prefeitura de Santa Rita em 1937 de autoria de Jaime Gonçalves do Nascimento, o popular “Jaime Lacet” que assinava com o apelido de “J.Glês Lacet”, e até porque a visão sobre os referidos monumentos históricos e religiosos ainda continua praticamente a mesma, pois, a sua permanência em termos de restauração e assim por diante se dá por conta da lei de incentivo a cultura nacional, ainda vigorante em nosso meio, caso contrário ambas já teriam tido o mesmo destino que tiveram: a) da Capela de Santos Cosme e Damião (que existia na Várzea do Paraíba antes da BR 101 e pertencia a extinta Usina Santa Rita, quando menino estive lá em um dia em que Padre Mauricio celebrava missa e tenho em minha mente sua constituição física e os santos em tamanho natural de um homem, a linha de trem levava o Padre até a porta da Capela, foi derrubada para plantar cana de açúcar); b) da capela de Santo André (onde atualmente encontra-se construído o matadouro particular de Santa Rita a margem da PB 004-Santa Rita /Cruz do Espirito Santo, também na época era da propriedade da extinta Usina Santa Rita); c) da capela de Nossa Senhora do Rosário (frente para o Rio Paraíba e que foi derrubada na década de 40 do século XX, pertencia ao patrimônio da extinta Usina Santa Rita, e cujo terreno foi doado ao Governo do Estado da Paraíba para ser construído o Grupo Escolar João Úrsulo; d) da Capela de São Francisco Xavier (encontra-se em ruínas), situada ao lado da Casa Grande e do Engenho Capelinha, residência oficial do primeiro prefeito de Santa Rita, o Intendente Antonio Gomes Cordeiro de Melo, cuja posse ocorreu em 29 de março de 1890 e cujo patrimônio pertence a extinta Usina Santana, atual Agroval, dentre outras existentes na Várzea do Paraíba: Capela do Engenho Maraú/Sapé; Capela do Engenho Itapuá/São Miguel de Taipu; Capela de Nossa Senhora da Consolação (1851)/Paula Cavalcante (Entroncamento)/Cruz do Espírito Santo) e em terras de Santa Rita.

................................

Referencias:

AGUIAR, Francisco de Paula. Santa Rita, Sua História, Sua Gente. Campina Grande: Gráfica Júlia Costa. 1985; e 2ª ed. São Paulo: Clube de Autores, 2016, 638 p. – Disponível in.: <https://rl.art.br/arquivos/6404665.pdf>. Página visitada em 01. Abr.2019.

ALMEIDA, Horácio de - História da Paraíba. João Pessoa: Imprensa Universitária.1966.

DONATO, Hernâni. Dicionário das Batalhas Brasileiras. 2ª ed. São Paulo: IBRASA, 1996. 553 páginas. Cf. livro publicado in.:

<https://books.google.com.br/books?id=xeyuqtq3ImUC&pg=PA283&lpg=PA283&dq=Rio+Samuraguai&source=bl&ots=HdSWbjQ3jS&sig=geH8hS6KEFXrFkx1zol0WfHFblQ&hl=ptBR&sa=X&ei=uZv0VLTeOqnIsQSU6oL4Ag&ved=0CB8Q6AEwAA#v=onepage&q=Rio%20Samuraguai&f=false>. Página acessada em 01. Mar.2015.

LACET, J. GLÊS. O milagre (conto histórico). In.: ANUÁRIO INFORMATIVO DO MUNICIPIO DE SANTA RITA. João Pessoa: Tipografia A Imprensa. 1937.

MELLO, José Octávio de Arruda - História da Paraíba: Lutas e Resistência. 7ª ed. João Pessoa: A União. 2002.

RIBEIRO FILHO, João. Santa Rita (re)contada em fatos e fotos: do engenho à emancipação. João Pessoa: Sal da Terra. 2012.

.................................................................

Observação:

1ª - Artigo publicado no Recanto das Letras. In.: <http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4240461>. Página visitada em, 03. Abr.2019.

2ª - IBGE – BRASIL - Capelas; Igrejas (Edifícios); Paraíba; Santa Rita (PB). Título Secundário: Capela de N. S. do Perpétuo Socorro. [ Catálogo ]. Disponível in.: <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=447422&view=detalhes>. Página visitada em 03.Abr. 2019.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 14/04/2013
Reeditado em 31/05/2019
Código do texto: T4240461
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.