A religião do Ocidente

Enquanto o mundo do ocidente celebra seu estado de esclarecimento, dando por encerradas muitas questões, julgando ter superado a cegueira que pairava sobre a humanidade e considerando que deixou para trás o “homem primitivo”, os modismo do mundo moderno se casam com a mentalidade e cosmovisão de sempre, criando uma nova e global religião. Apenas mais uma forma do mesmo pensamento medieval, que se molda à relidade de um mundo globalizado e capitalista. E um tanto adoecido também.

É uma confusão só e se torna muito difícil encontrar a ponta desse novelo, mas parece-me que o ponto central de tudo é o dinheiro, a raiz de todos os males, como disse Salomão há alguns milhares de anos atrás. Uma das grandes metas do homem moderno é a conquista de riqueza e, com ela, o prestígio e o poder. Ao redor desse ponto central estão coisas que giram uma em torno da outra, como o pensamento científico, a elevação da psicologia à condição de ciência que tudo explica e resolve, o espírito ecumênico que, meio mal entendido, torna sinônios a tolerância religiosa e a crença simultânea em todas as religiões. Há também o estilo de vida americano: fast-food, carros, eletrodomésticos, astros de cinema, o culto ao corpo - devidamente disfarçado de preocupação com a saúde - roupas, moda, festas e todo tipo de consumismo em geral - e é aqui que o nó se fecha na grande meta: a conquista de riqueza que possibilita esse consumismo leviano.

Todas essas coisas girando uma em torno das outras e todas girando em torno do dinheiro criam os pilares da religião do ocidente. A ciência vem como carro chefe, puxando tudo. Nossa religião é ciência e nossa ciência é religião. Há inclusive muita fé cega nela e um ardor fundamentalista: quem não pensa em ciência é inferior, é primitivo. Nessa brecha encontrou um ninho a psicologia, pois no mundo científico, apenas uma ciência pode salvar o homem (e se ainda há discussão se a psicologia é uma verdadeira ciência (e eu acho que não há), ela é pelo menos ensinada nas faculdades por mestres, e isso basta, pois no nosso mundo, nada precisa ser de fato, apenas mais-ou-menos ser, ou no mínimo, parecer) . E então o nosso mundo inteiro está coberto por um manto de ciência e psicologia.

Mas como no nosso mundo, nada precisa ser de fato, a religião não morreu, nem a fé, nem a razão pura prevaleceu sobre tudo, mesmo com essa ascensão toda da ciência. Assim, as manifestações de espiritualidade do homem tomou sobre si o manto científico da nossa época. Sem querer entrar no mérito da questão da relação entre ciência e fé, ou como o conhecimento secular se tornou tão distinto do conhecimento religioso, isso aconteceu. E não aconteceu por questões de autenticidade, ou descobertas de verdades, mas porque a ciência é essa grande moda, essa roupinha da estação que é a única coisa que consegue chamar a atenção dos olhos dos fiéis ocidentais. E essas coisas giram tão perfeitamente confusas entre sí, que é impossível saber se a religião virou ciência ou se a ciência virou religião. Na verdade, as duas deixaram de ser legitimamente e passaram a mais-ou-menos ser. Por isso mesmo se tornou tão fácil ser um ecumênico que acredita tanto em um ser chamado “Deus”, como em um não-ser chamado “Brahma” no mundo ocidental, porque elas não são de verdade.

E porque precisamos aceitar todas as religiões? Para assim satisfazermos nosso ego ocidental, esclarecido (não de verdade, mas aparentemente esclarecido) e científico, pois tem mais uma ciência que entra no rol: direitos humanos. Não que ser um ecumênico seja sinônimo de garantir direitos humanos, no sentido de liberdade religiosa, mas parece... mais-ou-menos é, e basta.

E direitos humanos aqui não entendam como consciência humana, sobre a igualdade entre os homens, e a capacidade de solidariedade que cria um equilíbrio, de forma que o garotinho estadunidense não se torna obeso e o quase-garotinho africano (quase porque não é ocidental e nem rico, melhor seria chamar de criatura) não morre de fome, mas é o direito de quem tem comprar o que quiser e reclamar caso venha estragado. Aí entra o estilo de vida americano, o consumismo. De cara, entra o culto ao corpo disfarçado de saúde, e como tudo gira em torno de tudo, entram na roda técnicas de medicinas alternativas, devidamente adulteradas do que são para um estado de mais-ou-menos ser. Vem junto o ioga, o tai-chi, todos vestidos de ciência, sem deixar de lado a espiritualidade, convertida em explicações que envolvem ondas cerebrais e frequências místicas que podem ser medidas num eletroencefalograma.

Com todos esses elementos tendo como objetivo final a aquisição de riqueza, se cria uma única forma de pensar, uma única religião. Não há cristianismo, hinduísmo, budismo nem espiritismo, só há capitalismo. Mais um motivo porque ser ecumênico é tão fácil no ocidente.

Têm aparecido coisas como psicologia empresarial espiritual. Muitas são as linhas que ensinam a como ser bem sucedido (onde se lê “bem sucedido”, leia-se “conquistou muita riqueza”) usando as forças do pensamento, misturado a conceitos de Psicologia e Física. O bem estar emocional deve ser usado como uma ferramenta no mundo empresarial. O bem estar espiritual é apenas uma condição sine qua non da máxima produtividade. O lema geral é que não há realização pessoal sem geração de lucros.

As pregações nas igrejas evangélicas anunciam as vitórias, o espírito de águia, empreendedor e determinado, seja para ganhar bençãos (dinheiro), seja para ganhar almas, misturando conceitos de Psicologia e Esoterismo. “Palavras proféticas” são o equivalente à força do pensamento, assim como o “vislumbrar” de milagres. No final, o que importa, é a conquista de uma terra prometida. Até mesmo quando se confunde o papel do pregador com o do psicológo e o objetivo básico do culto é realizar curas interiores, no final, o importante é que, com a cura, virá a vitória (o dinheiro).

As religiões orientais no ocidente trazem a mesmíssima mensagem de vitória e sucesso, através dos mesmo meios. O espiritismo se fundiu com quase toda linha espiritualista existente no ocidente, todas respeitando as premissas psico-científicas do nosso mundo. O catolicismo ainda se mantém mais puro e, por causa disso, está desaparecendo. Para reagir, estão imitando as igrejas evangélicas neo-petencostais, o que, nessa altura do campeonato, não muda muita coisa, visto que nada é, só mais-ou-menos é. Algumas igrejas chamadas de tradicionais e/ou protestantes históricos também se mantém um pouco mais puras na sua proposta, mas também estão desaparecendo e, por isso, entrando sutilmente no mesmo jogo.

De forma que temos uma única e grande religião ocidental. Todas as outras religiões são apenas nomes e locais diferentes para a prática da mesma fé: nada é, tudo deve parece ser. Parecemos ocidentais esclarecidos celebrando a própria superação das trevas. Amém.