Espelhos num mundo doente

Mais de 500 anos depois do “Descobrimento (branco) do Brasil” os primeiros habitantes desta nação continuam protagonizando a condição de vítimas. O único dia destinado aos índios, comemorado nesta sexta-feira (19 de abril), tornou-se uma espécie de data folclórica, lembrada apenas por professores e alunos das séries iniciais, que pintam os rostos e colocam nas cabeças cocares feitos com cartolina e pena.

“Quem me dera, ao menos uma vez, fazer com que o mundo saiba que seu nome está em tudo e, mesmo assim, ninguém lhe diz ao menos obrigado”.

Historicamente, um dos pilares do tripé racial que compõe a base desta nação ficou esquecido no tempo, como mencionado no trecho acima da canção “Índios” (letra de Renato Russo e um dos sucessos da banda Legião Urbana). Inúmeras cidades brasileiras têm nomes oriundos de línguas indígenas; o mesmo vale para vários pratos de nossa culinária e para diversas manifestações culturais.

“Quem me dera, ao menos uma vez, ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha.”

Há quem opine que são muitas as terras destinadas hoje aos remanescentes das “chacinas” realizadas pelos “brancos civilizados” ao longo de cinco séculos. Há quem ache que eles ainda ocupam áreas que bem poderiam ser usadas para o progresso do País.

“Quem me dera, ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais importante. Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.”

Invadimos suas terras, matamos os que resistiram e catequizamos os que sobreviveram com nossas crenças, língua e cultura. Demos aos ditos selvagens tudo aquilo que eles nunca precisaram. Os “mágicos espelhos” que levamos encantaram os inocentes, mas só refletiram semblantes que se tornaram cada vez mais entristecidos. Alguém se lembra disso?

“Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender; que o que aconteceu ainda está por vir e o futuro não é mais como era antigamente.”

Quando “todo dia era dia de índio” e a terra brasilis era chamada de paraíso, os seus verdadeiros primeiros habitantes podiam sonhar com o futuro. Não o que seus descendentes receberam e vivem no presente, mas um futuro com tanta ou mais fartura do que tiveram um dia.

“Quem me dera, ao menos uma vez, acreditar por um instante em tudo que existe. Acreditar que o mundo é perfeito, que todas as pessoas são felizes.”

Enquanto as terras ainda reservadas aos indígenas forem frutos da ambição de grileiros e madeireiras; enquanto as religiões invadirem as aldeias para ensinar o que os índios já têm de sobra; enquanto comerciantes inescrupulosos continuarem vendendo bebidas alcoólicas e drogas para as tribos; enquanto governantes e legisladores não criarem condições para que eles vivam com dignidade, veremos as próximas gerações tentando encontrar em páginas da internet os únicos resquícios de vida desse pilar da história do Brasil.

“Quem me dera, ao menos uma vez, como a mais bela tribo, dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente. Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente. Tentei chorar e não consegui.”