OS MISERÁVEIS DE GOIÂNIA

Nos últimos oito meses 31 moradores de rua foram assassinados em Goiânia. A julgar pelo interesse das autoridades policiais no caso a funesta estatística tende a aumentar nos próximos meses. A morte de mendigos não comove tanto a sociedade como a morte de médicos, jornalistas, advogados, empresários e outros “cidadãos de bem”.

Mesmo sem aprofundar as investigações, a polícia goiana descarta a existência de um grupo de extermínio. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos tem uma teoria diferente e acredita que uma investigação pela Polícia Federal irá elucidar a causa dos homicídios.

Quanto vale uma vida? Quanto vale a vida de um mendigo? Quando um morador de rua cai ao chão sem vida não há revoltas nem passeatas pedindo justiça. Não há sequer uma família para reclamar o corpo. Prefeitura, Câmara e Rotary não enviam coroas de flores para conferir importância ao defunto. Não há sequer um padre para encomendar a infeliz alma. Era apenas um homem que morava na rua, que se vestia com farrapos, que dormia ao relento. Era um homem inviável.

A sociedade vê os moradores de rua como o estorvo da paisagem, um tumor a incomodar. São corvos desmantelando a beleza da cidade. Difícil é enxergar no fiapo de corpo um coração pulsando alegrias e tristezas, uma alma a gritar por justiça ou ao menos um prato decente de comida. Os mendigos de hoje são os leprosos de ontem. Ancestrais de Lázaro.

Comovemo-nos com facilidade quando vemos filmes antigos mostrando a morte de judeus em campos de concentração nazistas. Indignamo-nos com cólera contra a violação de direitos humanos em Cuba, na Rússia e na Sérvia. Nossos olhos, porém, não brilham quando encontramos dezenas de pedaços humanos jogados, mortos, nas calçadas, vítimas de balas ou de lâminas. São apenas restos a serem recolhidos pela Comurg.

E a vida segue seu curso. Novos temas na televisão para consumir nossa indignação. Novos escândalos na política para corroborar nossas certezas infalíveis. Não há pressa nem caráter de urgência na investigação das mortes. Pior que isso: não há força-tarefa imbuída de evitar que outras vidas, outras vidas miseráveis, caiam na mesma vala. Diante disso apenas o silêncio. E não é o silêncio dos inocentes.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 11/05/2013
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