Sobre os dois lados da moeda: três questões antipáticas

As moedas sempre têm 2 lados: cara e coroa; impossível encontrar uma moeda com um único lado.

Muitas outras coisas são assim, mas as moedas cabem em nosso bolso, e então podemos manuseá-las de um lado para o outro e conferir a veracidade desse fato. Outras, no entanto, parecem ter só um lado. Nesses tempos de ativismo pela rede, vêm sendo apresentadas assim, como uma moeda estática sobre uma mesa, sempre iluminada do mesmo lado, parecendo assim não possuir o verso. Mostrar o outro lado da moeda parecerá extremamente antipático, não queremos ver isso; mas ele existe.

Recentemente, uma campamha pela rede resultou no assalto de um laboratório que mantinha enorme quantidade de beagles, cachorrinhos adoráveis, para pesquisas sobre efeitos de cosméticos. A campanha gerou uma enorme comoção: os singelos cachorrinhos vinham sendo torturados no interior de uma instituição nefasta que os usava com propósitos malévolos.

O discurso mostrava sempre um lado da moeda: os maus-tratos impostos aos cães; eram reais. O outro lado consiste no seguinte: todo novo medicamento que venha a ser utilizado terá sido testado em alguma cobaia. Por motivos humanitários, testam-se os novos medicamentos em animais antes de testá-los em pessoas. “Cobaia” é aquele que usa o medicamento pela primeira vez. Eliminar os animais como cobaias siginificaria usar pessoas como cobaias. Não é possível a generalização do uso de um novo medicamento sem que alguns tenham sido os primeiros a usá-lo. Por definição, os primeiros a usar o medicamento são cobaias. Os testes com animais têm por objetivo reduzir os possíveis efeitos nocivos em pessoas.

Uma questão, a meu ver, muito mais relevante é o fato de esses testes serem feitos em populações escuras e pobres do terceiro mundo. Acho que os primeiros testes com pessoas (alguém será sempre o primeiro a usar, portanto, uma cobaia, coisa arriscada) devem ser feitas no mesmo local em que as pesquisas.

Outro ponto curioso é o seguinte, os beagles são graciosos, muito bonitinhos, razão pela qual nos cativam. Talvez se deva desenvolver uma raça feiosa e antipática embora dócil. A feiúra dos pobres angariaria nossa antipatia, nosso desprezo. Nossa bondade, se esmiuçada, tem vieses surpreendentes.

Também cabe pensar sobre a futilidade dos cosméticos, e se nossa vaidade, que justifica o desenvolvimento de tais coisas, paga os males causados sobre as cobaias animais. O boicote das compras de tais produtos acarretaria o término dessas hediondas pesquisas.

Várias campanhas divulgadas na rede se fundamentam em um único lado da questão. Tempos atrás iniciou-se movimento contra as hidrelétricas amazônicas, especialmente Belo Monte. Os contestadores falam da destruição ambiental causada pelas represas. Não costuma haver referências ao outro lado da moeda.

As hidrelétricas geram energia limpa, não poluem. A alternativa a elas é o uso de termoelétricas que geram energia a partir da queima de petróleo. O impacto de uma hidrelétrica ocorre uma única vez, e consiste no alagamento de uma área. Termoelétricas queimam petróleo constantemente, contribuindo drasticamente com o aumento de CO2 na atmosfera de outros gases poluentes e, consequentemente, do aquecimento global decorrente do efeito estufa.

Qualquer dos dois lados da moeda traz seus problemas (é sempre assim, tudo tem dois lados, e mesmo quando tentamos separá-los, acabamos gerando novos lados). A hidrelétrica acarreta inundação de uma área, um dano. Termoelétricas, como as que vêm sendo usadas na amazônia, acarretam dano ambiental muitíssimo maior, e irreversível; deveriam, penso, ser proibidas sempre que houvesse disponiblidade de fonte de energia alternativa. Considerações ecológicas apontam exatamente para o outro lado da moeda.

Os índios ,habitantes do local, querem energia elétrica; penso que, como todos nós, deveriam se preocupar com a geração de eneria limpa. Mas duvido que conheçam esse lado da questão.

A terceira e mais surpreendente das 3 questões antipáticas parece ter sido resolvida a contento. Trata-se da campanha, já encerrada, pela proibição da distribuição gratuita das sacolas de lixo. Hove, poucos anos atrás, quem defendesse esse disparate. Não se usava, naturalmente, esse mote, pleiteava-se a proibição das sacolas de supermercado. Justificava-se a campanha pelos danos ambientais causados pelas mesmas; nunca esclareceram como deveríamos jogar fora o nosso lixo. Os defensores da proibição pareciam acreditar que ao eliminarmos as sacolas de lixo suprimíamos com elas, magicamente, o próprio lixo. Mas tudo tem dois lados, como as moedas.

Continuo acreditando que essa campanha foi idealizada por estrangeiros que não sabiam que as sacolas de supermercados eram usadas, aqui, como sacos de lixo. Pensavam que se transformavam diretamente em lixo, não em sacos de lixo. Imagino ter ocorrido algo assim:

― Mas isto é usado pelos brasileiros como saco de lixo!

― Este ser o problema, sacoula ir para o lixo!

Suponho que a campanha resultou de um problema de comunicação. Curioso foi ter visto uma multidão ecoando a proposta esdrúxula. Nada obsta que compremos sacos de lixo bio-degradáveis, seria louvável que o fizéssemos. Fica a sugestão aos mais ricos, que aliś, costumam gerar quantidade exorbitante de lixo (oh, pobres sacolinhas...).

Mas essa é a maneira como vemos o mundo, fazendo sempre a associação mais óbvia e frequentemente equivocada. Pensamos nos faxineiros e nos lixeiros, aqueles que mantêm limpo tudo o que sujamos, como criaturas sujas. Desse modo, nos parecem limpos os que sujam, sujos os que limpam, somos assim. Mas todas as coisas têm 2 lados.