Para tirar a cartola

Por Rodrigo Capella*

A Sorrir /Eu pretendo/Levar a vida /Pois chorando/Eu vi/A mocidade perdida. Se você tem quarenta anos ou é amante da boa música brasileira, certamente irá se lembrar dessa letra do sambista Angenor de Oliveira, o Cartola. Durante seus 72 anos de vida, compôs, aproximadamente, quinhentas canções, sozinho ou ao lado de nomes como Noel Rosa, Elton Medeiros e Carlos Cachaça.

Algumas músicas se eternizaram e ainda podem ser ouvidas no rádio e em bailes. É o caso de "Alvorada no Morro", "Garças Pardas", "Soldado do Amor" e "O Sol Nascerá", que aparace no início desse texto. Nascido em 11 de outubro de 1908, na cidade do Rio de Janeiro, Cartola freqüentava os bailes carnavalescos desde os oito anos, provando que o dom artístico realmente estava no sangue.

Mais tarde, aos onze foi morar no morro da Mangueira, devido aos problemas financeiros e começou a trabalhar como tipógrafo e pedreiro. Conta-se que, para não sujar a cabeça de cimento, Angenor utilizava uma espécie de chapéu bem parecido com uma cartola. Teria nascido aí o apelido do compositor: Os tempos idos nunca esquecidos/trazem saudades ao recordar/ É com tristezas que relembro/Coisas remotas que não valem mais.

Pois é, esse é um resumo rápido da vida de Cartola, eternizada em um documentário de mesmo nome dirigido por Lírio Ferreira e Hilton Lacerda e que está, atualmente, em cartaz nos cinemas brasileiros. Uma justa homenagem para quem sempre valorizou a música brasileira, propondo inovações técnicas e melodias vibrantes: Tudo acabado/O baile encerrado/ Eu dancei com você/ Divina Dama/ Com o coração/ Queimado em chama.

Com orçamento em torno de R$ 1,6 milhão, sem contar os direitos de imagens, é claro, o documentário foi originalmente idealizado em 1998 e foi ganhando corpo ano a ano graças à realização de uma minuciosa e importante pesquisa documental. E não é pra menos. Muitos livros, jornais e textos retrataram a vida de Cartola. Alguns sem samba, muitos com bandolim, cavaquinho e tudo o que se tem direito. É o caso de "Cartola – 90 anos", livro de Arley Pereira lançado em 1998.

Muitas fotos, letras de música que marcaram época e histórias interessantes contextualizadas com os fatos da época. A obra "Cartola – 90 anos" oferece, dessa forma, momentos inesquecíveis ao som de samba da melhor qualidade, que encantou Noel Rosa e Villas Bôas, apaixonados pela música de Cartola. Conta-se até que Villas Bôas subia freqüentemente o morro da Mangueira só para ouvir o Divino: Queixo-me às rosas/mas, que bobagem, as rosas não falam/simplesmente as rosas exalam/o perfume que roubaram de ti.

É mais uma justa homenagem, a que sempre se esquivou dela. Em entrevista, por exemplo, a extinta Revista Manchete, em 1997, Cartola disse que: "quem gosta de homenagem póstuma é estátua. Eu quero continuar vivo e brigando pela nossa música". Pois é, e continua. Forte como sua música: A Vila emudeceu/Dolorosamente chora/O que perdeu/Ninguém é imortal/Morrer é natural.

(*) Rodrigo Capella é escritor e poeta. Autor de vários livros, entre eles "Transroca, o navio proibido", que vai ser adaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer, e "Poesia não vende", que traz depoimentos de Ivan Lins, Moacyr Scliar e Barbara Paz, entre outros. Informações: www.rodrigocapella.com.br

Rodrigo Capella
Enviado por Rodrigo Capella em 20/04/2007
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