Um elo na corrente-do-bem

Acabo de voltar de um rápido passeio à minha terra natal (Boa Nova-BA), onde pude renovar os laços com as minhas raízes e também constatar o quanto iniciativas simples podem fazer toda a diferença. Uma delas teve início há pouco mais de cinco anos, quando eu, meu irmão Luiz Henrique e sua esposa Sheyla colocamos para funcionar uma ONG de diretoria enxuta, cujo nome e ideal são referências ao meu saudoso pai, falecido em outubro de 2003.

O Instituto Adroaldo Moraes (IAM), mesmo contando com poucos recursos financeiros, apostou em um projeto ousado nestes tempos de tecnologias cibernéticas: a criação de uma sala de leitura. Assim nasceu a Sala de Leitura Paulo Andrade – nome que homenageia um conterrâneo (e amigo de infância) que transformou a sua vida através da leitura, paixão que cultiva desde a infância, quando já era um “leitor compulsivo” de gibis e clássicos da literatura infantil. Paulo deixou nossa cidade em 1991 para cursar Letras na Universidade Federal de Viçosa e trilhou uma carreira vitoriosa, que culminou no doutorado em Literatura pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), instituição onde atua como professor.

Essa Sala de Leitura começou com um acervo doado por amigos que acreditaram no projeto. Na verdade, nem era uma “sala”, já que se tratavam apenas de estantes com livros, revistas e gibis instaladas na MACOL – criada por meu pai e um primo em 1979 como uma loja de material de construção e hoje funcionando como uma papelaria e prestadora de serviços diversos, sob a administração do meu irmão. Ainda assim, logo caiu no gosto da criançada da cidade, que começou a ir ao local com frequência para buscar os volumes do acervo.

A grande mudança aconteceu em 2012, quando o IAM inscreveu o projeto “Ler, Escrever, Navegar...” no edital do Prêmio Mais Cultura de Pontos de Leitura do Estado da Bahia – uma iniciativa da Fundação Pedro Calmon (autarquia ligada à Secretaria de Cultura da Bahia), em parceria com o programa “Pontos de Leitura”, da Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura. Contemplado com 20 mil reais, ele culminou na instalação da Sala de Leitura em uma casa com mesas, cadeiras, estantes, armários, equipamentos audiovisuais, salas destinadas a leitura e oficinas, cozinha e banheiro.

A sua reforma, que não foi contemplada no edital, ficou a cargo de uma parceria entre a MACOL e a SAVE Brasil. Esta ONG paulista, que atua há mais de 8 anos em Boa Nova na conservação de aves e outros projetos ambientais, também terá funcionando ali o seu projeto CERTUB - Centro de Recepção ao Turista de Boa Nova.

A inauguração desse multiespaço cultural, voltado para ações e projetos ligados às áreas de educação, artes, meio ambiente e turismo, aconteceu em 5 de setembro do ano passado e contou com a presença do próprio Paulo Andrade. Em sua fala ao público presente, ele disse que viu ali o início de um sonho que não imaginava ser possível ver concretizado na sua atual fase de vida: incentivar nos conterrâneos das novas gerações o amor pela leitura e pela escrita.

No penúltimo dia da minha recente viagem a Boa Nova pude vislumbrar as reais possibilidades desse sonho. Num intervalo de pouco mais de uma hora vi dezenas de crianças e adolescentes chegarem à Sala de Leitura em busca de gibis e livros. Naquele momento eu recebi uma dose cavalar de otimismo e esperança; também tive a certeza de que, de fato, existem correntes-do-bem e que é possível criá-las ou mesmo participar delas de alguma forma. Afinal, estou a mais de 1.200 quilômetros de lá e, mesmo assim, sinto-me perto o bastante para ser um de seus elos fortes.