A ESTRANHA JUSTIÇA DOS HOMENS BONS

Virou moda no Brasil o ato de fazer justiça com as próprias mãos. Justiça ou vingança. Todos os dias os jornais anunciam que algum ladrão, ou suposto ladrão, foi amarrado a um poste e espancado por “gente de bem”. Pessoas que pagam impostos, vão à igreja, integram conselhos municipais e possuem cargos em cortes participam da selvageria. Pessoas que teoricamente integram o lado bom da sociedade.

Não me assusta o fato de bandidos cometerem crimes. Escandalizo, no entanto, quando as chamadas pessoas de bem, aderem ao outro lado, o lado da tortura, o lado da violência. E são aplaudidas por outras pessoas de bem. Como se tivessem carta branca para punir o crime cometendo outro crime.

Naturalmente, tenho imenso repúdio por ladrões. Todos eles. Para mim a morada deles deveria ser o presídio mais próximo. Desde o batedor de carteiras ao ministro corrupto. Desde o cara que coloca água no leite ao senador que cobra propina para votar. Apenas as delegacias, os quartéis e os tribunais, por mais falhas que possuam, têm o poder de impor sanções às pessoas. O fio que separa a barbárie da civilização reside exatamente aí. Fora disso há um portal do tempo a nos devolver às justiças neolíticas.

Uma coisa é comum a todos os ladrões espancados e amarrados: são pé-de-chinelos que surrupiam pequenos valores. Até agora não se tem registro de nenhum prefeito, empresário ou deputado ladrão que tenha sido amarrado por populares a um tronco no meio da cidade e exposto à humilhação pública. Não sou defensor de tal prática. Mas causa certa estranheza que os linchamentos só atinjam pobres-diabos. Os colarinhos brancos, aliás, continuam a merecer da sociedade de bem mimos e afagos.

Séculos de civilização estão sendo negados com a modinha. Voltamos a ser bárbaros. Os francos tinham métodos similares de exercer a justiça: o acusado era atirado a um recipiente cheio de água, com a mão direita atada ao pé esquerdo; quando sobrenadava, era inocente. Outras vezes era forçado a procurar argolas de ferro entre brasas ardentes. Ou então devia carregar um ferro em brasa, por certo tempo, ou andar sobre ferro em brasa.

Arautos da ordem social se acham no direito de sair por aí torturando ladrões. Roubar é crime. Torturar é crime. São dois delitos e seus autores deveriam sofrer, em ambos os casos, os rigores da lei. Algo que motiva os justiceiros urbanos é exatamente o ceticismo no Estado, que não satisfaz a sociedade com leis mais justas, não combate o crime como deveria e nem passa ao cidadão a sensação de segurança.

Não há fórmula mágica nem urgente de sanar a problemática da violência no Brasil. Sair linchando pessoas, culpadas de crime ou não, certamente não é uma delas. Torturar pessoas nas ruas ou nos porões não nos torna um país melhor. Pelo contrário: apenas nos torna criminosos também.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 21/02/2014
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