O RECADO DE WOLVERINE...


Wolverine é um personagem da Marvel amplamente conhecido da saga cinematográfica, um mutante, que possuí a dúbia característica - má ou afortunada, em dependendo da circunstância - da autoregeneração que o preserva da morte, ou seja: tudo e todos passam por ele, pessoas, inimigos, amigos, fatos, lugares, tempo, e ele fica. Permanece vivo ao longo das eras, invicto e saudável quanto um deus!

Esta semana deixei-me tomar por uma onda de nostalgia, que me assalta de tempos e tempos, e me leva a passear longamente, usando a ferramenta Street View, pelas ruas do bairro onde passei a gostosa fase da minha infância. São mais ou menos as mesmas ruas, através das quais vão se reavivando as memórias doces dos caminhos percorridos para a escola, com amigas de infância, ou com meus pais.

Todos os endereços no bairro do Méier, de meu nascimento. E, dentre essas ruas todas, em especial a longa Silva Rabelo, que dá tanto no endereço da escolinha municipal frequentada no que hoje se chama nível fundamental 1 (então primário, do primeiro ao quarto ano), quanto na via principal daquele bairro: a Dias da Cruz, que tem, como uma de suas transversais, também aquela onde se localiza o ótimo colégio tradicional onde concluí o hoje chamado nível fundamental 2.

Fui, portanto, passeando pelos caminhos mapeados que iam exibindo a sempre surpreendente modificação realizada ao longo das décadas: prédios bem postos, bonitos, com varandas e jardins, onde antes, há mais de quarenta anos, só existiam casas ou prédios baixos e toscos. Comércio revitalizado, pessoas indo e vindo pelas calçadas naquele que parecia ser um lindo dia de sol, os rostos ofuscados na preservação de suas identidades.

Olhava aquela sucessão de imagens vívidas, que possuem correlação emocional entranhada na essência de meu espírito, experimentando a mesma sensação estranha de sempre: aquelas imagens retratando atividade vital intensa, no entanto, são contempladas de dentro do silêncio profundo presente no intervalo bem definido entre a personagem que sou hoje diante do computador moderno, e aqueles tempos passados. E, inevitavelmente, ao lado da saudade melancólica que me provoca o desejo intenso de retornar àqueles caminhos e àquele passado, no qual a menina frágil e indefesa vivia um contexto de vida aconchegante, protegida pelo lar acolhedor e pela presença fiel do amor paterno e materno, vem a certeza de que não haveria mais como voltar! Afinal, os cenários, muitas vezes quase idênticos com que me deparo diante da tela no laptop, são, hoje, movimentados por uma realidade renovada que não é mais, em todos os sentidos, aquele meu mundo!

Se para lá voltasse, não seria mais pequena, e não reencontraria, na vila adorável onde existia a nossa casa, de volta da escola, os mesmos pais de então, hoje idosos. Os vizinhos, as amigas que por lá residiam, hoje também são outras pessoas, espalhadas pelo mundo, pelos bairros,: uns falecidos, outros totalmente desaparecidos do meu contexto de vida, ou então, distantes demais, para sequer uma convivência que nos permitisse a prosa nostálgica de um chá das cinco.

Então, sem as mesmas pessoas, sem o mesmo contexto, sem a mesma realidade, vejo, hoje, os mesmos cenários, mais ou menos modificados, como quem se surpreende com uma roupa muito minha sendo vestida por outros personagens.

Nem a roupa, portanto, é mais minha! Outros a assumiram. É, e não é, pois, um passado meu, mas vazio, para onde não há mais como voltar e encontrar as mesmas coisas e pessoas; que não há a mínima chance de se resgatar.

Quando, portanto, chegava ao finalzinho da rua Silva Rabelo em mais um passeio - justo no ponto em que desagua no cruzamento com a avenida Amaro Cavalcanti, que segue até o viaduto pequeno que dá entrada na vela vila de minhas melhores recordações - dei, por acaso, com o nome pichado, solitário, num muro extenso da via, antes de alcançar a esquina do cruzamento: Wolverine!

E, na mesma hora, senti como se este personagem legendário, que me exerce ao espírito imensa fascinação, falasse comigo, me alertando sobre algo importante, direto da distância aparente de sua existência fictícia, para a minha suposta realidade bem definida!

E logo entendi o estranho recado deste parceiro do mundo lendário: 

"Você é como eu! Por qual razão, então, este apego ao passado? Não adianta! Já vivi muitas eras: possuí incontáveis amores e inimigos; mas tudo virou pó! Quando não, guardei o amor como jóia valiosa - mas nem tente, não se iluda! Jamais voltará a usufruir de tudo como um dia fora antigamente! 

Seu passado passou! Está passando!

Guarde, portanto, sentimentos bons sobre aquele tempo como um remédio para amenizar a mágoa profunda da saudade - mas ande para a frente, viva o agora... porque muitos outros "passados" virão!"


Estava dado o recado misterioso de Wolverine... 

Notei, de relance, antes de sair do dispositivo virtual experimentando certa sensação mista de misticismo com melancolia, que ao lado do nome gravado no muro silencioso havia na calçada maltratada um morador de rua, deitado placidamente, como se descansando sob a sombra do arvoredo da praia mais paradisíaca existente no planeta... relaxado, entregue... e despreocupado, aparentemente, com o passado, e com o seu porvir...

Depois disso, como deve ser, segui meu caminho daquele dia. Os movimentos me arrastaram, como nos arrastam, desde sempre. E não relutei, apenas prossegui... Mas guardei, como as imagens e lembranças cálidas, enevoadas, da minha doce infância distante, o estranho recado de Wolverine: a utilidade de se assumir, o mais conscientemente possível, a perenidade da minha realidade mutante dentro da eternidade contínua...
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 23/02/2014
Reeditado em 23/02/2014
Código do texto: T4703108
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