O clã do Barão do Café

Já se disse que a vida é um grande teatro em que nela nós, meros partícipes, desenvolvemos e desenrolamos nossas inclusões mesclando sorrisos e lágrimas, por vezes direcionando-a ou sendo direcionados bem de acordo com o “script” gerido pelo Criador, até mesmo sem nos darmos conta de nossas efetivas participações neste grande enredo.

Somente o tempo, este amálgama que une todos os fatos e acontecimentos dentro de um roteiro que desconhecemos, dele sabendo somente como tudo começou e não como redundará ou quando se fecharão as cortinas dando por encerrada esta infinita peça teatral que é a vida e de que somos coadjuvantes, nos mostra que a ela integramos.

Assim como em um quadro de Monet, tem-se que estar à distância exata para podermos assimilar toda sua beleza, observadas as condições ideais de luminosidade e, principalmente, dentro das condições psíquicas de equilíbrio emocional e de sensibilidade para assimilar toda a grandiosidade do que nos foi sempre exposto mas que não era atentada e, ressalte-se, cada um dos pequenos detalhes que o compõem e integram, caso não ali estivesse, tornaria a grande obra incompleta, não nos transmitiria a magnificência que então ora nos enleva.

Na última sexta feira, atendendo ao gentil convite de Vera Moll, visitei-a em sua aprazível fazenda, irmanados pelo amor à literatura e também por uma saudade decorrente de anos de distâncias, posto que fomos amigos e colegas de classe de estudos nos bons tempos de juventude. Lá, igualmente fui acolhido por Rubinho, seu marido, reatando laços de um convívio franco e sincero, desinteressado e entremeado por um “papo” que flui normalmente, sendo agraciado, ao final, com inúmeros livros de lavra desta eminente escritora.

Dentre eles, “O Barão do Café”, última de suas obras lançada recentemente em parceria com sua irmã, Sônia, e razão desta minha divagação (ele, o livro e não as autoras e queridas amigas, frise-se). Através de suas páginas, adentrei o mundo dos Motta, conheci os detalhes de toda uma saga que somente antevia em minhas recordações de infância e juventude e de que, por não ser bisbilhoteiro, até então não observara, visto a profusão de sobrenomes familiares – Motta, Carrera, Carreira e Carreira Motta – de seus integrantes. Finalmente, eram criadas as condições ideais de luminosidade e me encontrava à distância exata para absorver toda a beleza deste quadro que por todo o sempre esteve exposto ante meus olhos e que não havia visto até então. Fez-se a luz...

Minha condição de praticamente um septagenário permitiu-me testemunhar e interagir com quatro gerações desta belíssima família, dentro de toda a amplitude do termo “família”, a qual, sem dúvida, esteve presente em cada um dos momentos de minha vida, incutindo-lhe conceitos, rumos e expressões. Comprova-se que, parafraseando Moisés Groisman em frase citada nas páginas iniciais do libelo, realmente “As pessoas nascem e crescem em família e as marcas do convívio são reproduzidas nos outros relacionamentos.”

Não cheguei a conhecer o Coronel Motta, já que faleceu oito anos antes de minha chegada a este mundo, porém conheci sua esposa, D. Mariquinha, bem como a seus filhos, netos e bisnetos, principalmente por uma particularidade - éramos vizinhos de “vó” Ambrozina e “vô” Daminhas e sempre era festa quando D. Mariquinha, filhos e netos os visitavam, o que eu e minhas irmãs compartilhávamos.

Com seus filhos, de que agora tenho delineadas as interfaces que nos uniam, mantive por razões várias uma grande proximidade – mesmo que à distância - somente hoje ressaltada pelo relato de Vera e Sônia, principalmente com Nelson, Motinha, Antoninho, Zezé, Dr. Hélio, Careca, Gil, Filhinho, Mariinha, Anita e Marly, os quais ainda não atentara que eram irmãos de uma prole numerosa, apesar de todos manterem detalhes comuns – o queixo proeminente e característico da família, os traços finos e bonitos, o caráter marcante e a irradiante simpatia.

De “tio” Nelson, guardo a lembrança do vulto esguio sempre muito bem vestido com suas calças de linho branco, sua simpatia estampada no sorriso franco e amigo e consolidada através de seus filhos Júlio, Miguel, Luiz Carlos, de que fui colega de turma no primário, Paulinho e Nelsinho e sobretudo Nara, uma das mais belas “ragazzas” com que Mimoso foi premiado e que tirou muitas noites de sonos de tantos pretendentes, inclusive eu.

Motinha, com quem tive o prazer de conviver no breve período em que freqüentei e residi em Cachoeiro, era um afável cavalheiro, simpático e defensor intransigente da arte de servir bem que imprimia em seu bar e restaurante, “point” da época, lá passando muitas tardes e noites, entretidos no papo amigo e que fluía naturalmente.

De Antoninho, absorvi a amizade que meu pai desfrutava, ambos unidos pelo amor ao Ypiranga, talvez muitos anos antes, quando ainda caixa do Banco do Brasil onde sempre ia para obter elásticos para os carrinhos de carretel que eu fabricava e anos depois consolidada no estreito convívio no período em que me dedicava a fabricar automóveis. Dele e de Dona Ruth, com seus frutos Paulinho, Marquinho, Beto Suê, Marta e Cristine, sempre mantive uma estreita ligação de amizade e companheirismo, alicerçada nas partidas de voleibol e no convívio em Iriri.

Com Zezé, talvez principalmente irradiada pela amizade que eu e Antoninho mantínhamos apesar das diferenças etárias, conseguimos nos aproximar desde o falecimento de sua esposa em trágico acidente, ambos sofredores de perdas de entes queridos e por diversas vezes nos quedamos a tagarolar, sempre insistindo em convidar-me para gerenciar alguma de suas empresas, convicto de minha capacidade para tal, que ele conhecia através de seu irmão, Antoninho.

De Dr. Hélio, as melhores recordações pelo esmero que impunha em suas autênticas obras de modelagem oral, até hoje reconhecidas pelos demais odontólogos do Estado, que ainda as reconhecem de longe por suas excelências, bem como pelo imenso carinho e admiração por sua esposa, D. Ilce, minha dileta professora e por seu filho Helinho.

Com Careca, a par de sua indizível simpatia, lembro-me de um incidente quando ele, servindo o Tiro de Guerra, em partida de futebol em que era o goleiro, por se dedicar a me dar atenção, sofreu um verdadeiro “frango” sendo criticado por seus companheiros.

De Gil e Filhinho, poucas lembranças salvo as de vê-los passar de caminhão e dos frutos que aquele primeiro nos legou, Gil Antonio, este grande amigo e suas belíssimas irmãs que se foram de Mimoso e não mais retornaram.

De D. Anita, as lembranças de sua presença temida nos períodos escolares, eterna guardiã da disciplina que teimávamos em transgredir, aliada à presença marcante de sua beleza e da de seus filhos, grandes amigos.

De D. Marly, tem-se que ressaltar a enorme beleza que sempre a acompanhou, além de suas feições finas e delicadas e uma beleza transmitida a seus filhos Ronan e Renato.

De D. Mariinha, finalmente, posso testemunhar o enorme apreço despertado em todos por ela e seu esposo, Milton Gamboa, e transmitido indistintamente a todos seus filhos, Gamboinha, a quem chamamos carinhosa e respeitosamente de “senador” por suas posturas, Vera, Sonia e Idalina, os melhores exemplos de beleza clássica e fidalguia, talvez os últimos resquícios de uma era levada pelo tempo, o período dos Barões do Café que, por marcante, somente hoje tomo pleno conhecimento, observando que sempre estiveram presentes em minha vida, de certa forma até mesmo moldando-a com seus exemplos e convivência.

LHMignone
Enviado por LHMignone em 05/05/2014
Reeditado em 07/05/2014
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