Entrevista exclusiva, com sobrevivente, revela momentos de pânico e horror no “Incidente do Gandarela”

João Paulo Duarte, que está sendo investigado pela morte de Tomás de Oliveira, concede entrevista inédita e conta sua versão dos fatos trágicos.
Edição do dia 27/02/2013 11h45 – Atualizado em 27/02/2013 18h23

Cerca de uma semana após o acidente conhecido pela mídia nacional como “Incidente do Gandarela”, as investigações acerca da morte do trabalhador Tomás de Oliveira, 30 anos, continuam intrigando a justiça Mineira. Quando no dia 17/02/2013 João Paulo Duarte, 45 anos, foi resgatado às beiras do rio Ribeirão da Prata, os Bombeiros acreditaram que haviam acabado de solucionar o mistério que perturbava a Vale do Rio Doce e, consequentemente, as famílias dos três trabalhadores desaparecidos. Porém, ao acessar o local (uma caverna Subterrânea) onde Joao Paulo estava preso há mais de seis dias, os oficiais se depararam com uma dura realidade: os outros dois trabalhadores, Tomás de Oliveira e Edson Luiz, estavam mortos.
 
Antes mesmo de ser questionado, João Paulo contou todos os detalhes à Policia. Desde o motivo pelo qual os três se perderam na Serra, até os momentos que antecederam seu resgate.



Serra do Gandarela. Região onde, possivelmente, será instalado o mais ambicioso projeto de mineração de todos os tempos: A Mina Apolo, da Vale do Rio doce. Nesse local, cortado pelo rio Ribeirão da Prata, ocorreu o acidente que ceifou a vida de Tomás de Oliveira e Edson Luiz. (Foto: M. Bicão)

A versão de João Paulo sobre a morte de Edson, a qual ocorreu em decorrência de ferimentos graves na perna direita e mão direita, foi confirmada pela perícia e pelos médicos. Mas nessa semana, a explicação sobre a morte de Tomás foi contestada pelos médicos legistas, pois os resultados dos exames não revelaram fatores que evidenciassem luta corporal. O único ferimento estudado foi um golpe de facão no pescoço. No entanto, João Paulo está alegando à Polícia que precisou agir em legítima defesa, o que está em desacordo com os relatórios dos perítos, os quais concluliram que Tomás nada fez para se defender do ataque. Dessa forma, João Paulo passou a ser investigado por suspeita de homicídio.
 
Desde o dia do resgate, nenhum instrumento de mídia conseguiu entrar em contato com a família ou com o Advogado de João Paulo, para saber dele o que realmente aconteceu, e quais são seus argumentos sobre a misteriosa situação acerca da morte de Tomás. Mas nessa manhã, com exclusividade ao G1 – Minas Gerais, João Paulo, na companhia de seu advogado, concedeu uma entrevista ao jornalista Silvester Rodrigues, onde relatou em detalhes os últimos momentos em que esteve na caverna subterrânea.



Entrada da caverna subterrânea, descoberta por João Paulo no dia 11/02/2013. Uma barragem artificial, feita pela empresa Ferro Minas, baixou o nível do rio Ribeirão da Prata por alguns minutos. Mas foi o suficiente para trancar os três trabalhadores em seu interior. Por sorte, a Ferro Minas realizou o mesmo procedimento na manhã do dia 17/02/2013, dando condições para que João Paulo escapasse.


O G1 não foi autorizado a divulgar as imagens ou o áudio da entrevista. Mas, logo abaixo, a transcrição da conversa poderá ser lida na integra.
 
G1: Quando os legistas terminaram de examinar o cadáver de Tomás, a conclusão foi de que ele morreu em função de um corte na região do pescoço, provocado pela lamina de um facão. Além disso, não encontraram marcas que evidenciassem a ocorrência de luta corporal. Dessa forma, quais argumentos você sustenta para afirmar que agiu em legitima defesa, quando na verdade os exames apontam o contrário?
 
João Paulo: Sim, o corpo de Tomás não apresentava marcas de luta. Mas isso foi constatado porque eu, realmente, não cheguei a lutar fisicamente contra ele. Não houve luta corporal. O golpe que eu desferi no pescoço dele, e não discordo disso, foi a minha única ação de defesa, quando ele tentou me atacar no escuro da caverna, na madrugada que antecedeu o meu resgate.
 
G1: Por que Tomás teria discutido com você, sendo que ele estava na mesma situação desesperadora?
 
João Paulo: Tomás não era meu amigo. Mas eu sabia os rumores sobre os problemas pessoais, graves, que ele possuía e, respondendo sua pergunta, após a morte de Edson, Tomás passou a agir de forma estranha. Ficava o tempo inteiro andando de um lado para o outro e quando eu me aproximei dele, no intuito de convidá-lo para fazer uma oração, onde a intenção era ficarmos calmos e confiantes, ele ficou extremamente furioso comigo. Passou a me xingar e manifestar muita raiva por mim. Logo, fiquei preocupado, pois se quiséssemos sobreviver, precisaríamos trabalhar juntos. Mas não tinha jeito, sempre quando me aproximava dele eu era fortemente repreendido, sem motivo aparente.
 
G1: A Polícia disse que, no Boletim de ocorrência, você alegou que Tomás estava com sérios problemas mentais. Quais fatos você presenciou, além do que acabou de nos contar, que o fez pensar assim?
 
João Paulo: Na primeira madrugada após a morte de Edson,  Lembro que fui dormir muito tarde, enquanto Tomás escrevia, não sei o que. Depois, eu acordei escutando sons de gritos. Levantei-me no escuro, liguei a lanterna e percebi que Tomás não estava no lugar dele. Logo, fui procurá-lo. Caminhei pela galeria, de onde vinham os gritos, e o encontrei totalmente sujo. Além disso, sem motivo ou razão aparente, havia retirado o corpo de Edson debaixo das pedras e estava prestes a dar socos no cadaver. Rapidamente, eu o segurei firme, mas ele se virou e me encarou com um olhar irreconhecível, semelhante a um animal, e disse para eu me afastar se não me mataria. Sem falar nada, eu o soltei e ele correu desesperado, tropeçando nas pedras e nas próprias pernas, e se escondeu em algum lugar.
 
G1: Quando você contou sua versão dos fatos, a Polícia entrou em contato com a família de Tomás questionando a existência de laudos médicos ou outros documentos que comprovassem que realmente ele estava passando por problemas mentais. A família dele negou esse tipo de problema, mas confirmou que ele passou a ter depressão após o incidente da esposa em 2011. Agora a pouco, você disse que assuntos pessoais graves poderiam justificar os possíveis danos mentais de Tomás. O que você sabe a respeito disso?
 
João Paulo: A fonte é confiável, pois foi o próprio Edson que me contou. O fato é que Tomás tinha um grave problema. Mesmo casado, era sexualmente compulsivo. Só pensava em sexo. Dessa forma, traia a mulher constantemente e as brigas passaram a ser frequentes na vida do casal. Um dia a esposa, chamada Adriana, o flagrou em casa transando com outra mulher. Isso foi a gota d’água para o casamento. Tomás tentou se justificar, dizendo que precisava de tratamento médico para cuidar da sua compulsão, mas Adriana ficou muito chocada com a cena. Então, em uma noite de agosto, no ano de 2011, Tomás voltou para casa e viu uma carta na mesa da cozinha, onde Adriana dizia que se mataria e a culpa seria dele. Além disso, ela ressaltou que todos aqueles anos de traição não poderiam ser justificados por uma simples compulsão, e que Tomás precisava pagar com a própria vida. Após ler a carta, ele imediatamente correu até a garagem. Tarde demais, Adriana se matara dentro do carro ligado, utilizando-se de uma mangueira para conduzir os gases tóxicos do escapamento até o interior do veículo. Nada pode ser feito, pois ela já estava asfixiada.
 
G1: Os policiais conhecem essa história? Eles conversaram com os familiares de Tomás sobre isso?
 
João Paulo: Sim. Eu mesmo disse isso a eles. Mas, como falei, a ausência de atestados médicos dificulta meu argumento. Sem contar o fato de que os familiares querem que eu seja julgado como culpado! Então, disseram à policia que Tomás estava bem e saudável em relação à mente, sendo que na verdade não estava. Eu mesmo provei isso! Se Edson tivesse sobrevivido, certamente me ajudaria nessa questão.
 
G1: Agora que estamos sabendo de todas essas informações, gostaríamos de entender o que de fato aconteceu na madrugada do dia 17 de fevereiro de 2013. Por que foi necessário você agir daquela maneira?
 
João Paulo: Naquela madrugada eu não conseguia dormir. O silêncio me perturbava, e eu estava preocupado sabendo que Tomás poderia aparecer a qualquer momento e, de alguma forma, me atacar, como ele mesmo disse que faria! Lembro-me que escutei sons de passos. Levantei-me e perguntei: Tomás, é você? Mas não obtive resposta. Acendi a lanterna e constatei que realmente era ele, e estava bem à minha frente, segurando uma pedra do tamanho de um abacate maduro. Antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele atirou aquela pedra na minha direção. Meu único gesto foi levantar as mãos, para proteger o rosto, e me abaixar. A pedra passou perto de minha cabeça, mas por sorte atingiu apenas a lanterna, que caiu no chão desligada. Dessa forma, ficamos cara a cara um com o outro. Ambos cegos, em razão da escuridão.
 
G1: Como você conseguiu pegar o facão e acertá-lo?
 
João Paulo: Eu estava ao lado das minhas coisas. Abaixei para me proteger e tateei o chão na intenção de pegar o facão. Depois me levantei, dizendo a Tomás que ele deveria parar, pois eu estava com uma arma e poderia machucá-lo. Infelizmente, não me escutou. Percebi que ele, de forma desesperada, apanhava mais pedras e as atirava em várias direções, tentando me acertar. Até que correu em minha direção. Percebi isso pelo som! Então, meu instinto de proteção foi mais forte. Fechei os olhos e dei apenas um golpe na escuridão. Não queria que isso tivesse acontecido, mas acertei a garganta dele.
 
G1: E o que houve em seguida?
 
João Paulo: A primeira coisa que fiz foi procurar a lanterna. Minutos depois eu a encontrei, acendi a luz e vi que Tomás estava gravemente machucado. Fiquei desesperado, mas não pude fazer nada. Ele faleceu logo em seguida. Meu estado era de choque, pois nunca pensei que um dia eu passaria por aquela situação. Ao lado do corpo, chorei e lamentei muito aquela morte. Cerca de três horas depois, percebi que uma típica luz aparecia na galeria principal. A água havia baixado um pouco, permitindo a entrada dos raios solares da manhã. Consegui sair e imediatamente uma patrulha dos bombeiros me resgatou.
 
G1: Você passou por situações desesperadoras enquanto esteve preso naquela caverna. Em algum momento pensou que não sobreviveria? Chegou à acreditar que iria morrer?
 
João Paulo: Em nenhum momento isso passou pela minha cabeça. Pois tenho muita fé em minhas crenças. Não vou falar sobre a minha religião, que por sinal sofre bastante discriminação. No entanto, a minha fé permitiu que eu não me abalasse, mesmo no final quando Tomás me atacou. Agradeço muito à entidade que me protege 24 horas por dia. Sem a ajuda e a guia dela, talvez eu não tivesse sobrevivido.
 
G1: Essa entidade opera como uma espécie de anjo da guarda?
 
João Paulo: Sim! É exatamente isso!
 
G1: E você pode nos contar o nome dela?
 
João Paulo: Claro, chama-se Bacal. (Fim da Entrevista)
Em nota ao G1, o Investigador Gustavo Serrano disse que a reconstituição da morte de Tomás será marcada para os próximos dias. Nessa ocasião, além do exame detalhado do local da morte, os peritos tentarão recuperar os objetos perdidos de Tomás, dentre os quais destaca-se o caderno que fora mencionado por João Paulo, que possivelmente pode conter anotações de próprio punho, feitas por Tomás enquanto ele estava escondido.
 
Do: G1 Minas Gerais,
Por: Silvester Rodrigues

Fim.

Tema: Suicídio.
Quer ver as anotações do caderno de Tomás? Acesse o link:
http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/4826157
Velho Gonçalves
Enviado por Velho Gonçalves em 30/05/2014
Reeditado em 31/05/2014
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