VÉSPERAS

Prefácio

Que nome sugestivo é VÉSPERAS para este livro de Dinair Leite. Esta autora transita com a mesma suavidade por temas da vida, morte, tristeza, alegria, e a tantos outros de sua escolha, sem abandonar a exaltação inerente à alma de todo Poeta. E aqui, ela começa pelas vésperas de um sepultamento. Este, em si, não merece relevo, o fato é iminente, o destino está selado. São, pois, os antecedentes que servem de pretexto e são a motivação para uma análise fundamental e mesmo assim poética do perfeccionismo, do esforço para agradar ao outro em detrimento de si: “farto bufê no canto / da casa cheirosa. Rezadeira puxando oração... No caixão / coberto de rosas, padroeira / da casa, em estampa decora / a morte, em sua hora...”.

Contudo, a análise prossegue em seu questionamento sobre o que vale a pena na vida, visto que a morte estará sempre lá ou, melhor dizendo, que estamos sempre às vésperas da morte. E o marido daquela mulher, a ele tão dedicada, um primor das prendas domésticas, a defunta ainda no caixão, já volta os olhos para outros atrativos: “O fogão crepita... O bolo /

antecede a cripta. Consolo / ao viúvo que sente o cheiro / gostoso e troca, faceiro / olhar com a dona bonita / de mãos bem cuidadas, docinhos / a passar, que hirta / mão cérea enrolou / com amor e carinhos. / Ao seu dia! Acabou...”. Acima de tudo, um olhar sobre a dubiedade do papel da mulher, é o que se nos apresenta em tal situação.

Não é apenas em análises críticas que a voz do poeta espraia-se. Sem o sonho, o poeta nada é. E assim, mergulhar é preciso nesse oceano de sentimentos, sensações, estímulos, quaisquer agentes outros que sirvam ao extravasamento da perplexidade e da solidão da alma. “Às vezes preciso dar um tempo / no tempo lá fora. / Recolho as tralhas e embrulho / em palhas de aurora.”

O poeta tem muito da fênix, em seu contínuo renascimento; de Perséfone, em sua vida alternada entre inferno e campos de grãos; de Castor e Pólux na oscilação entre o efêmero e o perene.

Sem embargo o trivial também põe a mesa e a gula – talvez a desigualdade... – aparecem sem ser convidadas, num “Banquete para muitos talheres: “Alienados a deglutir, sem mastigar / e justificativa. / A mídia a rir, com o comando à deriva / a ditar o padrão e engolir elle et lui...”.

Quanto é curioso notar a pertinência da metáfora dos garfos, talheres, de todo o faqueiro!

E nada como o recurso da reiteração. A gula ressurge, acompanhada de seu séquito, todos os outros pecados capitais. Então não haveria esperança de redenção?

O poeta é compassivo e a resposta é sim. O carinho, a ternura, a compaixão apresentam-se enquanto possibilidades de conciliação, de esperança de paz e harmonia.

Mas não acredite o leitor que tudo foi desvendado, neste breve resumo. Assim como pelo espaço afora há muitas moradas, no universo poético de Dinair Leite há muitas sendas a serem percorridas, surpreendentes todas elas. Cabe ao leitor o prazer de desvendá-las.

Academia Campineira de Letras e Artes