Salada de idéias

Por Rodrigo Capella*

Quando eu ouvi pela primeira vez o nome de Cecília Meireles, eu estava em uma aula de filosofia e debatíamos a importância do tempo no dia-a-dia do homem. Após introduzir a poetisa aos alunos, a professora sugeriu a leitura de alguns livros, entre eles “Cântico”. Não demorei muito para ir a uma livraria e adquirir a obra, que me perseguiria pelo resto de minha vida.

Com leves sons irônicos e muita referência á passagem de tempo, é claro, os versos também abordam á ausência de sentido da vida e á própria renovação: “renova-te/renasce em ti mesmo/multiplica os teu olhos, para serem mais/multiplica os teus braços para semeares tudo”.

Trata-se, na verdade, de uma salada de idéias e conceitos bem complexos, que mescla o subjetivismo dos simbolistas com elementos científicos, uma forte característica dos positivistas. Há também uma certa perfeição formal, muito encontrada nos parnasianos. Conta-se que o poeta Olavo Bilac foi inspetor de ensino de Cecília e entregou uma medalha de ouro para a poetisa em agradecimento ao esforço que Cecília teve durante o curso. Eles tiveram uma certa convivência. Talvez venha daí os elementos parnasianos.

“Cântico”, publicado após o falecimento da autora com base em anotações deixadas por ela, traz também alguns elementos lúdicos. Eram nos sonhos que a poetisa buscava alguns momentos para esquecer a própria realidade. Nascida três meses após a morte de seu pai, a escritora perdeu sua mãe antes de completar três anos e foi morar com a avó, única sobrevivente da família. Em seus poemas, nota-se, constantemente, uma referência a esses episódios: “que passem, os que terão de passar/nem que fiques de pé/ na mais alta montanha/ com teus braços em cruz”.

Cecília veio ao mundo em 1901, na Tijuca, no Rio de Janeiro. Aos dezoito anos, publicou o primeiro livro de poesias, chamado “Espector”, que reuniu fortes textos simbolistas. Depois, intensificou a produção literária, contemplando seus fãs com “Nunca mais... e Poema dos Poemas”, em 1923, e “Baladas para El-Rei”, dois anos depois.

Essa fertilidade literária veio no momento em que a poetisa encontrou um grande amor: o pintor português Fernando Correia Dias, com quem casou-se me 1922. O amor, aliás, é mais um dos temas preferidos da poetisa: “perguntarão pela tua alma/ a alma que é ternura/ bondade/ tristeza/ amor”.

Cecília faleceu em 1964, em plena produção literária e reconhecida pelos pares como uma das melhores poetisas brasileiras. Prova disso é que recebeu post mortem o Prêmio Machado de Assis, da prestigiada Academia Brasileira de Letras. Cecília se foi, mas seus cânticos continuaram por muito mais tempo. Vocês podem apostar!

(*) Rodrigo Capella é escritor e poeta. Autor de vários livros, entre eles "Transroca, o navio proibido", que vai ser adaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer, e "Poesia não vende", que traz depoimentos de Ivan Lins, Moacyr Scliar e Barbara Paz, entre outros. Informações: www.rodrigocapella.com.br

Rodrigo Capella
Enviado por Rodrigo Capella em 23/05/2007
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