Líder: Para-raios de carências

Dentre as inúmeras condições dos líderes, uma delas é ser um para-raios da carência humana. Tenho me deparado com constatações que valem uma boa reflexão sobre elas.

Já é sabido há muito que existe uma transferência afetiva nas relações humanas. Freud nos fala das projeções inconscientes. No entanto, Freud saber não faz muita diferença quando a questão está na prática.

Muita gente vive sem sequer tocar em seus limites e fragilidades a vida toda. Vivem sem querer dar conta de seus limites. Lançam sobre as pessoas suas expectativas, vivem em função do que desejam e julgam ser certo, distribuem culpas e depois reclamam que as frustrações não têm fim.

Falando do contexto da religião há um peso maior ainda. Há uma suposta obrigatoriedade de que a liderança religiosa dê conta de toda e qualquer carência lançada sobre ela, afinal, ela precisa ser dotada da perfeição. E a perfeição – sabemos – varia de acordo com a necessidade de quem olha.

Os líderes acabam se sobrecarregando de um peso que não lhe é devido. E as pessoas criam relações dependentes e enraizadas na carência. Muitos não procuram o Cristo na Igreja. Isto não é uma acusação, um dedo apontado. Não! Isto é só uma constatação. Há muito cristão atrás de alguém que caia em seus joguinhos de transferência afetiva e manipulação. Isto é inconsciente, mas precisamos começar a tomar consciência.

Você pode estar querendo que eu seja mais claro. Então, vamos lá. Olhe ao seu redor:

1) Quantas pessoas você já viu se decepcionar porque o padre ou pastor não desejou bom dia ou não ouviu o que você disse?!

2) Quantos cristãos estão abrindo mão até de coisas que são boas e saudáveis para si, com o intuito de agradar seu coordenador?

3) Quantos se dedicam sem reservas focados em receber elogios e gratidão das lideranças religiosas?

E onde está Jesus nisto tudo?!

Infelizmente, as relações religiosas podem cair nas relações de carências. E a proposta de Cristo é outra. É justamente que as relações promovam a maturidade humana e a liberdade interior que vem do auto-conhecimento e abertura ao outro. Nos encontros que Jesus viveu no evangelho, em nenhum deles Jesus alimentou as relações por dependência. Em todas houve o processo de autonomia do outro.

Não podemos esquecer que os líderes também são levados a assumir tarefas por pura necessidade de aprovação, aplausos, fama. Artistas passam por isto também. Quantos líderes abrem mão de si pela simples necessidade de depois serem reconhecidos por isto. Ou porque não suportam desagradar o outro.

Há muita gente competindo para ser mais caridoso, dentro da Igreja. Uma competição que é ditada pela necessidade da consciência pesada. Sim! Muitos são caridosos porque precisam prestar contas consigo mesmos. Poucos caridosos estão sendo altruístas de verdade, ocupando-se da promoção do outro.

Não quero com este artigo promover uma depreciação da vivência cristã. Pelo contrário, escrever isto é um esforço para mudar esta situação. Há muito cristão que precisa viver por Cristo. Há muito cristão que tem sido idólatra, conduzido por suas frustrações, carências e transferências afetivas e perderam Jesus de vista há muito tempo.

Entrar no processo de seguimento de Jesus é ter a coragem de tocar em suas próprias feridas para ser curado. Isto exige muito de nós. É um processo dolorido e nem sempre rápido. Explica o porquê poucos, bem poucos, assumem esta proposta de Cristo. Explica-se porque muitos o deixaram sozinho na cruz. Explica-se porque seus discípulos fugiram e o negaram. Explica-se porque o símbolo da santidade é a cruz. Momento em que o crucificado está levantado e sobra apenas Ele consigo mesmo, na pior percepção de si.

É. É compreensível.