JE NE SUIS PÁS CHARLIE

Estou rodeado de “je sui Charlie”, mesmo sem ter Facebook, WhatsApp e coisas das “redes sociais”, exceto alguns blogs, volta e meia saio da minha caverna pra ver se o mundo ainda não acabou. Só por curiosidade. Então me deparo com mais uma tragédia entre os que concordam com os que têm outra opinião, uma típica estupidez humana.

Mas quero antes fazer algumas observações. Quem conhece o Charlie Habdo? Em Paris com população de pouco mais de 2,5 milhões de habitantes, sua tiragem não passava de 60 mil exemplares. Quem leu matéria da Folha de São Paulo do último dia 7, uma colaboração de João Batista Natali ficou sabendo um pouco mais. Que famosos cartunistas franceses editavam em 1970 o jornal satírico “Hara-Kiri” que foi fechado naquele ano, da morte de Charles de Gaulle, aos 80 anos de idade, na aldeia Colombey-les-Deus-Eglises, quando publicaram a capa com uma enorme manchete: “Baile Trágico em Colombey:um morto”.

O presidente Georges Pompidou, gaullista, mandou proibir a circulação do “satírico” jornal. A “graça” desagradou quase que a toda a França. Claro! De Gaulle, defendeu a França do avanço Nazista e comandou a resistência a ocupação alemã. Mas a turma de Vichy colaboracionista entregou milhares de judeus aos alemães, como todos sabem. De Gaulle, herói, não merecia tal brincadeira, certamente.

Essa turma então fundou o Charlie Hebdo que se define junto ao título como “jornal irresponsável”. A capa “informando” a morte de Michael Jackson foi o desenho dele, uma caveira, com o título “enfim branco”. A linha editorial do jornal é essa; chocante, atrevida, verdadeiramente irresponsável.

Aqueles leitores que já estão me chamando de reacionário, politicamente incorreto e outras bobagens modernosas, se forem famosos, mas muito, muito famosos, podem acabar na capa do Charlie Hebdo antes do sepultamento, ainda no velório. Há quem compare o Charlie Hebdo ao Pasquim. Entre esses os jornalista do programa Globonews Em Pauta. O Pasquim comparado ao Charlie Hebdo é o mesmo que fazer isso com o “jornalzinho” –carinhosamente – do Grupo Escolar com o londrino The Telegraph; se é que me entendem. A manchete do “Estadão” beirou a perplexidade do patético: ”França tem onda de violência; Al-Qaeda treinou suspeito”. A Folha de São Paulo - on line - alardeia espantada: “Em dia com cercos e reféns, polícia mata irmãos suspeitos de atacar jornal francês”. E conclui: “Polícia matou terceiro suspeito, que fazia reféns em um mercado judaico na periferia de Paris; ele tem ligação com os irmãos Koauchi, apontados como autores do ataque a jornal francês 'Charlie Hebdo' que deixou 12 mortos nesta semana”. Incrível isso. A polícia francesa mata “suspeitos”.

O Charlie Habdo sofreu diversos atentados ao longo desses quase 40 anos e seus fundadores que dizem serem “os pais” dos nossos cartunistas – tenho dúvidas – envelheceram tinham entre 70 e 80 anos, como tem hoje os “filhos” brasileiros deles. A morte estúpida deles não deve ser também a do hebdomadário francês. Se fechar – a pesar de seu humor grosseiro - será a vitória da barbárie praticada por grupos fundamentalistas religiosos; nesse caso, a ser provado, islâmicos. Barbárie que cristãos e muçulmanos estão em confronto há séculos. Os Cruzados, a Inquisição, a Companhia de Jesus, a Congregação para a Doutrina da Fé, organizações da Igreja Católica, aterrorizaram a Europa, as Américas e o Oriente Médio muito mais, com mais violência irracional. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” em diz Vulpino Argento, o Demente, e ainda suplente de senador.

Não sou religioso, portanto não defendo a matança insana que grupos islâmicos praticam mundo a fora; e nem os condeno por sua religião, mas sim por seus crimes, a exemplo do que já fizeram os cristãos, como já disse. Mas essa coisa que é outra coisa atingiu o alvo mais sensível; a imprensa. Os jornalistas estão indignados – nem tanto com a morte – mas com a audácia dos “suspeitos” em tentar calar a liberdade de expressão, um dos símbolos da democracia.

Não é bem assim. Nenhuma ação, inclusive a liberdade, é um campo sem fronteiras, sem cercas, limites e respeito à alteridade dos indivíduos. Separemos o horror do massacre assassino, da liberdade sem limites de expressão, da liberdade de imprensa. Não se pode confundir liberdade com regalias, imunidades. Manifestar livremente ideias, opiniões está diretamente associado à compreensão da melhor escolha, as alternativas que se dispõem. Essa premissa cartesiana mostra que quanto mais evidente for a verdade da alternativa disponível para a sua manifestação, maior é sua chance de escolha.

O holandês Spinoza, com outras palavras, concorda com o francês Descartes afirmando que o ato de ser livre implica em assumi-los e responder por eles. Em seu Tratado Político escreveu: “Não rir nem chorar, mas compreender” Mas liberdade de imprensa não rima com filosofia e estou a tratar disso me arriscando com as palavras mais do que caminhar por um campo minado. Entre outras liberdades, como as de expressão, religiosa, política a de imprensa tem suas próprias verdades dependendo de que lado ela esta. Teoricamente é livre quando informa sem a interferência do estado; é livre, pois não sofre influência estatal. Quando não, esta sob censura, a serviço do estado. Todavia quando a imprensa esta, de livre e espontânea vontade, resguardando interesses a seu favor e aos do estado, ela é livre.

Esse explosivo paradoxo relativiza a premissa de que a imprensa deve ser livre porque ela não pode, tanto quanto nada e nem ninguém ser absolutamente livre. Noam Chomsky do alto de seus 86 anos, em 2002, quase 10 anos antes, portanto, escreve em seu livro Mídia “considerando o papel que a mídia ocupa na política contemporânea, somos obrigados a perguntar: em que tipo de mundo e sociedade queremos viver e,sobretudo, em que espécie de democracia estamos pensando quando desejamos que essa sociedade seja democrática?”

Noam Chomsky demonstra que todas as notícias passam por cinco filtros antes de serem publicadas e que combinadas distorcem sistematicamente a cobertura das notícias pelos meios de comunicação. Destaco três: primeiro – a maioria dos meios pertence a grandes corporações. Segundo filtro – a maior parte da receita dos meios vem da publicidade das grandes corporações e não de seus leitores.Terceiro filtro os meios dependem das corporações e dos governos como fonte de informação para a maior parte das notícias.E que se refere aos conceitos e as normas da profissão jornalística que são comuns entre si. Resultando daí um consenso entre a elite da sociedade sobre os assuntos de interesse público.

O destaque que a imprensa mundial dá a morte estúpida, sim, pela qual foram eliminados quem expunha suas ideias, não é, sem dúvida, proporcional a matança que tropas francesas fazem no oriente médio.

Comparar com “ “o onze de setembro”, em Nova York e repetir à náusea “preservar a liberdade de imprensa” sugere um contra ataque militar a dois criminosos que (até enquanto escrevo, mas, acredito que serão mortos) 86 mil soldados e policiais não conseguem prender porque são incompetentes?

O “9/11” – como dizem os americanos – foi um ato político religioso contra o capitalismo e a democracia. As Torres Gêmeas formavam um complexo de oito edifícios símbolo do poder econômico. O jornal Charlie Hebdo em formato tabloide, semanal, como muitos outros em toda a Europa se ocupam em desconstruir, pela gozação grosseira ou pela fofoca vulgar, qualquer coisa ou pessoa. Isso não é jornalismo. Portanto a liberdade de expressão não foi atingida. Mataram de maneira estúpida e atrapalhada – perguntaram onde ficava o jornal – um grupo de cartunistas que ofendia a dignidade da crença religiosa, pelo terror. A indignação, a tristeza e a perplexidade para isso é ilimitada. Pessoalmente não vejo graça – nem humor – em desenhar o profeta Maomé de quatro, nu, com uma estrela dourada na bunda e o título “Nasce Uma Estrela”. Nem se fosse o Papa Francisco, Jesus Cristo, Dom Pedro II,Pelé,Lula ou a mãe do Badanha. Je ne suis pás Charlie.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 09/01/2015
Reeditado em 23/05/2018
Código do texto: T5096332
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