DEZ PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A ORIGEM DA VIDA E A NATUREZA DO EMBRIÃO

A VIDA CONTRA O ABORTO
Dez perguntas e respostas sobre a origem
da vida e a natureza do embrião
DRA.MARLENE ROSSI SEVERINO NOBRE-PRESIDENTE DA ASS.MÉDICO-ESPÍRITA DO BRASIL E ASS.MÉDICO ESP´RITA INTERNACIONAL

“Pouca ciência afasta de Deus.
Muita, a ele reconduz.”
(Louis Pasteur)
APRESENTAÇÃO
Esta é uma contribuição do pensamento médico-espírita
ao tema do aborto intencional.
De início, ressaltamos que nossos principais argumentos
não são religiosos, mas estão ancorados na ciência. Aliás, devemos
acentuar que a ciência não é religiosa nem atéia, e que,
ao contrário do que se imagina, boa parte dos cientistas acredita
na existência de um Ser Supremo.
Queremos também reafirmar que somos pacíficos. Nosso
pendor não é para contendas, por isso, vamos nos manter à
margem das batalhas radicais que costumam envolver grupos
extremistas pró e contra o aborto, preferindo o livre e saudável
debate das idéias, com pleno respeito às convicções alheias.
O que se precisa acentuar é que, se é legítimo trazer à
baila argumentos religiosos para contra-arrestar argumentos
materialistas, os médicos que se dispõem a lutar pela vida podem,
até mesmo, deixar à margem suas crenças pessoais para
demonstrar por meio de argumentos científicos, e não de suposições,
que a vida não só é um bem indisponível, mas que há
vida indisponível no feto. Consideramos esta uma questão
básica em todas as questões bioéticas.
O pluralismo democrático diz respeito à convivência de
opiniões, comportamentos e posições ideológicas distintas no
seio de uma comunidade, porém não à prática de delitos em
seu nome.
Nosso ponto de partida é: a vida é um bem indisponível.
A defesa dessa tese, no caso do tema do aborto, leva à seguinte
questão: “Onde começa a vida?” Para resolvê-la, é indispensável
todo o concurso que a Ciência puder nos oferecer, ainda
que ela não tenha as respostas a todos os quesitos. Sendo a
vida um bem inalienável, atentar-se contra ela, seja em que
fase for, é crime. Além disso, sendo possível demonstrar que o
embrião tem vida, não haveria heresia maior do que se considerar
o aborto um direito da mulher. Cairia, automaticamente,
por terra, sua propalada autonomia para decidir quanto à
interrupção da gravidez.
A nosso ver, as consciências humanas têm um compromisso
fundamental com a verdade, por isso devem mergulhar
fundo no estudo do extraordinário fenômeno da vida, em busca
do seu real significado, sem aceitar o raciocínio dogmático
reducionista, que tenta encarcerá-lo num mero jogo de palavras, ao invés de discutir as inúmeras incógnitas para as quais
o materialismo não tem respostas.
Inserimos, aqui, de forma resumida, as pesquisas e descobertas
da Ciência no que diz respeito à vida e ao seu significado.
RAZÕES CIENTÍFICAS CONTRA O ABORTO
O Dr. Bernard N. Nathanson, em conferência proferida
no “Colégio Médico de Madrid”, publicada na revista Fuerza
Nueva, contou que, em 1971, assumiu a direção da maior clínica
de aborto do mundo, o Centro de Saúde Sexual (CRANCH),
situado ao leste de Nova York, onde atuavam 35 médicos
e eram realizados 120 abortos diários, inclusive aos domingos
e feriados, com interrupção apenas no dia de Natal. Até
1972, quando deixou a direção da Clínica, 60.000 abortos
haviam sido realizados sob suas ordens, 5.000 deles feitos por
ele, pessoalmente.
Na prática, Nathanson constatou que as estatísticas divulgadas
pelos militantes pró-aborto eram falsas. Eles aumentavam,
deliberadamente, o número de abortos intencionais praticados
na clandestinidade, com a finalidade de justificar a
necessidade de uma legislação favorável, no entanto, foi a legalização
que escancarou as portas para o aumento exagerado
dessa prática.
Na clínica, tudo parecia transcorrer bem, os problemas
de profundidade, porém, eram muitos e pouco comentados.
Em reuniões informais, Nathanson ficou sabendo, por relatos
das esposas dos médicos, que muitos deles sofriam pesadelos
durante a noite, acordavam gritando, referindo-se a sangue e a
corpos de crianças cortados; outros bebiam demasiadamente
ou abusavam de drogas pesadas, tendo necessidade de assistência
psiquiátrica. Com as enfermeiras, a situação não era
diferente, algumas abandonaram a clínica chorando, outras se
tornaram alcoólatras.
Em 1972, Nathanson deixou a clínica para assumir o cargo
de Diretor do Serviço de Obstetrícia do Hospital São Lucas
de Nova York, onde implantou o serviço de Medicina Fetal
que realiza cerca de 50 tipos de cirurgia no interior do útero,
com a finalidade de salvar e favorecer a vida do feto. Esta prática
convenceu-o de que o feto é um ser humano, com todas as
suas características, que deve desfrutar de “todos os privilégios e
vantagens como qualquer outro cidadão”. Está convencido de que
aborto é “ato deliberado de destruição, um crime”.
Steve Jones, professor de genética da University College
de Londres e diretor do Galton Laboratory, afirma que “anualmente,
em todo o mundo, há cerca de noventa milhões de nascimentos
e sessenta milhões de abortos provocados”. É possível que
estas cifras não sejam confiáveis no que concerne aos países
onde o aborto é ilegal, dada a possibilidade de serem manipuladas
por entidades militantes pró-aborto, de qualquer modo,
porém, já são suficientemente assustadoras nos países onde a
prática é legalizada para serem consideradas nesta discussão.
Jones lamenta que, na maioria das vezes, o especialista só
se restrinja a um tipo de conduta, o de detectar um gene danificado
e propor aos pais o aborto de um feto deficiente. Para
ele, há um “quê” de deprimente nesta conduta.Cremos, porém, que não basta lamentar, confinando-se
às acesas controvérsias dentro das comunidades científicas. É
preciso sair a campo e discutir com a sociedade dentro de normas
que respeitem verdadeiramente o pluralismo, permitindo
aos especialistas espiritualistas a livre expressão de suas idéias,
sem serem constrangidos ao jugo do silêncio pelo patrulhamento
agressivo dos reducionistas materialistas, como acontece
atualmente.
Assim, para sermos fiéis à verdade e discutirmos, sem as
amarras obliterantes de preconceitos, a complexa e multifacetada
questão dos direitos do embrião, é indispensável analisarmos
os argumentos científicos contrários ao aborto. O primeiro
passo nessa busca é a descoberta do verdadeiro significado
do zigoto ou da célula-ovo à luz das Ciências da Vida. Afinal,
ela carrega nossa herança de bilhões de anos de evolução.
É impossível, portanto, falar de dignidade humana sem
conhecê-la. É o que procuraremos fazer a seguir, tendo como
roteiro algumas das perguntas mais freqüentes nos debates sobre
o aborto provocado.
1. Seria o embrião um mero “amontoado de células”?
A célula-ovo é a nossa primeira morada. O desenvolvimento
humano é um processo contínuo que começa quando o
óvulo de uma mulher é fertilizado por um espermatozóide de
um homem. Assim, uma única célula, o zigoto (célula-ovo),
após muitas modificações, transforma-se em um ser humano
multicelular.
Moore e Persaud, ilustres embriologistas, afirmam que o
zigoto e o embrião inicial são organismos humanos vivos, nos
quais já estão fixadas todas as bases do indivíduo adulto. Sendo
assim, não é possível interromper algum ponto do continuum
– zigoto, feto, criança, adulto, velho – sem causar danos irreversíveis
ao bem maior, que é a própria vida.
Com base nesta verdade científica, os grandes mestres,
figuras notáveis da obstetrícia brasileira, Álvaro Guimarães
Filho, Domingos Delascio, Ciro Ciari Jr., e Francisco Cerrutti,
fizeram uma declaração conjunta: “Abortamento induzido significa
a eliminação de uma pessoa biologicamente viva”.
Vemos, assim, que a célula-ovo surge no processo de concepção
ou fertilização, no instante em que se fundem os dois
gametas – o espermatozóide e o óvulo. No início, mede cerca
de 130 micrômetros (medida dimensional histológica), um mês
depois, porém, já terá um aumento de massa de dez mil vezes.
Em nenhum momento da história humana, de qualquer indivíduo,
esta velocidade de crescimento se repetirá.
Embora a Embriologia já tenha definido como certo ser
o embrião inicial um organismo humano vivo, há os que insistem
em reduzi-lo à condição de um “amontoado de células”,
uma “coisa”, um “objeto”, totalmente dependente do organismo
materno, removível a qualquer tempo. Com tal espécie de
premissa, alienada da realidade fática, reduzem o extraordinário
fenômeno da vida a um evento banal, destituído de importância.
Não é isso, no entanto, o que as pesquisas científicas revelam.
Erwin Schrödinger, um dos pais da física quântica e grande
incentivador do desenvolvimento da Biologia, ressalta que
“todo o padrão tetradimensional é determinado pela estrutura daquela
única célula: o ovo fertilizado.”, chamando a atenção para
o potencial extraordinário da célula-ovo, que encerra em si
mesma todo o projeto de um novo ser e é capaz de construir
um organismo adulto, com toda a sua complexidade.
2. Podem os genes determinar completamente o
desenvolvimento humano?
Na verdade, a célula-ovo é a testemunha silenciosa e eloqüente
de cerca de três bilhões e 800 milhões de anos de nossa
evolução biológica, um primor de sofisticação e complexidade;
possui DNA característico, rico quimismo celular, e uma
extraordinária capacidade de materializar energia.
A filogênese, a longa saga multimilenar da evolução das
espécies, construiu e burilou os genes, moléculas helicoidais
de ADN (ou DNA – ácido desoxirribonucleico), para que fossem
perenes e tivessem um grau de complexidade crescente.
Eles fazem parte do núcleo da célula e contêm toda a herança
do indivíduo.
Richard Dawkins ressaltou que: “os genes, como os diamantes,
são para sempre”, mas exagerou a importância deles na
explicação da diversidade humana.
Com o término da primeira fase do Projeto Genoma, esse
papel determinante não se confirmou. Constatou-se que o
genoma humano tem cerca de 25 mil genes, se tanto, bem
menos do que os 100 mil esperados. Os nossos genes, por exemplo,
são 98,4% idênticos aos dos chimpanzés, mas a diferença
é menor ainda, na verdade, algo em torno de 0,16%, tendo em
vista que 90% dos genes não têm papel codificante. Quais seriam,
então, os genes que fazem a diferença? E por que tão
vasta? Afinal de contas, o nosso genoma tem apenas cerca de
300 genes a mais do que um rato.
A conclusão é que os genes não explicam o nosso jeito de
ser, a inventividade que nos leva à comunicação por meio da
linguagem falada e de textos de livros; o fato de termos consciência
de passado, presente e futuro; de sermos dependentes
de ferramentas e máquinas para sobreviver; de fazermos e apreciarmos
arte; e também de utilizarmos nossa engenhosidade
para destruir populações inteiras, abusar de drogas que levam
à dependência; sentirmos prazer em torturar-nos uns aos outros
e dizimarmos centenas de animais de outras espécies.4
O fim da primeira fase do Projeto Genoma deu-nos a certeza
de que temos de buscar respostas à diversidade humana
em outra parte que não seja nos genes.
Há os que têm convicção de que a ciência um dia explicará
todos esses fenômenos complexos, pela “via natural”, sem
necessidade de recorrer à interferência divina ou a alguma estrutura
imaterial no ser vivo, mantendo-se rígidos no paradigma
materialista reducionista. Outros, cientistas, porém, pensam
diferentemente. É o caso de Rupert Sheldrake, biólogo e
pesquisador inglês. Ele crê que os sistemas vivos são por demais
complexos, porque estão baseados em informação altamente
eficiente, oriunda de um campo imaterial estruturador
da forma – o campo mórfico ou morfogenético – que seria o
responsável pela formação do ser.5 No Brasil, o dr. Hernani
Guimarães Andrade,6 ilustre presidente do Instituto Brasileiro
de Pesquisa Psicobiofísicas, falecido em 2003, chama esse
campo de modelo organizador biológico.
Como vemos, a formação de um ser vivo ainda é um
mistério para a ciência. Está repleta de complexidade e fatos
inexplicáveis. Desde o início, a gestação desenvolve-se como
uma verdadeira sinfonia sob a batuta de um maestro desconhecido.
Há uma perfeita coordenação de movimentos, que
leva à clivagem (divisão das células), nidação na cavidade
uterina, à formação da placenta e do líquido amniótico, e à

continuidade do desenvolvimento fetal, sob a chancela de
centenas de enzimas e hormônios, que funcionam harmonicamente
na ligação materno-fetal.
Não há explicação científica para os processos reguladores
dos embriões, sua capacidade de produzir tecidos e órgãos
tridimensionais a partir das seqüências unidimensionais existentes
nas bases que estruturam os genes.
Enfim, a ciência ainda não explica como se chega a um
bebê tridimensional, partindo de uma única célula unidimensional.
Do mesmo modo, a ciência não explica, por que as
células de um organismo, portadoras de núcleos com a mesma
carga genética, são tão diferentes entre si, com formas e funções
tão diversificadas e extremamente especializadas, quanto
o são, por exemplo, os neurônios, os hepatócitos, as células do
sangue etc.3. É o feto inteiramente dependente do organismo
materno?
Os defensores do aborto ressaltam a autonomia da mulher,
defendendo um pseudodireito de escolher quanto à interrupção
da gestação. Para estes o feto não teria personalidade
e estaria em total dependência do organismo materno.
Esses argumentos são contestados pela pesquisa científica.
Claude Sureau, professor emérito da universidade Paris V,
questiona esse pseudodireito soberano, que se pretende conferir
à mãe, de decidir sobre a vida do filho em gestação, atribuindo a ela toda “competência” e “autonomia” sem levar em
consideração um outro direito primordial, inerente a todo ser
humano, o da “indisponibilidade” da vida.8
Estudos científicos demonstram que há uma individualidade
embriofetal muito nítida, tanto imunológica quanto psicológica,
que pode ser acompanhada, desde muito cedo, por
meio da ultra-sonografia. Na realidade, há até mesmo um conflito
de interesses materno-fetais, o que prova a personalidade
distinta do feto. Por ser um corpo estranho no organismo materno,
ele tem de lutar para manter-se vivo, para não ser rejeitado.
Estudo recente realizado pela equipe do prof. Andrew L.
Mellor, do Medical College, Georgia, EUA, publicado na conceituada
revista Nature (27/8/98), mostrou que há um mecanismo
bioquímico de defesa do feto que procura driblar o da
mãe. Ele produziria uma enzima, a IDO, que procuraria neutralizar
a ação do triptofano, aminoácido responsável pela produção
de células de defesa tipo T do organismo materno.
Esta pesquisa coloca em xeque, portanto, o argumento de
que a mulher grávida tem o direito de decidir se o embrião
deve viver ou morrer, porque este não seria um ser à parte, não
teria personalidade própria. Tanto a possui que ele é detentor
de um patrimônio genético exclusivo. E, desde o período inicial
da gestação, extravasa a sua inteligência através da capacidade
de autogerir-se mentalmente; de adaptar-se e adequarse
a situações novas; de selecionar condições e aproveitar experiências, empregando aprendizado e memória. Tem, portanto,
inteligência própria.
E podemos afirmar, com base na pesquisa, que é tão distinto
da mãe que necessita produzir substâncias apropriadas
para poder manter-se vivo, dentro do útero, fugindo do perigo
de ser eliminado pelo sistema imunológico da hospedeira. E o
mais interessante é que o organismo materno aceita a defesa
do hóspede, concordando, tacitamente, com a gestação.
Esta luta do embrião para sobreviver dá-lhe o status de
pessoa e demonstra que ele apenas se hospeda no organismo
materno. A propalada autonomia da mãe, o seu direito de decidir,
não se sustenta, portanto.
Mas há ainda muito mais certezas, quanto à verdadeira
natureza do embrião, quando estudamos os novos aportes e
derradeiras descobertas da ciência no campo da memória e do
psiquismo fetal.
4. O feto possui uma psique própria?
A Dra. Alessandra Piontelli, psicanalista italiana, acompanhou
durante vários meses, onze (11) fetos: quatro (4) gestações
gemelares e três (3) singulares, a partir da 16ª semana
de gravidez. Dentre as gestações gemelares, observou, através
do ultra-som, 5 a 6 vezes ao mês, um caso de gêmeos dizigóticos
ou bivitelinos (formados por dois ovos distintos), uma menininha
e um menininho. Seguindo-os por vários meses, familiarizou-
se tanto com o “jeitão” deles que foi capaz de descre
ver para a mãe qual seria o comportamento de ambos após o
parto. Ao ultra-som, observou que a menina era expansiva,
buscava o contato com o irmão, mas este se retraía e enfiava a
cabeça na placenta ou tapava o rosto com as mãos, fugindo
dela. Com base nisso, a Dra. Piontelli previu que a menina
seria agitada, nervosinha, ao passo que o irmãozinho seria de
temperamento retraído e acanhado. Para espanto da mãe, após
o nascimento, tudo se confirmou: realmente ele era do tipo
quieto e a menina fazia o gênero nervosinha, irrequieta.9
Com suas observações, a psicanalista aclarou muitos aspectos
da personalidade dos fetos observados durante sua pesquisa,
antes mesmo do nascimento. Via-os chupando o dedinho,
espreguiçando-se, esfregando os pezinhos e as mãozinhas,
coçando-se, enfim, aproveitando a liberdade de movimentos
dentro do líquido amniótico. Cada feto apresentava um comportamento
muito próprio, tinha o seu “jeito” de ser. A Dra.
Piontelli assinalava o traço marcante de cada um, se era calmo,
nervosinho, pensativo ou se trazia, por exemplo, a característica
de uma bailarina. Ela os acompanhou não apenas
durante o período pré-natal, mas também no decorrer do primeiro
ano de vida e muitos até completar cinco anos. E pôde
constatar que o padrão de comportamento se confirmava, em
todos os casos, no decorrer do desenvolvimento.
Verificou-se que, cada feto, assim como cada recém-nascido,
é um ser altamente individualizado. Não é de modo algum
uma tabula rasa, como se poderia supor , esperando ser
moldado, exclusivamente, pelo meio ambiente. Tem vida emocional própria: experimenta prazer e desprazer, dor, tristeza,
angústia ou bem-estar e tem um relacionamento intenso com
sua mãe, sendo capaz de captar seus estados emocionais e sentir
quais os sentimentos de afetividade dela em relação a ele.
Outra experiência interessante a demonstrar a existência
da individualidade própria do feto foi realizada em 1982, por
Anthony DeCasper, pesquisador norte-americano: ele instruiu
um grupo de mulheres grávidas para que lessem, em voz alta,
cinco semanas antes do parto, determinada estória infantil.
Três dias após o nascimento, duas estorinhas foram lidas para
os bebês: a que eles já conheciam, desde o final da gestação e
uma outra desconhecida. As reações foram medidas, através
do número de sucções do bebê. Verificou-se que eles sugavam,
com mais freqüência, quando ouviam a estorinha conhecida.
Os problemas psicológicos ocorridos na fase pré-natal afetam
a vida ultra-uterina. A Dra. Myriam Szejer, psicanalista
de bebês, tem importante casuística de suas “conversas” com
recém-nascidos, que demonstram o valor terapêutico delas no
alívio e na solução desses conflitos. Um dos casos, relatado no
seu livro Palavras para Nascer, é particularmente doloroso.Numa gravidez gemelar, havia uma malformação muito grave
em uma das gêmeas. Segundo prognósticos médicos, ela poderia
nascer, mas teria um curto período de sobrevivência. Como
na França, onde a Dra. Szejer vive, o aborto é legal, os médicos
aconselharam aos pais a interrupção in utero da vida do
feto. Uma vez aceita a sugestão, a interrupção foi feita, tardiamente,
tendo o feto morto permanecido no útero até o nasci
mento da irmã, o que se deu, por cesariana, 15 dias depois.
Mas tal como previra a Dra. Szejer, a gêmea sobrevivente, de
nome Léa, teve sérios problemas, logo após o nascimento: não
se alimentava e quando era amamentada à força, regurgitava
sem parar, colocando em sério risco a sua vida. Os problemas
eram óbvios para a psicanalista: Lea tinha atrás de si vários
meses de companheirismo com a irmã gêmea, e esta, de repente,
ficara inerte, desaparecendo depois, completamente, do seu
contato. Foi preciso um trabalho muito intenso da Dra. Szejer,
muitas “conversas” com Lea, até que a recém-nascida conseguisse
se recuperar do luto da irmã, aprendendo a mamar sozinha,
e em grande quantidade, para finalmente ganhar peso e
alta hospitalar duas semanas depois.
Um caso interessante também para demonstrar também
o psiquismo independente do feto é o narrado por Thomas
Verny e John Kelly no livro A Vida secreta da criança, que influenciou
especialistas em muitos países, inclusive no Brasil.
Verny ressalta a influência da mãe sobre o filho em gestação
e diz que é preciso estar atento às diferenças. Há emoções
negativas passageiras ou acontecimentos geradores de estresse
que não vão prejudicar a formação dos elos intra-uterinos da
dupla. Mas há outras fortes, no campo da rejeição. “O perigo
existe, quando ele (o feto) se sente rejeitado pela mãe ou quando
suas necessidades físicas ou psicológicas são sistematicamente ignoradas”,
enfatiza ele.Verny conta o caso do bebê Kristina que lhe foi relatado
pelo Dr. Peter F. Freybergh, professor de obstetrícia e ginecologia
da Universidade de Upsala, na Suécia.
Kristina era um bebê robusto e comportado que revelou
um estranho comportamento: recusava-se a mamar no seio da
mãe. Aceitava mamadeira ou o seio de outras mães, mas não
queria nada com o alimento materno.
O Dr. Peter, indagando da mãe a razão de tal comportamento,
recebeu um “não sei” como resposta. Ela dizia não saber
o motivo. Quando, porém, Dr. Peter foi mais incisivo na
pergunta : “Mas você desejava realmente esta gravidez?” Ela esclareceu:
“eu queria abortar, mas meu marido desejava esta criança,
então, mantive-a”.
“Isto era novidade para Peter, mas obviamente não o era para
Kristina”, comenta o Dr. Verny. E acentua:
“Ela havia percebido há muito tempo a rejeição de sua mãe e
recusava-se a formar a ligação com esta, após o nascimento. Afetivamente
rejeitada no útero, Kristina, com apenas quatro dias de
vida e inteiramente dependente, estava firmemente decidida a rejeitar
sua mãe.” E concluiu:
“É provável que, com tempo, amor e paciência, a mãe de
Kristina ganhe, de novo, a afeição da criança. Mas esta já existiria
se a ligação tivesse sido formada antes do nascimento”, concluiu.Como e quando Kristina “soube” da rejeição? Os pesquisadores
não têm ainda todas as respostas. Sabe-se, no entanto,
que, desde o zigoto, existe a comunicação fisiológica ou biológica
intensa, entre os dois seres, intermediada por hormônios,
neurotransmissores, substâncias do sistema de defesa etc.; tudo
devidamente registrado pela extraordinária capacidade de
memorização do embrião, desde a formação da célula-ovo.
Por esses e outros dados, a Dra. Joanna Wilheim afirmou,
com justa razão:13 “Se conceituarmos inteligência como a capacidade
para autogerir-se mentalmente; adaptar-se e adequar-se a situações
novas; selecionar condições e aproveitar experiências – o
que implica aprendizado e memória –, podemos concluir que de
fato elas estão presentes no feto desde o período inicial da gestação”.
Por tudo isso, concluímos que existe uma individualidade
no feto que não pode ser marginalizada como se fosse a
massa amorfa de um tumor que se pudesse extrair por decisão
da mulher.
5. O feto teria memória antes da formação do cérebro?
Em meados da década de 1980, a neurocientista Candace
Pert e colaboradores, no National Institute of Mental Health,
em Maryland, realizaram pesquisas com neurocondutores e os
resultados causaram verdadeira revolução conceitual. A Dra.
Pert identificou um grupo de neuropeptídeos – moléculas
fabricadas pelo Sistema Nervoso –, que permitem o diálogo
entre os sistemas nervoso, imunológico e endócrino. Ela chegou
a esses resultados, realizando o mapeamento através de
moléculas radioativas, o que lhe permitiu rastrear as ações nas
diferentes partes do organismo.
O sistema nervoso, constituído do encéfalo e da rede de
células nervosas espalhadas por todo o corpo, é a sede da memória,
do pensamento e da emoção. O sistema endócrino, formado
pelas glândulas endócrinas e os hormônios, é o regulador
do organismo, integrando as várias funções somáticas. O
sistema imunológico, que abarca o baço, a medula óssea, os
nódulos linfáticos e células imunológicas que circulam no corpo,
é o sistema de defesa do organismo, responsável pela integridade
dos tecidos, controle e cura das feridas, restauração
dos tecidos e combate aos ataques à economia orgânica. Pois
bem, as pesquisas da Dra. Pert demonstraram que estes sistemas
estão interligados, formando uma única rede psicossomática.
Constatou-se que cerca de 60 a 70 desses neuropeptídeos,
antes somente conhecidos como hormônios, neurotransmissores,
endorfinas, fatores de crescimento, etc., constituem
o principal meio de veiculação de informações dentro do cérebro
e do corpo, contando para isso com receptores específicos.
Estes estão espalhados na superfície de todas as células,
transformando o corpo-cérebro em um único sistema de comunicação
interacional.
É preciso enfatizar, portanto, que o corpo-cérebro representa
o substrato físico da memória – ou mente – que, além
deste, conta ainda com um outro, imaterial, a informação que
circula dentro dele. A memória, assim, está espalhada pelo
corpo todo e expressa-se por outras vias que não aquelas comumente
relacionadas.
A partir desses estudos, é possível compreender que, além
dos vários tipos de memória comumente considerados: recente,
antiga, semântica, autobiográfica, afetiva, perceptiva,
motora, de reconhecimento, de recordação etc., há os registros
embrionários, inclusive a “memória celular”. Neste último
caso, é preciso considerar os registros mnemônicos
(imprints) das experiências vividas pelas duas células reprodutoras
básicas – espermatozóide e óvulo – que trazem, assim,
um patrimônio de “memórias” para o zigoto ou célula-ovo. A
descoberta da memória celular com o mapeamento de 60 neuropeptídeos
que estocam informações imunológicas, endocrinológicas
e neurológicas, fazendo circular informação em todo
o corpo, entusiasma os especialistas, que têm agora , não só
importantes explicações para melhor compreensão das patologias
de sua área de atuação, como também perspectivas maiores
de ampliar os recursos terapêuticos.
Esses resultados indicam, claramente, a potencialidade
extraordinária de uma única célula – o zigoto ou célula-ovo –
, que traz em si mesma um patrimônio considerável de força,
vitalidade e criatividade.
Por essas experiências da Dra. Candace Pert, constatamos
que a memória independe de sistema nervoso perfeitamente
estruturado e funcionante, porque já existem dezenas
de neuropeptídeos circulando, desde o início da embriogênese.
Por exemplo, em um embrião de 7 semanas, já se detecta a
presença de endorfinas, uma dessas substâncias que faz o diálogo
entre os sistemas nervoso, endocrinológico e imunológico.
Mesmo no anencéfalo, feto que possui somente parte do
córtex ou apenas o diencéfalo, cérebro ligado à função inconsciente,
vegetativa, estes neuropeptídeos já circulam, desde o
começo da gestação, ainda que de forma imperfeita.
Ainda com relação à memória há um outro contexto da
investigação. A psicoterapia transpessoal já detectou o armazenamento,
na fase adulta, de lembranças que ocorreram muito
no início da vida intra-uterina e que, sob hipnose, o indivíduo
é capaz de resgatar. Muitos bebês rejeitam suas mães ao
nascerem por guardarem lembranças desagradáveis da vida
intra-uterina, como o pensamento de rejeição ou a tentativa
de aborto, conforme tivemos oportunidade de ver no caso do
bebê Kristina.
Para concluir este resumo sobre a memória, queremos lembrar
um dos grandes paradoxos da Biologia Molecular, que ainda
está para ser decifrado pelos neurobiólogos, o da renovação
perpétua das moléculas do sistema nervoso, em contraposição
ao armazenamento da memória por 80 anos ou mais da vida
do indivíduo. Com a breve duração das moléculas que compõem
as sinapses do sistema nervoso, fica difícil explicar, com
a teoria reducionista materialista, a persistência da memória
por décadas a fio.
O mesmo já não acontece se recorrermos às hipóteses explicativas
de Rupert Sheldrake e Hernani Guimarães Andrade,
uma vez que a memória ficaria armazenada no campo imaterial
estruturador da forma, independentemente, da matéria física,
cuja característica é a da renovação constante.
6. O acaso explicaria a origem da vida?
A partir deste ponto, o debate sobre o aborto provocado
nos leva a um nível ainda mais profundo. Pois o mistério da
complexidade do feto é o mistério da própria vida, de modo
que temos de nos debruçar sobre esse tema fascinante se quisermos
responder por completo à pergunta: “Onde começa a
vida?”
Não há dúvida de que o assunto “origem da vida” é bastante
complexo, mas é indispensável tocar nele, quando se
pretende descobrir o real significado da existência humana.
Não será possível desenvolvê-lo mais amplamente, aqui, como
o fizemos em O Clamor da Vida (NOBRE, 2000), apenas tocaremos
em alguns pontos relevantes para o encaminhamento
da discussão.
A teoria darwiniana não pode explicar suficientemente
todo o processo evolutivo, isto é, o surgimento da vida. A
teoria do acaso tem sido a maneira fácil de retratar a ignorância
sobre o assunto. Em O Acaso e a Necessidade, um dos seus
defensores Jacques Monod, sustenta a idéia: ensaios, erros e
acertos teriam levado as primeiras moléculas ao pleno desenvolvimento; a evolução poderia ser compreendida como um
jogo: de um lado, haveria a intervenção das mutações no material
genético dos seres vivos; de outro, a seleção natural, tal
como a concebeu Darwin.
No entanto, François Jacob, que compartilhou o prêmio
Nobel de Fisiologia e Medicina de 1965, com Monod,
destrói o argumento da casualidade. Em La Logique du Vivant
(A Lógica do Ser Vivo), ele demonstra que o tempo e a aritmética
se opõem a essa evolução patrocinada por microeventos,
com as mutações acontecendo cada uma ao acaso: para se extrair
de uma roleta, golpe a golpe, cada uma das 100 mil cadeias
protéicas que compõem o corpo de um mamífero seria preciso
um tempo muito superior àquele da duração do sistema
solar, segundo os cálculos da própria ciência, o que, por si só,
elimina a tese de que a vida possa ter surgido por acaso.
Outro cientista que demonstra a impossibilidade de aterse
ao acaso para explicar a transformação de átomos em corpos
humanos é Michael Behe, professor-adjunto de bioquímica
da Universidade de Lehigh, Pensilvânia, EUA, autor do
instigante livro, A Caixa Preta de Darwin, que faz críticas à
teoria darwiniana, e apresenta a sua própria, a Teoria do Planejamento
Inteligente.
“Dizer que a evolução darwiniana não pode explicar tudo na
natureza, não equivale a dizer que a evolução, a mutação e a seleção
natural não ocorram”, ressalta ele, reconhecendo que ela
constituiu um grande avanço conceitual.
Coloca-a, no entanto, em xeque, demonstrando, ao estudar
a macroevolução, a impossibilidade de explicar-se, através
da seleção natural e das mutações aleatórias, os grandes saltos
evolutivos, como, por exemplo, o que ocorreu no período cambriano,
com o aparecimento de uma fauna e flora luxuriantes,
em contraste com o longo silêncio dos períodos anteriores. Na
verdade, esses longos períodos estáveis são a norma, de modo
que as súbitas transições não podem ser explicadas pelas mutações
aleatórias da teoria darwinista.
A tentativa de Stephen Jay Gould e Niels Eldredge com
a teoria do Equilíbrio Pontuado para explicar esses períodos
muito breves de grande explosão de novos animais e plantas,
em meio a outros, em que milhões de anos transcorrem, sem
grandes mudanças, é obrigada a socorrer-se do acaso criador,
transformado assim em um deus. Outro embasamento não
possui a teoria Neutralista do geneticista Motoo Kimura (The
Neutral Theory of Molecular Evolution) ao pretender explicar
as flutuações estatísticas aleatórias (ou desvio genético): elas
ocorreriam também “ao acaso”. Na mesma linha de pensamento,
reconhecendo que a teoria darwiniana tem falhas, o
matemático Stuart Kauffman (Teoria da Complexidade) socorre-
se da hipótese do acaso, ao afirmar que os fundamentos
do ser vivo podem surgir espontaneamente através da autoorganização,
uma maneira de eludir a dificuldade.Michael Behe comenta que nenhum dos dois, nem Kimura
nem Kauffman, explicam como as estruturas bioquímicas específicas surgiram. No caso da teoria de Kauffman, ficam
de fora todos os aspectos específicos dos organismos, porque
ele os reduz à categoria de símbolos matemáticos, manipulando-
os em seguida. Mas “a natureza é lixiviada”, acentua Behe.
De fato, a matemática é instrumento poderoso, mas “útil à ciência
apenas quando os pressupostos com que inicia a análise são
verdadeiros”. A teoria de Kauffman seria, assim, uma ilusão,
insuficiente como as explicações de Darwin e de Dawkins acerca
dos sistemas bioquímicos complexos.
7. Seria casual o arranjo das partes de uma célula?
Aos que continuam ainda aferrados às forças cegas do acaso,
Michael Behe pede explicações científicas quanto à formação
de estruturas complexas, tais como o olho humano, o
cílio ou flagelo; a coagulação sangüínea etc. É preciso que os
defensores dessas forças dêem uma descrição detalhada, passo
a passo, do processo pelo qual a mutação aleatória e a seleção
natural foram capazes de construí-las ao longo de bilhões de
anos de evolução. Não vale apenas dizer que isto se deu por
acaso, é preciso que se demonstre, através de explicações bioquímicas
genuínas quais foram e como se uniram os componentes
dessas estruturas.
Até agora, o seu pedido não obteve nenhuma resposta
plausível.
Ao contrário dos apologistas do acaso, Behe concluiu,
tomando por base o espantoso progresso das pesquisas, que a
célula obedece a uma programação e afirma, corajosamente,
que os cientistas não têm mais como se omitir: o ser vivo só
pode ser explicado pela Teoria do Planejamento Inteligente.
Do estudo bioquímico da célula, diz ele, vem um grito de certeza:
“Planejamento!”, nela existe o “arranjo intencional das partes”.
Enfim, não há como fugir: a investigação da célula deixa
claro o planejamento. A questão volta-se toda para o planejador.
Muitos acham que “não constitui boa ciência oferecer o sobrenatural
como explicação de um evento natural”. Em realidade,
a interferência do acaso, como força criadora e organizadora,
seria mais sobrenatural do que agente inteligente desta ordem.
Behe não vê razão para o temor de que as explicações
sobrenaturais derrotem a ciência: “O compromisso filosófico de
alguns indivíduos com o princípio de que nada existe além da natureza
não deve ter permissão de interferir em uma teoria que flui
naturalmente de dados científicos observáveis”.Respeitemos as
conquistas da ciência – aconselha –, porque sobreviveremos a
todas as suas mudanças conceituais tal como já o fizemos no
passado.
Outros pesquisadores também já estão convencidos de
que as explicações com fundamento na casualidade são absolutamente
insatisfatórias.
M. Schutzenberg afirma que é preciso “ter uma fé quase
cega na teoria darwiniana para acreditar que apenas o acaso poderia ter produzido na linhagem dos pássaros todas as modificações
necessárias para transformá-los em máquinas voadoras altamente
eficientes. Ou que as mutações aleatórias teriam levado à linhagem
de mamíferos depois da extinção dos dinossauros – dado que os
mamíferos estão muito longe dos dinossauros ao longo do caminho
que conduz dos peixes aos répteis”.Lynn Margulis, professora emérita de biologia da Universidade
de Massachusetts, ecologista, escritora, afirma que o neodarwinismo
é fundamentalmente falho, porque está baseado
no paradigma reducionista, e acentua que a história acabará
por julgá-lo uma “pequena seita religiosa do século XX, dentro da
fé religiosa da biologia anglo-saxônica”. Margulis tem também
uma hipótese explicativa para a evolução: em lugar da competição
e da luta, propostas por Darwin, o progresso na escala
filogenética dar-se-ia, através de cooperação e simbiose. Nesse
caso, os organismos se ajudam, conjugam forças, e realizam
juntos o que não podem fazer separados.
O que temos visto é que o ser vivo é um mistério para os
cientistas, embora eles não gostem de confessá-lo publicamente.
De onde vem esse desânimo? O que há de verdade sobre as
origens? Sabe-se muito pouco, apesar dos esforços exaustivos
de cientistas notáveis, a maioria deles justamente condecorados
com o Prêmio Nobel, pela excelência de suas produções,
em suas áreas de especialização.
Francis Crick, um dos descobridores da dupla hélice de
DNA, morto recentemente, diante do mistério das origens,
declarou: “Um homem sensato, armado de todo o saber à nossa
disposição hoje, teria a obrigação de afirmar que a origem da vida
parece atualmente dever-se a um milagre, tantas são as condições a
reunir para viabilizá-la”.De fato, um estudo desapaixonado revela que a vida dança
no fio da navalha: se uma das constantes físicas universais,
por exemplo – a velocidade da luz, a constante gravitacional
ou a de Planck – tivesse sido submetida, na origem, a uma
alteração ínfima, o Universo não teria tido nenhuma chance
de abrigar seres vivos e inteligentes. Este simples fato deveria
alertar os defensores das teorias embasadas no acaso quanto à
existência de um projeto, de uma finalidade no Universo. Se
fossem mais humildes, perceberiam a imensa sabedoria por detrás
de tudo isso e o tamanho da nossa ignorância em abarcála
e reconhecê-la.
8. Quantas enzimas o acaso colocaria dentro de
uma célula?
A vida é um fenômeno tão complexo que os especialistas
ainda não conseguiram chegar a um consenso para defini-la. E
é exatamente esta complexidade que nos permite rejeitar a
tentativa de explicá-la mediante o acaso. E a esta tarefa se tem
dedicado grupos de pesquisadores a partir dos extraordinários
avanços da biologia molecular que lhes tem permitido devassar
a intimidade da célula, demonstrando a incapacidade das teorias
do acaso explicarem o fenômeno vida.
Nesse sentido, encontramos o livro Deus e a Ciência, escrito
pelo filósofo Jean Guitton e dois doutores em Física teórica,
Igor e Grichka Bogdonov.
Tomemos um caso concreto relatado por Grichka Bogdonov.
Uma célula viva é composta de uns vinte aminoácidos
que formam uma cadeia compacta.; esses aminoácidos, para
funcionarem, dependem de cerca de duas mil enzimas específicas.
Biólogos e matemáticos calcularam a probabilidade de
que mil enzimas diferentes, portanto a metade do necessário,
pudessem juntar-se ao acaso, de modo ordenado, para formar
uma célula viva ao longo de uma evolução de bilhões de anos:
a probabilidade de que isto viesse a acontecer é da ordem de
10 elevado a 1.000 contra um. Uma impossibilidade estatística:
a vida, portanto, não pode ter surgido por acaso.
Daí concluir Igor Bogdanov que a aventura da vida desde
as formas primárias até as mais elevadas conduzem à admissão
de um princípio organizador que as conduzisse através de
uma escada ascendente. Há, portanto, “um fenômeno de ordem
subjacente” que conduz inelutavelmente ao surgimento
da vida. O Grande Planejador de Behe é a Sublime Consciência
do Universo – Deus –, que estaria por trás dessa ordem
subjacente. Ele seria o Supremo despenseiro da Vida.
Isso nos leva a concluir que a vida é, sim, um bem outorgado,
indisponível, inalienável, que transcende os limites estreitos
da matéria.
9. Por que ordem a partir da desordem?
Desde os filósofos gregos, tomamos conhecimento do movimento
perpétuo dos átomos, mas só no século dezenove ele
foi confirmado, sendo também chamado de agitação térmica,
apresentando-se, de modo geral, completamente desordenado.
Eles movem-se, vibram, rodopiam, colidem, naturalmente, sem
que necessitem de nenhuma força motriz para isso. Nos organismos
vivos, porém, os átomos abandonam esse movimento
caótico natural, e passam a ter um comportamento ordenado.
Não deixa de ser impressionante, como observou E. Schrödinger26,
a capacidade do organismo vivo de concentrar um
“fluxo de ordem” para si mesmo e escapar, dessa forma, de
decaimento no caos atômico – de “absorver ordem” de um
ambiente conveniente.
Ao contrário, portanto, do que ocorre com a matéria inanimada,
o Universo do vivente é caracterizado por um grau de
ordem crescente: enquanto o Universo físico caminha em direção
a uma entropia cada vez mais elevada, o vivente percorre,
de certo modo, a corrente contrária, para criar cada vez
mais ordem.
Por que razão o ser vivo surge, assim, como uma estrutura
ordenada no seio do caos?
Segundo a visão reducionista, a explicação estaria na constituição
da molécula orgânica que possui um número muito
grande de átomos; com a cooperação entre eles, as leis estatísticas
começam a operar e a manter um controle sobre o com

portamento desses conjuntos, passando o movimento a ser ordenado.
É o que acontece com toda a expressão de vida até
hoje conhecida na Terra, que se baseia em uma ou duas centenas
de unidades – as chamadas “moléculas da vida” – os aminoácidos
e os nucleotídeos – , que contêm entre 10 e 100 átomos.
Sem dúvida, a constituição da molécula orgânica é importante,
mas, por si só, não explica a complexidade da vida,
razão pela qual a célula é “lixiviada”. E mais ainda, o organismo
vivo tem um modo específico de organização, nele, o ser e
o fazer são inseparáveis.
Com a impossibilidade de se explicar a vida através do
paradigma cartesiano – que reduz o funcionamento de um sistema
complexo como o do ser vivo às propriedades de suas
partes – especialistas introduziram na biologia, nas primeiras
décadas do século XX, o pensamento sistêmico. Para estes, os
organismos seriam descritos por seus elementos químicos, mais
relações organizadoras. Desse modo, os seus componentes estariam
relacionados à maneira de rede; tudo o que acontece
num ponto dela influenciaria o conjunto. Surgiu assim, em
contraposição ao reducionismo, a teoria da auto-organização,
fundamentada, principalmente, nas idéias de Maturana e
Varela, Gregory Bateson e Prigogine, associadas às da matemática
da complexidade, de Kaufmann.27
Embora tenha trazido esclarecimentos importantes, esta
teoria não oferece, todavia, nenhuma pista aceitável quanto à
transição do inanimado para o animado.
Uma outra teoria bem antiga é a do vitalismo, que preconiza
a presença de uma estrutura imaterial no ser vivo, responsável
por sua estrutura ordenada no seio do caos e pelo armazenamento
de todas as suas experiências. Embora a maioria
dos pesquisadores a rejeite, para os que a aceitam, chamados
atualmente de neovitalistas, ela permanece como única explicação
plausível.
10. Por que a vida obedece a convenções?
Além de gerar ordem, o ser vivo obedece a convenções
inexplicáveis que denunciam um princípio diretor que não o
acaso. Na intimidade dos átomos, os elétrons promovem ligações
entre eles – ligações covalentes –, possibilitando, assim, a
construção de moléculas mais duráveis. Além desta convenção,
há uma considerada universal: a dos aminoácidos “esquerdos”,
isto é, que possuem quiralidade esquerda, e a dos açúcares
“direitos” , de quiralidade direita.
Entende-se por quiralidade a propriedade geométrica que
caracteriza a não identidade de um objeto em relação à sua
imagem no espelho. A mão direita e a esquerda são exemplos
de objetos quirais, antípodas um do outro (imagens um do outro
no espelho). A respeito desse arranjo, Cairns-Smith indaga:
“O fato de esta simples convenção ser universal constitui uma das
características mais singulares da unidade da bioquímica. Qual terá
sido a origem deste acordo?”Abdus Salam, notável físico que, juntamente com Steven
Weinberg e Sheldon Glashow, obteve o Prêmio Nobel de Física
em 1979, pelo trabalho sobre a unificação da força eletromagnética
com a nuclear fraca (força eletrofraca) acredita que
a resposta esteja na Sabedoria de Deus, que criou a força
organizativa da vida. Suas pesquisas demonstraram “que os aminoácidos
de quiralidade esquerda e os açúcares de quiralidade direita
são muito mais estáveis que as moléculas de quiralidades opostas”,
sendo essa a razão pela qual a natureza escolheu unicamente
esse tipo de arranjo vital.29 Salam acredita que a força
eletrofraca é de origem divina, e que Deus criou a partícula Zo
para fornecer quiralidade às “moléculas da vida”.
O físico Grichka Bogdonov comenta a respeito dessas forças
e afirma que o acaso não pode explicá-las. “Por exemplo,
existe na química um princípio hoje conhecido pelo nome de “estabilização
topológica de cargas”. Essa “lei” implica que as moléculas
que comportam, em sua estrutura, cadeias de átomos em alternância
(especialmente o carbono, o nitrogênio e o oxigênio) formam,
ao se reunir, sistemas estáveis. De que sistemas se trata? Estes elementos
nada mais são do que as peças fundamentais que compõem
a mecânica do vivente: os aminoácidos. Sempre segundo a mesma
lei de afinidade atômica, eles vão reunir-se, por sua vez, para formar
as primeiras cadeias desses preciosos materiais de vida que são
os peptídeos”.30
E há ainda mais convenções e mais incógnitas: como os
genes aprenderam a se recopiar? Como se dá a ligação geneproteína?
Enfim, é preciso que se explique como se dá o perfei
to entrosamento entre o hardware e software, a razão da escolha
exata do alfabeto de aminoácidos e do conjunto de correspondências
entre as letras de aminoácidos e as palavras de ácido
nucleico – o código genético.
Para isso, é preciso relembrar uma outra “lei” inscrita na
matéria que permitiu o prodígio da reprodução. Vejamos como
a explica o físico Igor Bogdanov: “os aminoácidos mais polares
(isto é, os que comportam uma carga eletrostática elevada)
são espontaneamente atraídos por moléculas nitrogenadas, enquanto
os menos polares agregam-se antes a outras famílias, como a da
citosina. Assim nasceu o primeiro esboço do código genético: ao se
aproximar de certos nucleotídeos (e não de alguns outros), nossos
famosos aminoácidos elaboraram lentamente os planos de sua
própria construção, depois os instrumentos e materiais destinados a
fabricá-los”.31
Estas operações poderiam ser produzidas pelo acaso? Um
acaso mais inteligente do que a inteligência humana? Como
um jogo de loteria poderia explicar a vida e a própria inteligência
do homem? A palavra mistério com que muitos investigadores
procuram esconder a própria ignorância sobre a origem
da vida não resolve o problema. É um modo apenas de
escamotear a verdade: o acaso não pode explicá-la.
Nos elementos infinitesimais que compõem a célula, nas
chamadas nanoferramentas, há ordem a partir da desordem,
entrosamento perfeito de informações incrivelmente complexas
e produtividade total, incomparavelmente superior à mais
organizada das fábricas terrenas. Esta constatação levou Paul
Davies a escrever: “O milagre da vida não é que ela seja feita de
nanoferramentas, mas que essas diversas partes minúsculas estejam
integradas de um modo altamente organizado”.32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O inventário minucioso do fenômeno vida levou-nos invariavelmente
à mesma conclusão: A vida é uma concessão,
um bem outorgado, do qual não se pode dispor.
O fato é que o ser humano nem de longe, nem de perto,
“fabricou” moléculas da vida. Nunca conseguiu, nos tubos de
ensaio, utilizando as condições prebióticas, a síntese de
ribossomos, proteínas, nucleotídeos, enfim, de substâncias
químicas básicas que entram na fórmula do ser vivo. Isto só
vem reforçar a certeza da existência de uma Inteligência Superior
na base do planejamento da vida, que não consegue ser
entendida ainda dados os parcos recursos da inteligência humana.
Diante de um organismo vivo, a questão básica é esta:
Quem tem o direito de eliminá-lo? O médi