TRISTES TOLICES

Na manhã do dia sete de janeiro deste novo ano, homens, fortemente armados, invadiram as instalações de um jornal satírico francês de mataram pessoas em nome de um sectarismo religioso incompreensível para nós, simples cidadãos latino americanos, para os quais religião não é sinônimo de extremismo fundado na crença de que, a simples manifestação de opinião constitui um crime imperdoável, punível, somente, com a execução sumária daqueles que, livres para pensar e para manifestar esse pensamento, ousam, com seus instrumentos de trabalho, atentar contra uma filosofia religiosa que, por meio de líderes inflados de radicalismo, inoculam em seus seguidores a certeza de que eles estão certos e todo o resto do mundo, errado!

O ataque ocorrido na data de ontem ao Jornal Charlie Hebdo não é um fato que deve ser visto apenas do ponto de vista de vítimas e agressores, mas sim de seres humanos que por centenas de anos lutaram por princípios icônicos de liberdade, igualdade e fraternidade. Reitero que, aos olhos inocentes de quem observa o acontecido em Paris, a atrocidade ultrapassa quaisquer limites de bom senso e de justiça.

Não há nada de bom, justo e honesto em assassinar pessoas friamente apenas porque, além de discordar da forma como pensam, consideram essas pessoas hereges que não merecem a fogueira, mas sim a bala.

E o que dizer do conceito de heresia que significa “escolha” e qualquer escolha leva o indivíduo a abraçar uma determinada opção de vida, sem que isso signifique que ele deva impô-la aos demais, pois se isso acontecer teremos o mesmo conceito de radicalismo religioso (aquele que gerou em suas entranhas a Santa Inquisição).

Ademais, a questão transcende à alegada heresia, cometida não somente pelos cartunistas franceses, como também por todos aqueles que prezam a liberdade de expressão. Trata-se, de fato, de uma relação obscena entre o fundamentalismo religioso cooptado pelo terror, que arregimenta jovens ocidentais, que encontram nesse segmento uma forma de realização pessoal, seguindo o espírito de manada de todas as épocas em que jovens são jovens e, por sua natureza, são rebeldes e almejam se insurgir contra o “regime”, esquecendo-se de que estão, na verdade, colaborando com indivíduos que radicalizam o Alcorão (livro sagrado) e seu profeta maior, Maomé.

E Islamismo não é, e jamais será, sinônimo de extremismo cego, fundamentalista, que prefere imperar pelo terror e pela chacina de pessoas que apenas exercem uma atividade cultural tão antiga quanto a própria humanidade … a violência é pop!

O acontecimento fatídico ocorrido na sede do jornal francês traz em seu bojo muito mais que uma alavancada dos grupos extremistas em sua jihad (guerra santa). Ela é um fio condutor da mudança que ocorre no cenário mundial, com a banalização da morte por vingança que nasce na mente de homens e mulheres que acreditam estar fazendo o que é certo … certo para quem? Eles mesmos não sabem.

Ativam-se como se estivessem participando de gangues e sentindo-se integrados a um grupo, ao qual imaginam pertencer como fazendo parte de algo maior. E a partir desse momento, tornam-se manipuláveis e úteis, sem que isso signifique inocência … não há qualquer inocência em quem arregimenta e muito menos em quem é arregimentado.

O que temos aqui, então, é um grupo de radicais atrelados a grupos que pretendem a derrocada ocidental pelo terror, pela matança e pela nutrição ao ódio de tudo que represente um ideal contrário à concepção de que o que se extraí do Alcorão é a obrigatoriedade de um conjunto de leis tribais que não tem qualquer razão de ser às portas do século vinte e um.

E todos são vítimas em potencial; mesmo os próprios muçulmanos tornam-se vítimas desse extremismo – vide o caso Malala – que possui requintes de crueldade desmedida, e razão orientada pelo espírito de manada que desde a aurora da humanidade tem conduzido guerras intermináveis, matança indiscriminada e chacinas sem piedade.

Crueldade vingativa parece ser o slogan que ativa esses indivíduos sem escrúpulos ao atirar em alguém indefeso e que prega uma revolução de trevas e ignorância. São ventos ruins que sopram não apenas na Europa, mas que fazem dela sua principal área de ação.

Sem qualquer intenção de posar de arauto da desgraça anunciada, e ainda por não ser um especialista no tema, ouso vaticinar que nos próximos anos o mundo não será mais o mesmo; agora mesmo, enquanto escrevo esse comentário, vem a notícia de que o Estado Islâmico atacou o twiter do Pentágono nos Estados Unidos, alterando a imagem da postagem e deixando várias ameaças não veladas ao exército.

Nos dias que se seguiram, vários ataques a mesquitas islâmicas situadas em Paris foram registradas; é a intolerância triste e vazia que vê na mera retaliação ao templo como uma forma de punir aqueles que, de fato, são inocentes.

E o que dizer do movimento BOKO HARAM:

Considerado por alguns analistas como sendo mais violento que o (EI) Estado Islâmico, o grupo extremista Boko Haram, que atua na Nigéria, tem recrutado inclusive crianças para perpetrar ações terroristas contra a população do país. Somente no domingo (11/01), duas meninas-bombas, de dez e 19 anos, explodiram, matando sete pessoas em um mercado popular. No sábado (10/01), uma garota-bomba, também com 10 anos, matou 20. No decorrer do ano de 2015, as ações do grupo já mataram mais de 3.000 pessoas, de acordo com o governo nigeriano.

O governo não tem conseguido atuar efetivamente contra o grupo, que já assumiu o controle de cerca de 52 mil quilômetros quadrados no norte da Nigéria, uma área equivalente à Costa Rica. Estão sob o controle dos jihadistas 11 províncias, onde vivem 1,7 milhão de pessoas.1

Impossível não crer que os ventos estão mudando e que os princípios defendidos durante e após a Revolução Francesa estão sob ataque cerrado da intolerância. Liberdade, Igualdade e Fraternidade não são mais o que interessa e sua relevância está submetida ao foco central do terror aliado à intolerância, ou será o contrário?

Não há qualquer pretensão de minha parte em causar temor com esse comentário, mas sim alertar que estamos em um momento crítico, onde escolhas não são mais isentas do ódio alienígena. Seremos vítimas de nossas escolhas (como sempre fomos), com a diferença de que desta vez, quem nos julga não está isento de ânimo.

Tomando jovens corações de assalto e deixando-os livres para agir fora dos limites do bom senso, fazem com que, neste momento histórico, todos sejamos culpados e responsáveis ao mesmo tempo. Não haverá lugar para neutralidade, já que a imparcialidade está perdida.

Há solução? Como sempre, acredito na capacidade humana de se reinventar a cada novo desafio, apenas temo que se ações efetivas não forem tomadas no sentido de mostrar a todos a verdadeira face desses movimentos extremistas, essa capacidade encontrar-se-á submetida a um avanço pífio e lento.

E não me refiro à reação armada, pois como já afirma o poeta alemão Goethe “uma ideia não se combate pela força das armas; uma ideia se combate com uma ideia melhor”; é certo que o combate ao terror não permite tréguas, e uma ação de inteligência coordenada a nível mundial é mais que necessário, é, na verdade, crucial para que ações como essa e outras como o atentado ao Metro de Madrid, ou em Londres, sejam coibidas em caráter preventivo.

Por fim, não devemos perder de vista que a dor sofrida pelos familiares e amigos das vítimas jamais será sanada. A dor da perda é uma chaga que, vez por outra, volta a inflamar e a doer.

1) http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/39129/usando+ate+criancas- bomba+boko+haram+matou+mais+de+3.000+pessoas+na+nigeria+so+em+2015.shtml