A Virgem de Itapiranga I

Quem chega a Manaus de barco ou navio, provavelmente desembarcará no Roadway, como é chamado o porto flutuante que fica em frente à cidade. Este enorme flutuante, de mais de trezentos metros de extensão é ligado a terra por sistema articulado, na verdade uma enorme dobradiça metálica com cerca de 10 metros de largura, por cima da qual trafegam veículos leves e pesados. Quando o nível das águas do Rio Negro é baixo, esta “dobradiça” forma uma rampa íngreme e, na cheia, fica praticamente nivelada com a terra firme do porto. Um sistema inteligente criado pelos ingleses e rebocado desde os estaleiros de Liverpool até as águas morenas do rio Negro há mais de cem anos. Nas décadas de 1960 e 1970 houve modificações feitas pelos militares, que não levaram em conta o aspecto histórico, causando grandes desgostos aos que gostariam de ver mantido o original. A professora de história, Etelvina é uma das descontentes: “Poderiam ter feito um porto totalmente novo e deixado o Roadway como era o original. Seria um ponto de atração turística e um marco permanente de uma época”, diz num desabafo.

Nível das Águas

No enorme rumo de arrimo que impede o avanço do rio para dentro de Manaus existe uma tabela indicando o nível máximo que as águas alcançam todos os anos. Identificando o fluxo das águas ano a ano este enorme painel mostra a altura máxima que a água alcança em relação ao nível do mar.

E isto nos remete a uma outra constatação: O nível do rio Negro em relação ao do mar é de aproximadamente 26 metros, com algumas variações. Ora, Manaus fica a 1600 km da foz do Amazonas. Isto mesmo, exatas mil milhas. Num chute, que pode ser desmentido ou confirmado, é a mesma queda que o rio Uruguai sofre da foz do riacho Dourado até a Barra do Guarita. Por outro lado, se temos no Amazonas 26 metros divididos por 1600 km chegamos à conclusão que o desnível do rio é de cerca de 10 centímetros por quilômetro.

Matemática hidráulica

Com estes dados, um matemático, desconhecedor da natureza amazônica diria que as águas se movimentam a 10 metros por hora estando praticamente paradas. Errado. O rio Amazonas avança em média mais de 6 quilômetros por hora, em direção à foz. A mesma velocidade de uma pessoa adulta caminhando a passo largo.

Que estranho cálculo a natureza faz aqui? Esta conta não fecha se usarmos as fórmulas conhecidas. Os especialistas dizem que o rio Amazonas não corre porque o terreno é desnivelado e sim pelo efeito bomba. Isto é, as águas avançam porque vem mais água atrás. Fácil, não? Não, não é fácil. Se fosse fácil os rios Solimões e Negro, que são os principais formadores do rio Amazonas, teriam a mesma velocidade. Não têm. O barrento Solimões “viaja” a seis quilômetros por hora, impondo seu ritmo ao próprio Amazonas enquanto o claro e transparente rio Negro mal alcança dois quilômetros no mesmo tempo.

Vamos deixar como está, sem tentarmos modificar com nossa reles inteligência o que o Criador em sua imensa Sabedoria criou.

Voltando ao tema

Diria o caro leitor: Está muito bonito, mas nada tem a ver com a Virgem de Itapiranga. Realmente, não tem nada a ver. Contudo, estas explicações tornam-se necessárias porque o Amazonas é um Estado atípico. Fisicamente, Santa Catarina cabe 16 vezes no Amazonas. Diga-se também que o Amazonas tem a metade da população do nosso estado. Assim Santa Catarina tem 32 vezes mais habitantes por quilômetro quadrado. Acrescente-se que a metade da população do Amazonas vive na capital, 52,2% para sermos exatos, e termos um enorme vazio no interior.

Por isso, caro leitor, cara leitora, não percam a paciência. As explicações são necessárias. Logo, logo chegaremos lá. Pretendo ir por terra. Mas poderia ir por água, seguindo pelo paraná de Itapiranga. Paraná? E paraná com letra minúscula? Viram só? Não se pode falar de uma coisa sem explicar a outra. Até a próxima.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 08/06/2007
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