O país em que você vive

O país em que você vive






No entorno de 1820 o Times londrino apregoava na primeira página que a expectativa de vida do ser humano atingira a marca dos 49 anos. Para o seu conhecimento Eça de Queiroz adorava dizer: o mundo é Paris e Londres, o resto é paisagem. Me parece lógico que o Times se referia a expectativa de vida dos habitantes do mundo, e não da paisagem.

Para entender um pouco sobre o país em que você vive precisa conhecer um mínimo do background, de seus coetâneos, de seus contemporâneos longevos, mais um tanto do século passado e do retrasado, para não irmos tão longe e você se embananar com acúmulo de informações desnecessárias.

O seu país, hoje, tem mais celulares do que privadas. Reúne a quarta população carcerária do planeta. Detém o status de maior consumidor de álcool e drogas do mundo. Dez por cento dos homicídios cometidos na Terra em 2012 ocorreram aqui e não se espera alteração nas estatísticas de 2013 e 2014. Trata-se do último país a abolir a escravidão.

Seus contemporâneos longevos, digamos próximos da casa dos 60 anos, aprenderam no colégio que a escravidão foi branda, por comparação, uma afirmação um tanto esdrúxula, quase equivalente a utilizar tarjas quais: carvão limpo ou plutônio benigno. Nos livros de história colegiais das décadas de 60, 70, a brandura(?!) da escravidão vinha acompanhada das informações "Lei do Ventre Livre" (que beneficiou no máximo 50 pessoas, de acordo com relevantes pesquisas) e a "Lei do Sexagenário". Agora imagine você, se no Primeiro Mundo estourava-se champanhe pelo esticamento do existir na marca já assinalada, como você acha que seriam as condições físicas, morais, mentais e emocionais de um escravo com 60 anos de idade?

Nunca ganhamos um prêmio Nobel. Seria culpa da CIA?

O que estivemos plantando nos últimos 200 anos? Porque, vou te dizer uma coisa, seja lá o que for, estamos na colheita.

Desde 1990 já era denunciado na Europa - com alargamento - incontáveis "cases" de prostituição infantil em vários estados brasileiros.

Cinquenta por cento das crianças de orfanatos no estado de Goiás são filhos de dependentes químicos. Oitenta por cento dos roubos de carga acontecem em São Paulo.

Temos uma população doente escondida atrás de outdoors glamurosos
e mesmo sem especialização em medicina alguma arrisco que o massacre geral do corpo possui diretrizes conhecidas de todos. No minuto em que o sistema percebe o stress lança um hormônio que contrai veias, músculos, estimula a glândula adrenal, uma pessoa que vive assim vai ter as veias começando a estourar, o coração fica permanentemente contraído, intestinos desregulam, o sistema imunológico desliga.... Os hospitais estariam cheios, tão cheios, abarrotados, por que? Por uma única causa? Ou por uma série de consequências oriunda de uma causa maior?

Raciocínios arcaicos continuam a fazer vítimas no solo do seu país. Já foi denunciado mais de um senador da república ligado a trabalho escravo. Mais de um político em estreita ligação com o tráfico de drogas. Em 2014 o Brasil bateu recorde de morte de ambientalistas. Mídias de menor porte divulgaram que o massacre da Amazônia em 2014 não teve precedentes e o ritmo de 2015 está mais agressivo ainda.

Abrimos mão de itens como morais absolutos, linhas intransponíveis, parâmetros incorruptíveis, tudo é derrubado do dia para noite, todos os dias e todas as noites. São Paulo, capital, dotada da mais bem aparelhada polícia da federação não consegue frear a sanha quase surreal do famigerado crime organizado que se desloca em pelotões atacando diversas áreas ao mesmo tempo.

Não temos um projeto de governo, quiçá, arrisco, desde os tempos de JK com seus "50 anos em 5", porque, veja bem, um governo deve ter um projeto além de gerenciar o orçamento e pagar a previdência. Duas coisas que já estão caducando ou em vias de. Para se ter uma idéia, nos USA a previdência custa 400 bilhões de dólares, isso representa ¼ do orçamento federal, e há quem bata na mesa e afirme: estará quebrada dentro de 12 anos, lançando metade da população idosa em condições de miséria. Isso lá, onde as coisas funcionam, e existe a indagação básica: se pagamos, porque não recebemos o dinheiro quando nos aposentamos? Resposta: os seus impostos da Previdência Social pagam pelos aposentados de hoje. Quando a sua geração se aposentar, apenas duas pessoas pagarão para cada aposentado, em contraste dos 42 trabalhadores por aposentado, quando esse sistema começou, em 1935. Aqui começou um pouco depois, ninguém mexe nessa questão, mal levantam a lebre e quem tentou bateu as botas.

Caso público, notório e esquecido. Como sempre.

O que acontece no seu país resume-se a um pensar que parece tosco, partidário dependendo da estação, por pouco parente próximo da demência. Exemplo: Numa cidade como São Paulo, profícua ao extremo com contratastes de toda a sorte, toda e qualquer administração pública do séc. XXI deveria, no meu leigo entender, dirigir esforços para as áreas esquecidas. Somente isso e mais nada. Existe algo chamado orçamento que não pode viver unicamente através do aumento da coleta de impostos e pagamento de funcionários (vide cabide de empregos) devendo ser destinado apenas para os que realmente necessitam de esgotos, iluminação, postos de saúde, linhas de ônibus, escolas, áreas de lazer, segurança. Não em termos de perfumaria, como tem sido, quando acontece, mas como plano geral, como meta, como linha mestra de administração. Pensar em ciclovias e radares nessa altura do campeonato me soa literalmente igual a alforria de um escravo sexagenário no último quartel do séc. XIX.

Será que até o momento alguém já respondeu por que meninas de 16 anos brincando em pancadão ou baile funk dos arrabaldes se envolvem em práticas sexuais que fariam corar um experiente produtor pornô de Hollywood? Porque elas sabem que não vão chegar aos 25 anos.
Seus pares idem.

Vosso país vive de balelas e de mentiras, de ufanismos baratos e de apologias duvidosas. Nesse instante uma parcela indefinida tenta destruir vosso país, apenas isso.

Em 1940 o exército americano não figurava entre os 12 melhores do mundo. Pairava a séria possibilidade de entrarem no conflito mundial. Então Roosevelt afirmou: os EUA irão construir 50.000 aviões em 4 anos. Todos acharam que era uma piada. E era. Eles construíram 100 mil aviões.

Somos uma grande nação, sem dúvida, com erros de cálculo infantis, omissões obscenas e pretensos potenciais ilimitados onde cada um de nós começa a assistir, a duras penas, a crua limitação desses mesmos potenciais. Já presenciamos o oba-oba da Copa 2014 e seu fiasco pleno e irrestrito, exceto para as empreiteiras. Assunto morto. Falar de política equivale a adentrar de corpo e alma num teatro de horrores galopante capaz de oferecer tudo menos soluções dignas.

Precisamos de um plano, de uma meta, urgentemente, porque aqueles que carregam os outros nos ombros estão nas últimas.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 01/05/2015
Reeditado em 16/07/2020
Código do texto: T5226402
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