Arrozão e Feijãozinho

Que a terra lhes seja leve.

(Machado de Assis)

Itajaí, Santa Catarina, é um excelente lugar para fazer amigos, curtir a família e ficar sossegado pro resto da vida. E, foi exatamente por isso, que David, resolveu deixar esta deliciosa cidade!

Queria mesmo ir para uma capital, de preferência longe dali, evitando assim um extemporâneo e precipitado arrependimento da decisão tomada.

No centro do Rio de Janeiro, três estudantes moravam em um grande apartamento e David se tornou o quarto ocupante que precisavam para dividir as despesas.

Um subempreguinho em uma nanica imobiliária, renderia o valor para contribuir com a fração de aluguel e se alimentar moderadamente.

Depois de um par de anos, nada melhorou. Para apoucar ainda mais seus míseros recursos, o irmão mais moço Delfim, apareceu de surpresa sem dinheiro, pretendendo ficar uns dias no imóvel, já habitado pelos quatro previstos personagens pagantes.

O jeito vaselina de Delfim, conquistou a simpatia dos garotos. Além de convidá-lo para morar no apartamento, arrumaram-lhe um emprego como vendedor em uma excelente empresa.

Passados quatro anos, os estudantes se formaram, retornando para o Piauí, seu estado de origem, para serem honrados com oportunidades prometidas pelos amigos. A responsabilidade pela locação do imóvel, foi transferida para os irmãos catarinenses.

A essa altura, os sulistas, podiam manter o apartamento sem colocar mais gente. Um dos cômodos foi transformado em escritório. Os irmãos se desligaram das empresas onde colaboravam, para se tornarem empresários.

A representação de arroz, atendia os restaurantes do Rio de Janeiro, com vendas migalhadas. Invocando a misericórdia dos compradores e expondo-se ao ridículo com insuportáveis e inoportunos gracejos, David e Delfim, arrancavam piedade do bom povo carioca, que lhes obsequiavam com ordens de compras quase esmoladas

A passagem, lenta, penosa e sacrifical desses quatro intermináveis anos, de modo algum escapava à contabilização dos jovens. Como representante comissionada, a microempresa tinha pouca competitividade e era em 95 porcento dos negócios, sorvida pela concorrência. Durante esse período, trabalharam, se fatigaram. Tudo longe do convívio dos familiares e muita saudade de Itajaí. Não fosse a audácia da esperança, o ralo já teria tragado a mixuruca perspectiva de prosperidade.

-- Delfim, atende à porta pra mim, por favor? Estou conferindo os pedidos de ontem.

-- Fala, Guri! – era Christoph, espécie de primo rico. Diretor executivo do Kitybank.

Os meninos, de cor muito branca, tiveram seus rostos enrubescidos. Agora a aparência das faces não estava muito diferente da cor do tomate. Quantas vezes ligaram para o banco, procurando o “primaço”. Era um tal de a secretária dizer que depois retornaria. Já havia virado uma espécie de “SACI – Serviço de Atendimento ao Cliente Inoportuno - 0800”, onde os dados eram fornecidos repetidamente, para providência nenhuma.

Christoph, sem dúvida era a saída. Com ele na história, os tubarões do arroz passariam a respeitar a DDIA – David e Delfim de Itajaí, Alimentos. O nome da empresinha, lembrava mais uma dupla sertaneja, disso resultando desagradáveis zombarias por parte dos conhecidos.

-- Gente é o seguinte: lá no banco nós estamos acostumados a investir em bolsas de valores, comodities e moeda estrangeira. Tudo altamente ligado à volatilidade. Além do prazer de vê-los, aproveitei para também estar aqui a negócios. – justificou Christoph.

O marasmo torturava David e Delfim, enchendo-os de melancolia e desesperança. Agora voltavam a sonhar e se sentiam fortes. Algo extraordinário certamente aconteceria para compensar ter deixado Santa Catarina.

Christoph, nunca joga conversa fora e inclusive sempre foi motivo de gozação por parte da turma, por conta disso.

-- Gente. Dezenas de empresas vendem arroz aqui e nenhuma irá mudar a situação a não ser para pior. Esse mercado é inviável, para quem é representante – disse o primo.

-- Então, Chris. Você quer propor nossa entrada em outro ramo ou tem um emprego para nós no Kity? Perguntou David.

-- Não, pessoal. Chem-me-cher, um chinês, megainvestidor do banco, desistiu de um grande investimento financeiro, para comprar uma imensa área plantada de arroz em Santa Catarina. Como você sabe, asiático não joga para perder. Essa semana vence o prazo para eu baixar uma aplicação minha. Não é tão grande quanto a do Chem, mas é bastante para quem deseja subir honrosamente na vida. Com o valor do resgate, estou querendo comprar uma área plantada de arroz e outra de feijão no Vale do Itajaí e preciso de vocês para escoar a produção.

Sem querer, por incrível que pareça, Christoph, comprou justamente a área que Chem-me-cher, estava interessado. Paciência chinesa esgotada, o homem voltou para Xangai e é bom que seja feliz por lá.

Vendendo diretamente do produtor, o arroz e agora também o feijão, os negócios se firmaram, crescendo muito. Como estratégia para confundir os desafetos, David e Delfim continuaram com o nome antigo da empresa e registraram outro para impactar o mercado com novas ações.

O nome da empresa era um constante motivo de escárnio por lembrar o de uma dupla caipira. Para aumentar a gozação o pessoal falava:

-- Já que a firma de vocês tem nome de dupla sertaneja, por quê só vendem arroz? Não ta faltando o feijão?

E Delfim, irmão mais novo, valeu-se da obra de Machado de Assis, Dom Casmurro, como resposta à traição dos amigos, dizendo:

-- Que a terra lhes seja leve!

Recentemente houve uma Tomada de Preços do governo, para comprar uma grande quantidade de feijão. Na hora de abrir os envelopes, o clima de escárnio, era de tamanha agressividade, que por pouco o presidente da comissão de licitação não adiou a abertura.

Christoph com um sorriso de sucesso, acompanhou seus primos na concorrência. Todos estavam vestidos de caipira, tipo Limãozinho e Mocotó. A DDIA – David e Delfim de Itajaí Alimentos, desistiu de apresentar proposta. Os competidores comentavam baixinho:

-- Esses meninos, só vendem arroz e por isso não estão participando dessa TP. Também se entrassem não teriam chance, não passam de uma “revendeca” e aqui é lugar de tubarão. Que a terra lhes seja leve. (risos).

Quanto a empresa vencedora foi anunciada, não foi possível conter a manifestação ainda maior de sanha, por parte dos perdedores. O pedido com o qual os garotos foram contemplados, ultrapassava em faturamento, a soma de todos os negócios realizados pela empresa desde sua fundação.

David e Delfim, "marketeando" o próprio escárnio do qual eram vítimas, registraram outra empresa. Ganharam a concorrência dos sonhos com o irreverente nome:

Arrozão e Feijãozinho.

Gilberto Landim
Enviado por Gilberto Landim em 15/06/2007
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