A redução da maioridade penal não será a solução para todos os males.

A redução da maioridade penal não será a solução para todos os males.

Magistrado há 18 anos, Dr. Milton Furquim está há 2 anos na Vara da Infância e Juventude de Guaxupé. Ele recebeu a reportagem da Revista Mídia, no último dia 21, quando analisou a proposta de redução da maioridade penal no Brasil, prevista para ser votada no plenário da Câmara no próximo dia 30.

COMO O SENHOR ANALISA A MUDANÇA DESTA LEI? A Vara da Infância e da Juventude é o único Juízo competente para julgar adolescentes (pessoas entre 12 e 18 anos de idade), que praticam condutas delituosas (atos infracionais). Sou favorável à redução da menoridade penal - mas em termos. Digo em termos em razão da dificuldade de operacionalização e aplicação da lei penal quanto aos menores de 18 anos no caso de aprovação da emenda constitucional. Veja a situação iremos enfrentar no cotidiano, digo nós juízes, e não a sociedade.

Hoje, o adolescente não comete crime mas sim ato infracional - o nome que resolveram dar para os menores que cometem crimes como furto, estupro, homicídio, entre outros. O adulto, ao cometer qualquer um desses ilícitos, cometem crimes, Já os adolescentes cometem atos infracionais.

Ao cometer um ato infracional, o menor, após o procedimento de apuração, a ele é aplicada uma medida socioeducativa - que não é pena - como liberdade assistida, advertência, prestação de serviços à comunidade, internação. Lembro que a internação é a medida mais grave a ser aplicada.

No meu modo de ver, nenhuma das medidas socioeducativas consegue atingir o resultado esperado pelo Estatuto da Criança e Adolescente ECA. Vejamos: no que tange à advertência, o infrator é simplesmente admoestado pelo Juiz da Infância e Juventude (puxão de orelha). Neste caso o infrator, ao sair da audiência, faz chacota das autoridades, pois se nem advertência dos pais consegue fazer com que eles trilhem um bom caminho, imagina se o “puxão de orelha” dado pelo juiz? Irá surtir algum efeito? Me sinto um idiota fazendo isso.

Quanto à prestação de serviços à comunidade - prestar serviço a alguma entidade filantrópica, no caso 7 horas por dia e em um dia por semana -, também não surte nenhum efeito, além da dificuldade que a Comarca tem de aplicar tal medida. Hoje o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE - exige que o município tenha um órgão para que, uma vez determinada a prestação de serviços ao adolescente ou outra medida socioeducativa qualquer, informe ao Juiz qual espécie de atividade o infrator poderá submeter-se. O nosso município está desprovido deste órgão, de modo que a prestação de serviços à comunidade, ante a não existência deste órgão, fica inviável.

A liberdade assistida é outro grande problema, pois o adolescente deverá ter a sua liberdade assistida, acompanhada por algum profissional da área de assistência social, psicólogos, etc. Em que pese a boa intenção da legislação, esta medida não surte nenhum efeito em razão da dificuldade deste acompanhamento.

A internação é aplicada ao adolescente que comete um ato infracional de natureza grave ou, então, reincidente no cometimento de outros atos infracionais. Geralmente, se aplica a internação àqueles que cometem atos infracionais violentos, como estupro, roubo, latrocínio, tráfico de drogas, enfim, aos crimes que são tidos como hediondos. Esta medida de internação na prática corresponde, em princípio, à prisão dos adultos que cometem tais crimes. A internação só pode ser aplicada por até 45 dias enquanto provisória - que é o prazo que o procedimento de apuração de ato infracional deve estar solucionado (sentenciado). Mas isso não acontece na prática. O que era para ser solucionado em até 45 dias, às vezes, leva-se até anos. No que se refere à internação definitiva, esta se dá após a conclusão do procedimento de apuração do ato infracional caso o adolescente seja “condenado” a cumprir a medida (pena) até que atinja a sua maioridade penal. Vale lembrar que não pode ser superior a três anos, que é o máximo de tempo que o adolescente poderá ficar internado.

Feitas estas considerações, vejamos como tudo isso funciona na prática, lembrando que estamos falando sobre atos infracionais praticados por adolescentes. Vamos ver um exemplo prático para tornar mais fácil o entendimento. Suponhamos que um adolescente (menor de 18 anos) cometa um estupro ou um roubo e, ao ser apreendido em flagrante pela polícia, invariavelmente, a polícia ou mesmo o promotor requer do juiz da infância a sua internação provisória para a apuração dos fatos, que poderá ser determinada por até 45 dias, DESDE QUE NA COMARCA TENHA UM ESTABELECIMENTO PRÓPRIO PARA A INTERNAÇÃO DESTE MENOR INFRATOR.

A legislação também permite, em tese, quando a comarca não dispõe do referido estabelecimento, que ele possa ficar internado (preso) por até 5 dias em local (cela) separada dos adultos. Caso tenha sido decretada a internação provisória por 5 dias e neste período não for encontrado um estabelecimento próprio no Estado para a transferência deste menor, a legislação determina - e não o juiz - que este adolescente seja colocado imediatamente em liberdade, sob a responsabilidade criminal das autoridades, inclusive a do juiz.

Aqui em Guaxupé, a Polícia e o Ministério Público (Curador da Infância e Juventude), quando acontece algum ato infracional grave, requerem a internação provisória do adolescente ainda que por 5 dias e, eu, enquanto juiz da infância e juventude, determino que o adolescente seja internado provisoriamente (preso) por 5 dias. No entanto ficando diferida (adiada) o cumprimento da medida até que o Estado disponha de vaga em qualquer estabelecimento apropriado. Caso não haja vaga em estabelecimento apropriado, o adolescente, mesmo com a internação decretada, ficará em liberdade até que o Estado não disponibilize a vaga. Se assim o faço é porque há uma orientação do Conselho Nacional de Justiça para que nenhum adolescente, ainda que cometa ato infracional de natureza grave, permaneça internado (preso) em cela de cadeia publica, ainda que em cela separada dos adultos.

Resumindo: o juiz da infância e juventude, no que tange a esta questão envolvendo adolescentes, fica naquela situação dita no jargão popular “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, isto é, se interna (prende) o adolescente, o juiz corre o risco de ser punido pelo CNJ e Corregedoria; se não prende (interna), o adolescente permanece solto, e a sociedade “cai de pau” nas autoridades (juiz).

Então imaginem que situação: se mesmo quanto ao adolescente infrator, quando é aplicada uma medida de internação, o Estado não oferece vaga para que ele seja internado (preso), seja por 45 dias ou por até 3 anos, como ficará a situação no caso de redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos, quanto, então, o adolescente estará cometendo crime?

No que tange a emenda constitucional que reduz a maioridade penal, como disse, sou amplamente favorável, mas em termos. A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos será somente para os adolescentes que cometerem crimes hediondos (roubo qualificado, estupro, latrocínio, tráfico de drogas, lesão corporal grave, entre outros). Neste caso, o adolescente entre 16 e 18 anos não mais cometerá ato infracional, mas sim crime, a exemplo dos adultos. Assim, não mais se sujeitará a responder a um procedimento de apuração de ato infracional mas responderá um processo crime. O adolescente será processado e após todos os trâmites do processo crime poderá receber uma pena - e não mais medida socioeducativa - que poderá ser de 5, 10, 15 ou mais anos, dependendo do crime cometido, claro. Um vez condenado a cumprir uma pena, por exemplo, de 10 anos, é bom que fique claro que esta pena também não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional de adultos e, muito menos na mesma cela com adultos.

Se atualmente o Estado não disponibiliza estabelecimento adequado para internação provisória de adolescentes, imagina se irá disponibilizar em todas as comarcas - ou mesmo em alguma região - estabelecimento penal para que os adolescentes condenados possam cumprir suas penas?

Então a situação ficará do mesmo modo que enfrentamos hoje em dia, ou até pior, para não dizer que nada é tão ruim que não possa piora mais. Nós, juízes da infância e juventude, teremos a nossa disposição uma legislação penal punindo com prisão os adolescentes condenados por praticarem crimes, no entanto, não teremos como operacionalizar, enfim, cumprir com as nossas próprias decisões - no caso, a disposição de um estabelecimento penal próprio aos adolescentes (entre 16 e 18 anos) cumprirem suas penas.

Então sou amplamente favorável à redução da maioridade penal, desde que o Estado disponibilize estabelecimento penal adequado para que estes adolescentes cumpram as suas penas. Creio que isso não passa de uma quimera, pois aqui no Brasil somos pródigos em editar leis que não “pegam”, ou seja, que jamais serão cumpridas. Quando isso acontecer, a emenda terá que submeter-se a uma regulamentação infra-constitucional e, por certo, deverá entrar em vigor somente após um ano. Espero estar aposentado e vou ficar lamentando e me solidarizando com os colegas juízes da infância e juventude. Finalizando, hoje me sinto, como juiz da infância e juventude, frustrado, impotente, por não conseguir sequer dar cumprimento às minhas decisões quanto aos menores infratores. Sempre disse que se me fosse dado escolher, jamais seria juiz da infância e juventude.

O QUE LEVA O ADOLESCENTE A COMETEREM INFRAÇÕES? Na minha opinião, os adolescente cometem os atos infracionais por vários fatores, sendo alguns endógenos e outros exógenos. A bem da verdade um dos maiores fatores é o problema social que o País não consegue resolver desde quando foi descoberto por Cabral, passando pela péssima distribuição de renda e, sobretudo, pela manifesta diferenciação de classes sociais.

É certo que adolescentes das classes sociais aquinhoadas com os bens materiais cometem atos infracionais, no entanto, a maior clientela da Justiça no cometimento de atos infracionais, infelizmente, são oriundos das classes sociais menos favorecidas. Tal se dá em razão da forma de criação, educação, inobservância de princípios morais, religiosos e éticos.

É certo que a educação é de fundamental importância na preparação e formação das crianças e adolescentes mas, infelizmente, até a própria educação discrimina as classes sociais que frequentam as escolas. Sabemos que as escolas dos subúrbios não recebem toda a atenção, cuidado e apoio que as escolas voltadas para a clientela das outras classes sociais mais favorecidas recebem.

Há a questão que se refere à perda de autoridade dos pais sobre seus filhos. Aqui há uma inversão de valores: antes os filhos “temiam” e obedeciam seus pais. Havia um temor reverencial. Hoje são os filhos que ditam as regras e condutas aos pais.

Tenho também que a mídia contribui de forma fundamental para este problema. Está voltada inteiramente ao consumismo das pessoas e, por certo, acaba incutindo na cabeça dos adolescentes que devem a todo custo buscar formas e meios, sejam lícitas ou ilícitas, para dar vazão ao seu desejo de consumo.

Outro fator que incentiva os jovens a enveredar pelo caminho da criminalidade é a certeza da impunidade. Isso é tão evidente que os adolescentes fazem questão de valer-se de sua idade para a prática de ilícitos penais, pois sabem que a legislação menorista lhes favorecem e não serão jamais punidos - porque punição não pode ser considerada uma ‘advertência’, ‘prestação de serviços à comunidade’, ‘liberdade assistida’, etc. O ECA pode ser tido como uma legislação de vanguarda, mas em relação às crianças e adolescentes abandonados, que sofrem maus tratos, mas é um retrocesso em relação aos adolescentes infratores.

Nota-se que as famílias, a bem da verdade faliram com relação ao controle e educação de seus filhos. Hoje, preferem transferir a educação, a correção e a responsabilidades de seus filhos para as autoridades, no caso polícia, juiz e promotor. Também entregam seus filhos às igrejas e escolas. Ora, pois, quem fez o filho que os crie e eduque. É comum pais procurar-me e dizer: “Doutor, não sei mais o que fazer com meu filho. Ele me bate. Ele está na droga. Ele não vai à escola. Ele não quer trabalhar. Por favor já não aguento mais essa situação.” Quando ouço isso me revolto com os pais, pois falharam e, se falharam, é porque não procuraram educar de forma correta os filhos. Aí não mais os aguentam e acham que eu devo aguentar? Que a Polícia deve aguentar? Que o Promotor deve aguentar? Oras bolas, criei o meu filho a duras penas, mas me impus enquanto estava sob minha dependência - isto até os 23 anos enquanto cursava Medicina.

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É A CHAVE PARA O PROBLEMA? Por certo que a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos não será a solução para todos os males. Eu seria leviano e completamente fora da realidade se assim acreditasse. Mas, infelizmente, em nosso País parece-me que a única maneira ou forma de por cobro nas situações que afligem a sociedade, é por intermédio da força da lei.

Claro que em um primeiro momento a situação tende a criar um estado psicológico favorável, mas não muito demorará para que os adolescentes infratores, tomando conhecimento das dificuldades de operacionalização para aplicação da pena e para, sobretudo, o cumprimento delas, voltarão a fazer pouco caso da Justiça. Isto porque a legislação penal permite ao adulto criminoso que foi condenado e está cumprindo pena uma série de benefícios para que possa permanecer em liberdade. Então, com mais razão, além dos benefícios permitidos aos adultos, com certeza outros virão para beneficiar os adolescentes condenados. De modo que a solução, evidente, não está na redução da maioridade penal para 16 anos, mas é perfeitamente defensável a tese de que se eles podem votar, escolher os governantes, então, podem, também, sujeitar-se às consequências da prática de crimes. Ninguém vai me convencer de que eles não sabem o que estão fazendo. Tanto é que sabem que valem-se da condição de menor para praticar os crimes.

Enquanto cidadão confesso que a exemplo da maioria, sou cético quanto ao futuro dos nossos adolescentes. Mas não jogo a toalha no chão. Não vejo, infelizmente, uma luz no fim do túnel, mas nem por isso não devemos sair a procura dessa chama.

Não é possível que continuem com estas demagogias que não trazem resultados práticos e imediatos como quer a nossa sociedade. Somos, enquanto cidadãos, tão culpado ou até mais que o próprio Governo, isso porque votamos e escolhemos nossos representantes sem qualquer compromisso ou então, depois de eleitos sequer lembramos em quem votamos e porque nele votamos. Não cobramos, e isso num é porque não sabemos cobrar, mas sim porque somos incapazes de acreditar nas instituições públicas, na justiça, enfim, naqueles que lá ajudamos a colocá-lo.

Por que, enquanto cidadão, eu não exijo dos administradores uma legislação moderna que atenda as necessidades sociais e que de fato punam exemplarmente, não o preto, o pobre ou a prostituta que já são punidos pela vida, mas sim, os colarinhos brancos, os poderosos? Por que não exigimos que votem uma legislação penal moderna e exemplar nas punições, já que o nosso Código Penal é de 1940, e quando editado foi para proteger a classe dominante na época e, ainda continua protegendo, ainda mais, hoje em dia, essa mesma classe?

Mas, ainda que pareça um paradoxo, e é um paradoxo, mas continuou a procura de uma chama no final do túnel. Mas quero solução para ontem ou para hoje, não para o futuro, pois cansei de ouvir, enquanto jovem, que devíamos preparar o mundo para os jovens, e o que eu vejo hoje depois que cheguei na terceira idade? Que ainda continuam procurando deixar um mundo melhor para a futura geração. Devo acreditar nisso?

Guaxupé 04/08/15.

Milton Biagioni Furquim

Juiz Direito Vara Civil e Infância e Juventude

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 08/08/2015
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