HISTÓRICA SEPARAÇÃO

Nas páginas do "Diário de Notícias" do Rio de Janeiro, Ruy Barbosa (05/11/1849 - 01/03/1923), em longo e incisivo editorial, intitulado Partidos: Ruína e Reconstrução, solidarizava-se com a tribuna do Jornal "Novidades", que, abolindo o estilo cauteloso, havia lavrado vigorosa queixa contra o divórcio reinante entre o povo e o centro político nacional. O artigo do "Novidades" referia que o governo, ao invés de cérebro, transformara-se em "parasita apegado ao lombo da nação com a conivência política de vergonhosos ajuntamentos servis".

O episódio nos revela que a heroica imprensa nacional, sequiosa pela moralização política, superando uma costumeira divergência, uniu-se contra o desmando e anarquia à ocasião reinantes.

Decorrido um tempo considerável, cuja relevância se encontra arquivada pela literatura jornalística, é assombroso perceber que ainda se aguarde a remição de certos valores, tal como atesta o persistente confronto entre a opinião pública e a arte politiqueira.

A cibernética ultrapassou os mais fantásticos limites da expectativa, mas o caudaloso trânsito social mantêm-se órfão de uma representação fiel e estável, que imprima uma evolução compatível com a grandeza nacional.

Urge, por consequência, que a atuação política volte-se para o bem estar do cidadão, constantemente saturado pelo advento de confiscos, onerações tributária e planos econômicos tecidos para conter índices e dígitos que registram um contínuo aumento inflacionário.

Não mais é possível que a política seja uma empresa voltada a realização de interesses particulares, e que as agremiações partidárias capitalizem vantagens ilícitas. O divórcio de longa data deve submeter-se a uma definitiva reconciliação.

A maioria do povo não mais acredita que os grandes ideais da nação possam ser tutelados pelo rol partidário existente, pois uma fração expressiva dessas agremiações, volta-se apenas aos interesses pessoais, revelando-se incapaz de medir o pulso da mais comum aspiração social.

Essa fragilidade partidária é responsável pela carência de líderes, originando o voto de protesto que concede aos ungidos uma neutralidade arredia a obras e cobranças.

Para que se comece a mudar, é preciso que o exercício do poder esteja embasado na soberania do voto consciente. Uma ascensão é legítima quando resulte do "verdadeiro" engajamento partidário. Os partidos políticos devem ser fieis representantes das correntes do pensamento, devem ser espelho onde possam se ver refletidas as mais diversas paisagens sociais. Para que essa condição adquira um efetivo status, necessário que haja uma depurada representatividade. Mais importante do que chegar ao poder, será, então, a consciência geral de que se precisa atingi-lo por meios éticos. Essa se constitui a diferença fundamental, que necessita ser trabalhada no universo social e no âmago das agremiações partidárias.

Enquanto isso não ocorre, à margem da reconstrução secularmente almejada, perduram as formas discursivas que encobrem a realidade. Prevalece o ufanismo, onde a forma de dizer vale mais do que o conteúdo da ação.

Por entre ruínas da crise, ainda nos cabe ver o suplício das coalizões, que traduzem um governo sem partido, ou de vários partidos, e, por isso mesmo, sem identidade própria, tendo que negociar apoio em troca de cargos.

As coalizões, ditas necessárias a governabilidade, concretizam-se de maneira excêntrica, por reunirem partidos com ideias desafinadas, evidenciando, desde logo, que os princípios ideológicos podem ceder em prol de "valores mais elevados".

Pelo que se vê, é imperativa a reestruturação partidária dissecada por Ruy Barbosa há mais de um século. Com a necessária reforma, espera-se o surgimento de lideranças confiáveis, que possam, na alternância necessária, elevar o governo ao status de cérebro da nação.

Decididamente, não convém que tudo permaneça como está, onde a busca do poder implica em renúncia de princípios, âmbito no qual é erro fundamental pensar que o povo existe para ser feliz.