A CASA DO PAI OU DA MÃE

A Casa do Pai ou da Mãe

Toda nossa cultura foi e ainda é construída a partir de uma visão patriarcal, a começar pela Bíblia onde Deus é masculino e o seu lado feminino é relegado ou considerado piegas. Entretanto, em que pese a prevalência masculina, os conceitos e paradigmas do mundo contemporâneo caminham para uma readequação sistêmica da família - molde inicial de tudo que somos ou do que seremos, se estamos nascendo agora.

Falar da predominância do pai ou da mãe na administração de um lar nos dias de hoje é polêmico, dados os novos ditames que norteiam a vivência humana, porém queremos deixar claro que assertivas sobre o tema requerem conhecimentos específicos e carecem de pesquisa científica que lhe dê maior profundidade e estes conhecimentos. Na verdade, não os temos e, se os tivesse, o espaço diminuto de que dispomos, não nos ensejaria dissecar o assunto com a objetividade e a clareza necessárias.

A casa do pai é ainda o maior referencial do qual fazemos uso para justificar nosso sucesso ou fracasso junto à sociedade. Isso é claro, em função do patriarcalismo ainda dominante. Mas, à parte a preferência de muitos, instiga-nos provocar uma reflexão sobre qual a real significância do pai ou da mãe na formação de nossa participação no contexto social do mundo ao qual pertencemos.

A casa da mãe, ainda que solitária e carente em função de tantos estigmas valorizados, é e continuará sendo por muito tempo, o melhor e mais confortável relicário de nossos sonhos, mesmo que a lembrança de um “bondoso” maltrato físico, a velha surra, muito sutilmente nos invada o presente, porém sem a maldosa vontade de se vingar do passado. A mãe e a casa dela refletem em qualquer presente, uma visceral ligação com o passado e quem teve ou quem tem a sorte de conviver em um lar harmonioso, na certa há de concordar que a casa da mãe tem muito mais expressividade, sem desmerecer a casa do pai, isto porque ela, a mãe, pode até não possuir os atributos do lutador, do pai, mas encerra em si mesma, uma auréola celestial que suplanta qualquer divindade masculina.

A casa do pai estimula uma energia hormonal que transmite uma intempestiva vontade de reagir, de não se conformar com o que está posto; de ir à luta sem, a priori, questionar os resultados; de seguir em frente na busca de ideais; de provar ao mundo, de modo sutil e sem alarde, que a casa do pai ou da mãe, é o melhor lugar para se cultivar os sonhos.

O comando do pai, muitas vezes ditatorial e impositivo, decreta, proíbe e fecha questão sobre ações e desejos dos filhos com os quais não concorda e isso provoca lágrimas e revoltas momentâneas, mas logo, tudo volta a ser como era antes: a mãe complacente trás para junto de si, todos os filhos revoltados e com incrível capacidade, harmoniza os descontentes e os ressentimentos se dissipam como se nada tivesse acontecido.

Muitos anos depois, quando as limitações da idade se interpõem entre o passado e o presente, surge entre os filhos queridos uma vontade imensa de voltar a ser criança e viver novamente, todas as emoções que a casa do pai ou da mãe lhes proporcionou. Aí, a realidade da vida mostra que as peripécias da infância e da juventude, antes tão combatidas e contidas, deixam de ser motivo para reclamações e passam a adornar os dias dos avós que, com paciência e zelo, observam a corrida dos netos e do tempo e, quando isso acontece, pai e mãe se entreolham e numa declaração silenciosa de amor, confessam: valeu a pena conviver tanto tempo nesta casa que não é minha nem é sua, é nossa. Até quando, não se sabe.

Rui Araújo – Publicado no Diário do Povo- Teresina-PI

www.ruiazevedo.com

Rui Azevedo
Enviado por Rui Azevedo em 03/07/2007
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