Minhas Seis Pets = Artigo Sobre Muito Amor.

Até agora tenho cometido uma injustiça para com a bicharada de minha casa. Nem um modesto poetrix, conto ou crônica sobre toda a população felina e canina daqui, a não ser uma breve menção sobre minha “secretária” Lady, a viciada em durex.
Corrigindo a tempo tal injustiça, devo dizer que minhas queridas gatas e cadelas são divididas em duas categorias distintas, e não apenas felinas e caninas: as “meninas” e as “moças”.
Claro que as “meninas”, por serem mais barulhentas, mais estabanadas, mais fogosas, são as cadelas Kika, Tuca e Trapinha*.
As “moças”, mais silenciosas, mais comportadas e ajuizadas são a Nina, a Puppy e a Lady, sendo esta última a única que me dá preocupação pelo fogo excessivo e pelo total desrespeito para com minhas ordens de não pular no teclado, não roubar coisas da escrivaninha e não fornecer minhas canetas e lápis à sanha de sua cúmplice canina, a jovem e ainda desobediente Trapinha.
Começando pela mais velha da casa, a Kika. Kika é agora uma jovem e digna senhora de pelos amarelos claros, rabo enrolado em direção ao corpo, orelhas que lembram asas de aviãzinho de brinquedo, daqueles arredondados, e que era um dos muitos bichos abandonados na USP. Naquele tempo, há muitos anos atrás, eu tinha na USP uma lanchonete e a Kika apareceu por lá, bem jovem ainda. Latidora, chata, impertinente, especializou-se em atacar os clientes da papelaria de minha irmã que saíam da lojinha com sacolas. Para ela eram todos ladrões e ela corria atrás querendo a sacola de volta. Um dia a carrocinha pegou a Kika, minha irmã pegou a carrocinha, tomou a Kika de volta e pediu-me que ficasse com ela em minha casa por uns dias, só até arranjar alguém que ficasse com ela. Nestes oito ou mais anos que está conosco tornou-se uma pessoinha da casa. Uma pessoinha muito amada, muito querida, muito indispensável mesmo. Somos todos doidos por ela. E ela retribui à altura.
A Tuca é uma figura ímpar. Pelos pretos e brancos lisos e para baixo, dá sempre a impressão de que acabou de fazer “chapinha”. Fêmea revoltada com o próprio sexo, urina nos pneus de carros, quer sempre obrigar a Kika a se portar como sua namorada, implica com quem não gosta sem dar folga, e, valente demais, late para quem passa na rua andando pra trás. Ou seja, enfrenta fugindo. Barulhenta, implicante, destruidora de qualquer tecido que fique ao seu alcance, chora para ganhar carinhos. Carinhos que sabe curtir como ninguém ficando com as quatro patas para cima e olhando pra gente com cara de amor.

A Trapinha eu achei faz bem pouco tempo. Cinco ou seis meses, mais ou menos. Pequena, perdida na rua, peguei-a atravessando doidamente uma avenida movimentada e fazendo os carros pararem em cima dela. A mistura de pelos pretos e cinzas, espalhados em todos os sentidos, faziam-na parecer um pano de chão, um trapo velho. Por brincadeira, chamei-a de Trapinha, para desgosto de minha família, e o nome acabou ficando. Maluca total, pula na rua, rodopia em volta dos outros cachorros, dá piques incríveis rua abaixo e acima e é sempre a última a obedecer a ordem de voltar pra casa. Carinhosa ao extremo, chega a incomodar e só encontra muita paciência em mim, em quem deita a cabeça no colo e exige muito tempo de carinho nas orelhas. A feiosa mais linda que já vi. Mistura de poodle com alguma coisa.

A Nina é uma sábia. Não mexe com ninguém. Não dá bola pra ninguém. Dorme o dia todo e só acorda para um dos dez ou mais lanchinhos do dia. Haja ração! Gorda, plácida, tranqüila, jamais sai de casa. Não tem o mínimo interesse pela comunidade felina local, e tenho a impressão de que se não fosse sua permanente fome poderia servir de bibelot em cima da televisão. Tão gorda que parece ser duas.

A Puppy, mistura de siamês com viralatas, é a malandra da casa. Sai todas as noites, só volta à meia-noite ou meia-noite e meia, foge de vez em quando e fica sem dar notícias por até dois dias inteiros, para desespero de minha mulher. Folgada, briguenta, agressiva com os outros gatos, não traz desaforo pra casa. Volta lanhada, mas a cara é de quem bateu muito. No inverno fica muito minha amiga, curtindo o calor de meu peito enquanto assisto televisão e reclama seriamente quando tenho que me levantar do sofá. Detesta ser incomodada. Dorme fazendo o braço de minha mulher de travesseiro e por baixo das cobertas. Linda feito ela só. Estrangeirinha de olhos azuis, com marrom, branco e preto em seus pelos.

E, finalmente, a caçulinha, a Lady. Magrela, comprida, rabo enorme, carinha de santa, é a maior aprontadora da casa. Provoca a Puppy até levar umas boas patadas, quer de todo jeito pegar meu mouse (que acho que ela sabe que é rato em inglês), pendura-se na fiação do computador para meu desespero e susto, pula por cima do teclado para cortar caminho, atravessa entre minhas caixas de som jogando uma para cada lado, dá piques em alta velocidade pela casa, provoca as cachorras e depois se faz de vítima miando tristemente, pula para a garagem e, não conseguindo voltar, mia até que eu me levante e abra a porta da sala para ela várias vezes ao dia. Todas as noites joga livros meus no chão. Quando não há livro pra jogar, contenta-se com alguma outra coisa. Gosta de fugir com meu maço de cigarros na boca e só o devolve quando se cansa, já que não consigo pegá-la. Rio muito com ela, principalmente quando vem correndo feito uma doidinha, pula no sofá e dorme de repente, com a pilha, decerto, esgotada. Uma maluquinha linda da qual tenho que esconder durex e similares. Viciou-se no cheiro e já tirei de dentro da garganta dela mais de um palmo de durex mastigado. Picotadora profissional de papel higiênico, que prefere recém aberto.
Sobre a minha querida Lála eu não gosto nem de falar. Faleceu de repente neste ano e a saudade de minha pastora alemã ainda me dói muito. Muito mesmo.

Tenho que obedecer ao ultimato “patroal”: se eu trouxer mais um único bicho para casa quem sai sou eu. Melhor não trazer mais não. A Gata que eu mais amo é a “dona da pensão”. “Dona da pensão” é o termo que ela mais odeia.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 07/07/2007
Reeditado em 29/07/2007
Código do texto: T556186
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