AS SECAS

Quando os céus se cruzaram de arco-íris, quando os sapos voltaram a compor o coral das lagoas, quando o verde vegetal acendeu as cores da paisagem morta, a notícia do sertão chovido fez esquecer as secas para recambiar o sertanejo desertor.

A ilusão de melhores dias fez tantas vezes o sertanejo voltar!

Depois o inverno se ia.

E a realidade crua das secas voltava a destruir tudo.

(FRANCISCO PEREIRA NÓBREGA)

As secas no território brasileiro atingem, notadamente, a região semiárida do Nordeste, conhecida como polígono das secas, abrangendo todos os estados da região, com exceção do estado do Maranhão. De acordo com Carneiro (2001), estudos demonstram que a escassez de água no Nordeste é um problema resultante da convergência de fatores climáticos, geológicos, pedológicos e hidrológicos.

Pesquisas recentes apontam o fenômeno “El Niño”, caracterizado pelo aumento anormal da temperatura das águas do Oceano Pacífico na região equatorial, como um dos fatores determinantes para a ocorrência de período seco no Nordeste. Diversos estudos científicos constataram que os ventos alísios soprados sobre o Oceano Pacífico tornam-se mais fracos à medida que aumenta a temperatura da água, acarretando alterações climáticas sinistras não somente no Nordeste, mas em todas as regiões do planeta.

Uma das primeiras secas registradas no país ocorreu no ano de 1559 na Bahia. No entanto, pesquisas revelam que as modificações climáticas as quais originaram a região semiárida do Nordeste ocorreram há mais de 20.000 anos.

O Nordeste possui o único semiárido tropical do mundo e, também, o mais povoado. Em nenhum outro local em que esse tipo de clima se manifesta existe tanta gente tentando fazer a terra produzir.

A região semiárida caracteriza-se por um período de chuva concentrada nos meses de janeiro e maio, médias pluviométricas inferiores a 800 mm/ano, temperaturas médias muito elevadas, geralmente em torno de 270 C, umidade relativa do ar baixa, com médias anuais abaixo de 50%, forte insolação (média anual de 2.800 h/ano) e evaporação elevada (média de 2.000 mm/ano). Estes últimos fatores constituem-se em agravantes para a redução dos níveis de água acumulada nas barragens nordestinas. Conforme Carneiro (2001), a vegetação da região é caracterizada, sobretudo, por espécies decíduas, com marcante presença de plantas xerófilas, representadas por arbustos, bromélias e cactos.

Do ponto de vista hidrográfico, observa-se que o Nordeste possui apenas dois rios perenes: o São Francisco e o Parnaíba. Todos os demais são temporários, esgotando suas reservas após o final da estação chuvosa.

A seca mais devastadora registrada no semiárido nordestino, considerada, ainda, a maior catástrofe do território brasileiro, foi a de 1877, estendeu-se até 1879, dizimando quase 1/3 da população da área, ou seja, mais de 500.000 pessoas. Constituindo-se esta tragédia em um marco na ação estatal de combate às secas, visto que a partir deste episódio o governo federal (imperial) começou a se preocupar com este fenômeno maléfico, que tem causado transtornos, principalmente aos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, em quase a totalidade das extensões destes estados.

A principal alternativa desenvolvida pelo governo federal para combater os efeitos da seca no Nordeste, a partir e ao longo do século pretérito, tem sido a implantação de um programa de construção de barragens, com vistas à acumulação considerável de volume de água. Para tanto, criou o IOCS (Instituto de Obras Contra as Secas) em 1909, com este objetivo principal, durante o Governo do Presidente Nilo Peçanha. Em 1919 foi transformado em IFOCS (Instituto Federal de Obras Contra as Secas) e em 1945 em DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).

Convém destacar o início da construção do açude do Cedro no Ceará no ano de 1884, na época do Governo Imperial, cuja conclusão ocorrera no ano de 1906 e a primeira sangria registrada em 1924. Conforme Ramos (2002), é considerado o primeiro passo para o programa brasileiro de barragens cuja consolidação se efetivaria durante o Século XX. Século este que, por sinal, seria testemunha do apogeu e declínio do DNOCS.

Especificamente em relação a São Gonçalo e Boqueirão, a construção destes açudes na década de 1930 visava à perenização do imponente Rio Piranhas, que nasce da junção das águas dos rios do Peixe e Piancó na Paraíba, mais especificamente na Serra do Bongá, município de Bonito de Santa Fé, adentrando no Rio Grande do Norte pelo município de Jardim de Piranhas e desembocando na cidade de Macau no litoral do Rio grande do Norte. Antes, ao passar pela barragem de Açu (RN), recebe o nome de Rio Piranhas-Açu.

O Presidente Epitácio Pessoa, paraibano que dirigiu o Brasil de 1919 a 1922, constitui-se no governante que historicamente mais se preocupou com o sofrimento do povo nordestino, ao transformar o IOCS em IFOCS e ao criar o programa de construção de açudes em grande escala, infelizmente, interrompido pelo seu sucessor, o mineiro Arthur Bernardes, durante os anos de 1924 e 1925, época em que todas as grandes obras foram paralisadas, inclusive a construção do açude de São Gonçalo.

Importa destacar, ainda, a sensibilidade do Presidente Getúlio Vargas que, ao assumir o Governo em 1930, e sob a coordenação do Ministério da Viação e Obras Públicas, cuja pasta era ocupada pelo importante escritor e político paraibano José Américo de Almeida, conduziu e concluiu todas as obras de açudagens idealizadas, projetadas e iniciadas no Governo de Epitácio Pessoa, amenizando o sofrimento e trazendo esperança de vidas melhores para milhões de nordestinos.

Na década de 1930, a IFOCS passa a contar com uma equipe de especialistas representada por agrônomos, pedólogos, engenheiros, botânicos, geólogos e hidrólogos designados para atuarem no Nordeste brasileiro, com vistas à realização de estudos minuciosos do semiárido, de suas potencialidades e limites de solo, água, botânica, de sua flora nativa e das possibilidades de adaptação de outras espécies à região.

No século XX, as secas que merecem maiores destaques referem-se aos anos de: 1915, que inspirou a obra “O Quinze” da escritora cearense Raquel de Queiroz (pertencente à Academia Brasileira de Letras); 1919, que ocasionou a criação do programa de açudagem; 1931-1932, que impulsionou a retomada do programa de açudagem; 1942; 1951-1953, que resultou na criação do BNB; 1958, que originou a criação da SUDENE; 1966; 1970; 1979-1983, uma das mais prolongadas da história (de acordo com estudos da SUDENE, a cada 26 anos o Nordeste passa por um período de 06 anos consecutivos de seca); 1992-1993 e 1997-1999.

Ao se referir aos estragos causados pela seca de 1932, aos nordestinos, Mariz (1994) afirma:

“[...] a energia daqueles milhares de homens, ou melhor, semi-homens, a quem a sêca de 32 roubou quase totalmente a força do corpo, deixando-lhes apenas restos de energia moral”.

Contudo, dentre as secas mencionadas, a de 1958 se constitui numa das mais severas de todas, de proporções superiores à seca de 1932, exigindo do Governo federal medidas enérgicas e urgentes, de modo que o Presidente da República, Juscelino Kubitschek instituiu a Comissão de Assistência às Vitimas da Seca, presidida pelo Ministro da Viação e Obras Públicas, Lúcio Meira, e integrada pelos Ministros da Fazenda, do Trabalho, Indústria e Comércio e Saúde, conforme se pode ler em Carneiro (2000). Foi criada, ainda, uma Subcomissão de Obras sediada no DNOCS, sob a presidência do Ministro da Viação e Obras Públicas. Diante do gravíssimo quadro climático, o DNOCS intensificou as obras de execução normal e, concomitantemente, iniciou diversas outras, de modo que toda a população flagelada fosse aproveitada nas 166 frentes de serviços espalhadas nos nove estados do Polígono das Secas, atingindo uma população de mais de 10 milhões de habitantes.

A seca de 2012-2013 é considerada a maior do século XXI e uma das piores dos últimos 50 anos. O caos tomou conta da região, devido à falta de água. Este fenômeno cíclico de irregularidade pluviométrica deveria ter os seus efeitos negativos amenizados ou até mesmo eliminados por atitudes dos governos ao longo dos anos, que, de acordo com Carvalho (2012), mesmo com todo o aparato tecnológico do país, não consegue resolver o problema, deixando a população do semiárido na dependência, quase que exclusivamente, da chuva.

No momento atual, a alternativa mais viável para a solução do grave problema da seca no polígono é a transposição do Rio São Francisco, cuja obra prevê a construção de mais de 600 quilômetros de canais de concreto em dois grandes eixos (norte e leste) ao longo do território de quatro estados (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) para o desvio das águas do rio. A obra visa também o incremento do desenvolvimento, ocasionando a geração de milhares de empregos diretos e indiretos para a região.

Segundo o Ministério da Integração Nacional, as obras do Projeto São Francisco estão em andamento e apontam mais de 45% de avanço. De acordo com cronograma estabelecido pelo Ministério, a previsão é que as obras de interligação com o reservatório Engenheiro Ávidos estejam concluídas até dezembro de 2015.

Diante do exposto, constata-se que o Nordeste, face à sua localização no semiárido do território brasileiro, sempre estará sujeito a secas periódicas, visto que a característica natural desta região é a apresentação de períodos chuvosos irregulares e mal distribuídos geograficamente, aliados a altas temperaturas e forte evaporação. Porém, os efeitos nefastos das secas podem ser facilmente amenizados e até mesmo eliminados, caso o poder estatal disponha de vontade política. Dessa disposição, resultariam ações no sentido de incrementar o número de reservatórios de água, com investimentos para a perenização dos principais rios do polígono, através da construção de novas barragens, ou para concretizar o Projeto do São Francisco, no sentido do desenvolvimento e fortalecimento social e econômico da região, tornando-a devidamente preparada para a convivência contínua com o problema das secas, como já fizeram países que apresentam regiões com características semelhantes, a exemplo dos Estados Unidos, Austrália e Israel.

Sousa-PB, dezembro de 2013.