Elementos Anímicos da Norma

Desde afastadas épocas, o homem, ainda que de maneira imperfeita, procurou, em favor da sobrevivência, representar o equilíbrio cósmico.

A preservação da espécie, ladeada pelas forças da natureza, submeteu-se a um código rudimentar e fantasioso.

O adverso e o desconhecido, identificados nos elementais, motivaram imediata agregação dirigida a preservação do grupo.

Antropocêntrica, a espécie humana quis perpetuar seus feitos. O voo dos pássaros, a rota dos astros e o advento das noites inspiraram asas e peregrinações. Instigaram fachos de luz que dominaram as trevas.

O ajuntamento caótico formado com base nas regras primárias da sobrevivência, evoluiu, organizou-se política e socialmente. As relações inter-humanas sujeitaram-se a preceitos de índole cogente.

É bem verdade que desde sempre houve a norma, originariamente mística, disposta na natureza. Essa diretriz evoluiu. A estabilidade e o equilíbrio exigiram regras não encontradas no caos.

O poder difuso, composto de regras instáveis, mais tarde se vincularia de forma imprescindível a um sistema evoluído. Leis universais e necessárias regem o mundo. As condutas humanas sob o princípio da identidade, subordinaram-se à norma, passaram a gravitar em torno de um elemento de controle e ajuste.

Desse modo, foram demarcadas as fronteiras do individual e do comum. Passou-se a entender que o interesse da norma é a posição do homem favorável a satisfação da necessidade, circunstância que sempre envolve determinado grau de organização social.

Apreciada em sua essência, a norma jurídica apresenta um elemento rotulado dominante que é ínsito ao meio social e um componente aprioristicamente cosmológico, por onde se manifesta o caráter poético do direito.

O ordenamento que permite ou desaprova relações sociais resulta do convênio entre a juridicidade e o estágio cultural. Descompasso não tem lugar entre o senso comum e a legitimidade. A ruptura desse enlace caracteriza o arbítrio. De outra sorte, a inaptidão em reconhecer os componentes recessivos da norma, distancia a sociedade do justo ideal.

Não cabe argumentar que o enunciado recessivo e cosmológico é meramente teórico, pois ele pode ser contemplado nos espaços em branco da lei e na dosimetria aplicada pelo julgador.

Como se observa, o legislador ao constituir, e o juiz no exercício de seu mister devem realizar as aspirações cultivadas socialmente. Devem, portanto, isolar as sugestões duvidosas, que, no dizer de Fernando Antunes, estão sempre a mudar de sentido no cenário do tempo, como os autores mudam de alma segundo o caráter de suas representações.

Efetivamente, a tarefa legiferante não é fácil, pois o aspecto mutante e transacional do direito não é aferido exclusivamente pela relatividade axiológica de Mayer, mas também pela observação atemporal da justiça. Assim não fosse, dirigismos licenciosos edificariam sistemas anárquicos.

As regras imperativas e atributivas, que impõem deveres e concedem direitos, exigem, no dizer de G. Maynez, a cumplicidade intransigente da harmonia de Pitágoras e da proporção de Dante, raridades nem sempre cultivadas pelo legislador, que muitas vezes prefere consagrar aforismos grafados com finalidade estética, que não se fazem observar por ausência de conscientização.

Indiscutível que se apreciem alguns valores através de uma marca de perenidade e bom senso. Carrara sustenta que o núcleo do direito não é o interesse, mas a força jurídica posta a seu serviço, que terá mais longevidade quanto menos resistências a fenomenização social lhe opuser.

Resta incontroverso, que anterior às convenções vocabulares existe um indicador de justiça experimentado de maneira comum. A satisfação desse senso de foro íntimo realiza o ordenamento jurídico. Embora seja difícil objetivar-se a ideia do justo, em essência, ela é inequívoca ao evoluir humano. Como bem apanhado em Friedrich Von Schiller, "a gênesis da consciência e sua imutável unidade, estabelece a lei de tudo que existe para o homem, assim como o que deve existir pela ação humana para compreensão e atividade. As concepções de verdade apresentam-se inevitáveis, incorruptíveis, imensuráveis na fase das paixões e, incapazes de dizer como e por que, vemos a eternidade no tempo e o necessário seguindo-se ao problemático".