Mollie, a semente venturosa

Mollie, a semente venturosa





Conhecida em seus círculos como Sra. Pobreza, Mollie Orshansky foi pioneira em debruçar-se sobre a realidade dos menos favorecidos, mensurando assim a penúria e o desagradável fenômeno da renda insuficiente.

Filha de imigrantes ucranianos, nasceu em Nova Iorque em 1915. Apesar de seu pai trabalhar duro em diferentes empregos, ela e suas irmãs cresceram em extrema carestia, as contas do mês em sua casa jamais eram atingidas. "Se fosse escrever sobre a pobreza, eu não precisaria de imaginação, pois tenho uma ótima memória", disse ela, lembrando-se das filas exaustivas na companhia da mãe em busca de alimentos. Tal experiência lhe deu, em primeira mão, a consciência da possibilidade de se trabalhar o dia inteiro e continuar sem dinheiro.

Primeira diplomada na família, capricorniana de 9 janeiro, terceira num total de 6 filhas mulheres, uma vez admitida no serviço federal, Mollie fez graduação em  matemática e estatística - Department of Agriculture Graduate School na American University. 

Seu primeiro trabalho como responsável por análises estatísticas deu-se em 1935, no New York Department of Health. No ano seguinte se muda para Washington para exercer a mesma função no U.S. Children's Bureau. Daí até 1948 Mollie transcendeu de departamento em departamento, voltou pra Nova Iorque, foi acumulando uma bagagem de vulto tornando-se perita em economia familiar e economia alimentar. Oriunda dos  U.S. National War Labor Board,  U.S. Wage Stabilization Board, e U.S. Department of Agriculture (USDA), conduziu sérias pesquisas sobre o consumo das famílias e seus níveis de subsistência. Em 1948 ela e uma colega foram responsáveis por responder um sem número de cartas, todas trazendo a grande questão: como pagar as contas se os preços não param de subir? 


Como economista alimentar de 1953 a 1958, conduziu análises sem fim sobre o universo de consumo e despesas das donas de casa americanas.

Em fevereiro de 1958 juntou-se ao Social Security Administration (SSA) como cientista social e analista de pesquisa no departamento de programa de pesquisas, mais tarde transformado em Divisão de Pesquisas e Estatísticas. Sua primeira missão no SSA foi preparar um estudo contendo orçamentos padrões (estimativas de renda necessária a sobrevivência de uma família) e estabelecendo uma tabela de remuneração com captação de dados de 21 grandes cidades.

A seguir, dimensionou os cuidados médicos recebidos por um casal de idosos, incluindo aí o número de médicos visitados por ano.

Em 1960, durante uma audiência no congresso, um senador perguntou ao represente da Secretaria de Saúde, Educação e Bem Estar se ele tinha os números acerca do quanto um casal de aposentados necessitava para sobreviver. Arthur Flemming, o secretário da pasta Health, Education, and Welfare (HEW) disse que iria providenciar  e Mollie foi a servidora que anonimamente preparou a resposta.

Três anos depois ela recebe a incumbência de fazer uma pesquisa porta a porta - título do projeto - "Como a escassez afeta as crianças”. Nessa época, um ano antes da famigerada Guerra à Pobreza (nome não oficial de legislação introduzida pelo presidente Lyndon B. Johnson), não havia uma medida do que poderia ser considerado como pobreza, assim, ela teve de desenvolver sua própria percepção acerca deste tópico - evidentemente baseada por anos de estudos incluindo no pacote sua anônima resposta para o congresso em 1960 e os primeiros esboços de um programa lançado em 1961 tido como Plano de Custos de Alimentação.

Enfim, em 1963 Mollie publica o resultado de seus estudos no Boletim do Seguro Social através do artigo intitulado “Crianças da Penúria”. Ali ela descreve sua versão inicial dos limiares da indigência.

Outra fonte que a influenciou muito foi a catalogação especial oferecida pelo Levantamento Atual de População (Current Population Survey) que havia encomendado uma pesquisa ao custo de 2.500 US dólares, cujo resultado apontava que a renda média anual de uma mulher urbana chefe de família com crianças era de 2.340 US dólares. Orshansky ficou horrorizada ao constatar que metade das famílias vivia o ano inteiro com orçamento inferior a verba da pesquisa.

Antes do final de 1964 sua análise sobre valores mínimos estendeu-se a toda a população e em janeiro de 1965 foi publicada no Social Security Bulletin sob o título “Contando a população carente: um outro olhar sobre o perfil dos necessitados”. Esse estudo, resumindo de modo muito grosseiro, caiu nas graças do Office of Economic Opportunity (OEO), principal agência do plano "War on Poverty", de Lyndon Johnson.

O alto escalão do OEO recebeu com entusiasmo o trabalho de Orshansky, que teria dito: "Quando se tem mais pessoas numa família, é necessário mais dinheiro. Isso não é sensato?”. Em maio de 1965 o trabalho de Mollie é adotado definitivamente pelo governo federal para fins de estatísticas, planejamentos e orçamentos. A linha da pobreza estava definida.

Em virtude de frequentes citações de seu trabalho fosse em artigos acadêmicos ou em livros ela ganhou o epíteto informal de “a nota de rodapé onipresente”.

Mollie se retirou do governo federal em 1982 - foram mais de 4 décadas de serviço. Saiu do planeta em 2006, aos 91 anos e seu legado é considerado a maior contribuição voltada a identificação de grupos sociais vulneráveis, sem mencionar os estudos tanto para mensurá-los como propriamente para ajudá-los. Suas pesquisas sobre a população carente, aliadas a métodos de obtenção de informações e consequente análise sobre seus sofrimentos e adversidades se tornaram tradição em políticas públicas. Durante toda a sua carreira Mollie conservou consigo o seguinte raciocínio: "De que maneira tal medida impacta nos menos favorecidos?”.


(Imagem: Mollie Orshansky)
 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/05/2016
Reeditado em 24/06/2020
Código do texto: T5638548
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