PEQUENOS GESTOS

Nestes dias de muito frio que acontecem durante o inverno, vejo pessoas fazendo doação de alimentos, roupa usada, brinquedo desgastado e sorrisos para crianças, prin-cipalmente aquelas a quem normalmente chamam de desvalidas pela sorte, pobre povo ou povo pobre que escapa do assistencialismo oficial.

Simultaneamente vejo que algumas pessoas tentam até aumentar o comprimento do braço, pois sinto que algumas não têm noção do seu próprio gesto, e do momento extraordinário de alegria que estão proporcionando para aquela criatura discriminada, pela sociedade que pouco ou quase nada lhe oferece além da sobrevivência.

Ardem-me os olhos ao ver aquele momento de encantamento, que um excedente de comida ou aquela peça que não deu tempo de jogar no lixo proporcionam para aquele pequeno ser estigmatizado.

O resultado alcançado por aquele pequeno gesto de gentileza é compensado pelo brilho daquele rosto, que me provoca uma forte ardência tal qual pimenta forte na gar-ganta, e só não fica insuportável a ponto de pedir socorro, porque ela é lavada pelas lá-grimas de emoção, mesmo que furtivas, com a pretensão lógica de desejar mudar o des-tino daquela criança.

Flagro-me pensando como se fora a própria criança, sentindo que menos egoísmo e mais amor podem dar mais alento à vida para quem já está mecanicamente sobrevivendo nela.

O presente concedido movimentou toda a minha capacidade pensante como se fo-ra uma onda descomunal, incontrolável que antes só representava dor e falta de perspec-tiva na vida.

Eu sentia a mesma tsunami que concedeu uma nova ordem para a reconstrução daqueles países devastados que no seu refluxo proporcionou a prova de que a natureza sábia, nunca erra, marcando indelevelmente as atitudes de um povo que recebeu a soli-dariedade do mundo inteiro na hora da tragédia, e resguardadas as proporções, tiveram a mesma força e o mesmo significado daquele pequeno gesto de sentimentos materializa-do pela doação do alimento, da roupa usada e do brinquedo desgastado que não foram para o lixo, como uma espécie de senha que como as ondas abriram novos e amplos caminhos.

Outra expressão silenciosa da criança é tentar demonstrar para quem fez a doação que jamais fique sabendo o que ela sentiu. Daquela gigantesca onda de alegria que in-vadiu o seu íntimo, que poucos vêem revelada no brilho dos seus olhos.

Meu Deus, o que o alimento que sobra e o que tinha o lixo como destino é capaz de fazer.

Quanta tristeza pode ser evitada com pequenas gotas de amor.

O velho slogan “abrir uma escola é fechar uma cadeia” peca por uma ridícula in-genuidade.

O verdadeiro sentido de uma escola é intensificar a consciência.

Amor ainda não é matéria escolar.

Crianças sadias, heróis e bandidos não surgem do nada, nem se fazem a si mesmo.

É uma obra coletiva que, na maior parte das vezes, demanda anos de trabalho, persistente e silencioso de um grande número de pessoas.

Qualquer um de nós sabe que de nada serve querer combater o mal e a miséria sem tocarmos em suas causas, assim como é inútil pedir a Deus que faça aquilo que nós não queremos fazer, por preguiça ou ignorância.

Quando abrir a sua mão para dar uma esmola para uma criança, pense em Deus e a dê como é pedida - "por amor de Deus".

Dar esmola é ato de amor.

Nunca humilhe uma criança que lhe pede só para engordar a sua vaidade aos olhos dos outros.

Procure doar um pouco de si mesmo. Também é um pequeno grande gesto.

Com seu olhar eloqüente a criança ou aquele que precisa lhe dá em troca, luz e paz.

Nilton Salvador
Enviado por Nilton Salvador em 18/07/2007
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