Relaxa e Goza ???

O Brasil está em luto. Eu estou em luto, e acredito que você também, leitor, esteja em luto. Eu, particularmente, além do luto e da enorme tristeza devido às centenas de vidas interrompidas na tragédia com o avião da TAM, na capital paulista, experimento ainda uma mistura e outros sentimentos. Repulsa, revolta, indignação e raiva. Sim, até raiva, vejam só. Senti mesmo - e continuo sentindo muita raiva de um país cujo poder governamental nunca toma providências sérias relacionados a assuntos sérios. O choque entre dois aviões em setembro do ano passado marcou o início da escancaração de um sistema falho, inseguro, burocrático e sem o mínimo respeito com seus usuários. A crise no setor aéreo, delicadamente (ou ironicamente) apelidado de 'Apagão Aéreo' se arrasta por quase um ano nos anais do Congresso Nacional, e nesse meio tempo e no meio dessa novela toda, já vimos de tudo um pouco, desde político alegando que ganhava pouco para exercer a função que lhe foi confiada, abertura de CPI, e as deprimentes e revoltantes operações-padrão dos controladores de vôo, que prejudicaram e tiraram do sério milhares de brasileiros. Acompanhamos também o Presidente da República dando seu 'ultimato' aos órgãos responsáveis, cobrando providências e prometendo soluções. Segundo o jornal Correio Braziliense (02/11/2006), já em 2003, o então Ministro da Defesa José Viegas Filho, teria alertado o Planalto de que o sistema corria risco de colapsos, e que o setor necessitava de investimentos. Também há indícios de que o Presidente Lula teria recebido, em novembro de 2006, um relatório apontando os graves problemas da Aviação Civil Brasileira. O relatório teria sido preparado e entregue pela Ifatca - Federação Internacional das Associações dos Controladores de Tráfego Aéreo. É uma pena constatar que possivelmente o tal relatório não tenha obtido a atenção merecida de nossas autoridades. Agora, dez meses após a tragédia envolvendo dois aviões, novamente o país pára para assistir um espetáculo deprimente, triste e assustador. O acidente com o avião da TAM, que derrapou na pista do Aeroporto de Congonhas e invadiu a Avenida Washington Luís, atingindo um prédio da mesma empresa onde funcionava uma central de cargas (TAM Express). Isso não nos traz apenas tristeza, dor e perdas. Traz também o inconformismo, traz a vergonha e a revolta estampada no rosto de cada cidadão de bem, que vai obrigatoriamente às urnas depositar seu voto esperançoso de dias mais felizes. Tragédia? Coisas do destino? Talvez, afinal quem somos nós para julgarmos. O fato é que a pista de pouso do aeroporto já passou por reparos justamente para evitar a chamada aquaplanagem, que causa as derrapagens das aeronaves. O acidente, de proporções gigantescas e prejuízos humanos, morais e materiais, acontece cerca de quinze dias depois de a pista ser liberada, após as obras, que segundo fontes custaram cerca de dezenove milhões de reais. Agora, assistiremos aos inúmeros pronunciamentos do governador, prefeito, presidente, ministro, diretor daquilo, disso, daqui e acolá. Não queremos palavras. Queremos ações e então, soluções. Só isso. Até porque palavras também foram economizadas em todas estas crises nos aeroportos, durante os constantes atrasos de chegadas e partidas dos vôos. Explicações não trarão as vítimas de volta à terra, tampouco diminuirão a dor dos familiares das centenas de pessoas que perderam a vida neste que, já integra a lista dos maiores desastres aéreos da história. E se antes os usuários ficavam nervosos com os atrasos, agora - e com toda razão, tem um motivo a mais para se preocupar: a segurança, ou melhor, a insegurança, mais que comprovada, de um sistema falho e infuncional da Aviação Brasileira. O Brasil não perde com isso somente vidas. O Brasil perde com isso também a credibilidade. O mundo já não vê com bons olhos nosso sistema de aviação. Isso prejudica diretamente a economia, o turismo, os negócios. Se antes existia o medo de chegar atrasado, agora existe também o pavor de não chegar. Enquanto isso ouvimos certas frases infelizes de representantes do povo no governo, que deveriam pensar melhor antes de abrir a boca para pronunciar palavras insensatas. Eu estou sim de luto. Verdadeiramente. E acredito que não estou sozinho. O país e o mundo sensibilizam-se por uma tragédia que poderia sim ser evitada. Mesmo sabendo que agora vamos ouvir que possivelmente foi falha humana, que a pista está dentro dos padrões internacionais e blá-blá-blá. E mesmo sabendo que, como já estamos acostumados ou conformados, a poeira vai baixar, a mídia vai esquecer e o que vai permanecer serão as lágrimas e as lamentações. A saudade e a dor. Meu voto de pesar a todos os amigos e familiares das vítimas do vôo 3054. Quanto aos possíveis responsáveis pela tragédia, possivelmente também não veremos seus nomes, seus rostos e ninguém será punido. O que nos resta? Relaxar e gozar? Espero que não!