DOCE VINGANÇA

Um banqueiro, acompanhado da esposa e do filho, termina seu jantar e pede a conta. Ela vem eletronicamente impressa, acompanhada daqueles inúmeros papeizinhos nela grampeados, tão comuns em restaurantes, porém indecifráveis para o cliente comum. Ele chama o garçom e pede explicações:

- Aqui há diversas despesas discriminadas por códigos que eu não entendo.

O garçom tenta, com toda a paciência a explicar, começando pela maneira típica:

- Seu pedido veio completo? O peixe estava bom?

- Não é isso...

- O vinho estava à altura de seu paladar?

- Tudo bem quanto à refeição e ao serviço. Acontece que não entendi esses itens aqui que vão desde R$1,72 até R$9,86. Não pedi nada disso. Que códigos são esses?

- Muito bem – diz o garçom, puxando uma tabelinha. – Os códigos 901 até 999 referem-se a serviços extras: 903, o senhor excedeu o limite do uso do guardanapo; 906 (repetido três vezes) é o número de vezes que o senhor chamou o garçom além do atendimento normal; 926, um copo de gelo extra; 937 foi quando caiu o talher e teve de ser trocado; 956 é troca de produto, quando seu filho não quis o suco e pediu o guaraná...

- Aqui estão os dois na nota: suco e guaraná, cobrados integralmente.

- Não é o produto, é o serviço que é cobrado extra. Estes códigos referem-se exclusivamente aos serviços. Posso continuar?

- Não precisa. Só queria fazer uma pergunta: De onde veio essa moda de cobrar todas essas coisinhas?

- Isso foi copiado do extrato bancário. Meu patrão sempre diz: Se os bancos podem cobrar por serviços que não fazem ou que já foram cobrados de outra forma, por que não podemos nós também?

Esse diálogo – fictício, por enquanto – poderia acontecer de fato se todos os executores de serviços usassem o critério dos bancos. Quem tem mais de 40 anos deve lembrar-se do tempo em que talão de cheque era gratuito, do extrato gratuito, de todos os serviços gratuitos. Do tempo em que o banco vivia da diferença entre a captação e o empréstimo do dinheiro. Em outras palavras: vivia dos juros obtidos com empréstimos. A captação era obtida, em grande parte, do saldo médio dos depósitos em conta corrente.

A informatização reduziu de 30 para 6 ou 7 o número de funcionários de uma agência bancária. Ela igualmente agilizou os serviços e as informações. Contudo, trouxe inúmeros benefícios ao banco que ele não repassa aos clientes. Ou, por outra, repassa a conta cobrando taxas altíssimas. Se, por um lado, o banco deixou de contribuir com sua parcela para o mercado de trabalho (a redução da mão de obra foi brutal), por outro, pouco ou nada faz para compensar a defasagem provocada pela informática. Com raríssimas exceções, não vemos bancos fazendo outra coisa que aumentar seus lucros. Participar em capital de risco? Investir em escolas? Construir creches ou hospitais? Nem pensar! O dinheiro dos bancos patrocina verbas fabulosas em equipes de esporte, para associar seu nome à saúde, à vitalidade.

Nenhuma outra atividade que não tenha o poder de barganha de um banco – detentor do dinheiro – pode atrever-se a tratar cliente dessa maneira, isto é, cobrando tudo como se já não estivesse incluído no preço. Nenhuma outra atividade pode reduzir seu quadro de funcionários sem prejuízo dos serviços, como os bancos fizeram. Afinal, os bancos oferecem dinheiro e se revestem de tantas garantias que o risco praticamente desaparece.

Há casos em que os bancos, mesmo em horário de expediente não recebem ligações de clientes porque seus funcionários estão ocupados. O serviço 24 horas? Só eletrônico. Ali, deve-se fazer justiça. As informações via telefone, mesmo eletrônicas, são mais eficientes que 99% dos outros serviços de tele marketing. Não porque sejam bons, mas porque os demais são péssimos.

Se o consumidor continuar baixando a cabeça e pagando as taxas bancárias, daqui a pouco terá de se acostumar a pagar absurdos, como os descritos acima, em outras contas também.

Luiz Lauschner

Empresário e escritor

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 21/07/2007
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