Eu, amigo

A amizade está definida como sentimento de afeição, simpatia e apreço entre as pessoas, sendo o sentimento expressão da sensibilidade que gera nossa disposição para nos comover, impressionar, perceber e apreciar algo ou alguém.

A afeição é sentimento amoroso e “se prova nas horas difíceis” àqueles por quem os amigos sentem simpatia, que parece ser filha da empatia, ou faculdade de compreender emocionalmente os outros, por quem podemos ou não ter afinidade moral; aquela similitude no sentir e no pensar sobre determinadas questões que aproximam duas ou mais pessoas – sendo a simpatia estabelecida quando se sentem espontaneamente atraídas entre si, o que gera o apreço ou a estima que surge da admiração e, então, do nível de consideração que se terá por alguém.

O amigo, portanto, deve ser alguém que nos ama, sendo o “amor de amigo” – que nem sempre ocorre entre pais e filhos, embora ocorra em convivências entre desconhecidos – sendo o amor de amigo evidente quando demonstra “forte afeição” por nós, embora o “amor” tenha sido confundido constantemente com o que gera o desejo sexual pela posse de determinada pessoa, o qual gera o ciúme ao desenvolver a paixão, quando então assume seu verdadeiro nome; o que não necessariamente impede que, a partir dela, o verdadeiro amor aconteça.

Até aqui, procurei esmiuçar a natureza e característica dos que se dizem amigos. Mas e quanto a mim enquanto amigo?

Acima, escrevi que nem sempre a amizade acontece entre pais e filhos. Não foi o meu caso. Tendo um pai amigo, inevitavelmente aprendi com ele o que é ser amigo, tendo sido também seu amigo confidente, uma vez que todas aquelas características que referendei sobre o que sente um amigo eu sentia por ele. E também era amigo de minha mãe e de meus irmãos e irmãs, embora seja natural que muitas vezes construamos maiores amizades fora de casa; como também fizeram meus irmãos e irmãs. Porque é regra da Vida se distribuir enquanto pais, mães, irmãos e irmãs à formação de outras famílias nas quais, graças à ação da simpatia e da empatia, descobrimos existirem outros que se tornarão nossos irmãos e irmãs; ou mesmo outros pais e mães. Porque infelizmente é apenas um preconceito a ideia de que não há melhores irmãos ou irmãs, pais ou mães amigas do que as nossas. Se assim fosse, filhos ou filhas adotadas, ou mesmo pais ou mães adotadas (porque também podemos adotá-los) não seriam amados por quem os escolheu para serem deles o que se tornaram.

Em nossas aventuras à descoberta da amizade, entre medos e cuidados (basicamente maternos) há aquele velho ditado que nos alerta: “Diz-me com quem andas e te direi quem és”, o que não está de todo correto; pois, se estivesse, Jesus Cristo, oriental orientador-mor da cultura ocidental, só teria vivido em companhia dos puros de coração. Entrementes, por causa de seu exemplo amigo, muitas vezes provamos nossa amizade por quem é muito diferente de nós, e aí somos amigos porque, quer quando influenciados pela cultura cristã, quer por determinações de nossos temperamentos – ou pelas duas coisas juntas – temos bom coração e queremos ajudar quem, guardadas as devidas diferenças, é nosso semelhante, essencialmente, no que diz respeito ao seu direito ao usufruto de sua vida. E devemos ser seu amigo quando mais o vemos desperdiçá-la em ocasiões onde, mesmo não nos cabendo, insistimos em acompanhá-lo; não para que os outros “tenham certeza” sobre quem somos pelo desejo de estar com ele, mas para lhe dizer quem ele pode não ser e ajudá-lo a descobrir quem é.

Procedi assim muitas vezes, embora não tenha obtido êxito na tentativa de ajudar certas pessoas a mudarem seus procedimentos autodestrutivos. E não apenas destruidores de sua saúde, de seu patrimônio material ou de suas relações familiares, mas basicamente do desperdício de seus talentos artísticos; pois, sempre com minha conta bancária próxima de saldo zero, pouco tive condições de demonstrar minha amizade em apoios financeiros, sendo amigo mais para ouvir, aconselhar, acolher em meu lar – como muitas vezes fui acolhido por outras pessoas – e, essencialmente, dar um pouco do que apreendi ao desenvolvimento daqueles nos quais reconheci algum talento artístico adormecido ou pouco desenvolvido.

Em relações familiares primeiras, como eu disse, fui amigo de meus pais, de meus irmãos e irmãs. Tendo meus pais falecidos, ainda sou amigo de meus irmãos e irmãs, primos e primas, embora os compulsórios distanciamentos que a Vida nos impõe tenham nos afastado. Em outras relações familiares, depois de casado procurei ser amigo de minha companheira primeira, de meu primeiro filho, como sou de minha filha e de meu filho mais novo. Fui e ainda sou amigo das outras companheiras que tive depois de minha primeira separação, de seus filhos e filhas, assim como de meus sogros, sogras e cunhados – embora, como aconteceu com alguns de meus filhos postiços, só me considerassem amigo se eu lhes satisfizesse as vontades, o que é um problema para o reconhecimento de nossa amizade, quando então, por não satisfazê-las – não porque não quisesse, mas por não dever – somos confundidos como “falsos amigos”, um ser paradoxalmente tão impossível de existir quanto uma “humanidade desumana”. Pois, a meu ver, ou se é amigo ou não, assim como ou se é humano ou desumano.

Uma relação complicada de amizade é aquela que você preza por duas pessoas inimigas, quando então será preciso ter apurado bom senso para filtrar as impressões emocionalmente perversas, equivocadas ou mesmo verdadeiras que um lhe fará a respeito do outro. Mesmo assim, cedo ou tarde um deles ou os dois terminarão por rejeitar sua amizade, uma vez que pensa que você não é amigo sincero de ambos se insiste conservar sua amizade pelos dois. E aí você não poderá deixar de fazer outra coisa a não ser lamentar seu forçado distanciamento de um deles, ou de ambos, acontecendo assim principalmente nos embates divergentes sobre a excelência de times de Futebol, deuses ou partidos políticos.

Mas, nesses tempos “internáuticos”, surge uma nova classe de amigo: o “amigo virtual”, aqueles de quem nunca apertamos as mãos e que somente conhecemos de nossas relações nas redes sociais, como os milhares que colecionamos in facebook, graças as suas solicitações de amizade, e dos quais no máximo uma centena interage conosco e com os quais mais temos trocado ideias do que com nossos vizinhos ou, mesmo, com nossos familiares.

A menos que eles também estejam entre os que encontramos no referido site, onde não raro também acontecem desavenças ideológicas a muitas vezes nos fazer excluí-los de nossa convivência virtual – o que não significa que não possamos reatar a amizade com eles quando os conhecemos e nos conhecem pessoalmente, já que, a despeito do valor hoje conferido aos abraços virtuais, não há nada melhor do que abraçá-los pessoalmente.

Por tudo isso, em essência é como canta aquela música: “Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”, sendo realmente “melhor ter um amigo na praça do que dinheiro no banco” e a disposição de mais dedicarmos nossa amizade àqueles que duvidam dela.