Cineclube: Anjo Azul

Ao falar do Anjo Azul, confesso: juntamente com Gilda e Caixa de Pandora, esse filme ajudou a moldar minha incipiente "cultura cinematográfica", principalmente no que se refere a cinematografia da primeira metade do século passado. Portanto, se sentirem que esse artigo é parcial, serei o primeiro a dar-lhes razão.

A caneta (é isso mesmo, primeiro escrevo em papel) corre mais solta quando falo desses filmes e dessas atrizes maravilhosas, respectivamente, Marlene Dietrich, Rita Hayworth e Louise Brooks que, juntamente com Marilyn Monroe vários anos mais tarde, compõe a Sagrada Quarteneidade (é assim que se diz?) de toda a história do cinema que nem dezenas de Angelinas Jolies conseguirão se igualar.

Brooks seduz por ser capaz de inspirar uma "carnalidade" mais transcendente, bem captada por Guido Crepax que baseou-se nela para compor a personalidade da eterna (também musa) Valentina Rosselli; Hayworth por sua vez, acrescentou o toque "latino" no quarteto, estando , ao meu ver, lado a lado com Ava Gardner, sendo que a ex-mulher de Sinatra leva a vantagem expressa por Jean Cocteau de ser "o mais belo animal humano". No entanto, confessemos, poucas cenas são mais sensuais do que Rita cantando "Blame on me , Mame". Afe Maria!

Monroe é um daqueles casos de uma atriz de recursos até certo ponto limitados mas de uma intensa vida fora das telas o que dentro delas mas que a garantiu no panteão das atrizes mais significativas do século passado.

Maria Magdalena Von Losh, ou melhor, Marlene Dietrich, é o que chamaria de uma artista completa, de origem teatral, aliás onde foi descoberta pelo diretor de "Anjo Azul", Joseph Von Steinberg que teve de dedicar um bom tempo para convencê-la a aceitar o papel, já que Dietrich se dizia incapaz de fazer o papel da cínica Lola-Lola, o que revelou-se um grande equívoco.

A história baseada no livro Dr. Unrat de Heinrich Mann, irmão de Thomas Mann, pode ser descrita de uma forma até simplória: Unrat é um professor moralista que descobre que seus alunos estão freqüentando o cabaré “Anjo Azul” e intenta fragá-los para em seguida puní-los. No entanto, acaba envolvido por Lola-Lola, a grande atração do cabaré que acaba por desmoralizá-lo, humilhá-lo e, em seguida, conduzí-lo à ruína completa.

“Sou feita para o amor da cabeça aos pés”, assim cantava Lola-Lola na voz de Dietrich, de uma forma absolutamente arrebatadora, levando o termo “sedução” à mais absoluta consumação.

Steinberg veio de Hollywood para fazer o filme e levaria a sua estrela para os Estados Unidos, onde acabaria por ficar mesmo tendo sido cortejada pelos líderes nazistas que a pretendiam como a estrela maior do cinema do regime e , depois, teria a cidadania norte-americana.

Lançado em 1º. de abril de 1930, portanto a 77 anos, pode nos suscitar a pergunta da relevância de revê-lo depois de tanto tempo.Os mais fortes motivos, ao meu ver, são:

O primeiro e mais óbvio é o histórico, o de poder assistir um filme de uma das grandes fases do cinema alemão, o realismo, que junto com o expressionismo moldou a face do cinema mundial até ser sufocado , como todas as artes naquele país, pelo tacão nazista. Nesse mesmo contexto, é ver o início da construção do mito "Dietrich" que fazia sua primeira e uma de suas mais marcantes aparições.

O outro motivo é perceber que a questão da sedução e do poder mudaram de forma mas conserva intacta a sua essência mais básica e primal, talvez uma possível antecipação do processo que a Alemanha já vivia na época, que já prenunciava a ascenção do Partido Nazista ao poder.

Esse é um daqueles DVDs que merecem o trabalho de serem procurados nas boas casas do ramo para aluguel, ou, para os cinéfilos com dinheiro disponível, para compra.

Infelizmente, apenas o assisti na telinha, muitos anos atrás, nos áureos tempos da TV Cultura de São Paulo. Quer saber? Acabando de postar esse texto, vou procurar nas locadoras daqui!

André Vieira
Enviado por André Vieira em 03/08/2007
Reeditado em 03/08/2007
Código do texto: T590698