O acordo lingüístico Brasil-Portugal

 

Caro leitor, o acordo de unificação lingüística Brasil-Portugal (e afins), embora haja manifesta boa aceitação do grande público (Oba, agora eu vô si dá bem nas parada de redassão!), chega-nos embrulhado em belo e caro papel cujo conteúdo é de fato um presente: DE GREGO! Pára para pensar e vamos pôr os pingos nos is (enquanto podemos): não se faz reforma desrespeitando-se a cultura, a linguagem, o falar regional, a etimologia e a miscigenação.

O colonizador branco, dito religioso e moralmente capaz, aculturou a linguagem indígena e marginalizou a negra. Aprisionou os primeiros em guetos naturais, em ocas insalubres – e, como compensação, ofereceu meia dúzia de aparelhos de TV e lhes ensinou o B+A=BA –, enquanto o segundo grupo foi relegado a terreiros distantes e favelas íngremes para que lá, bem no alto, longe dos olhares pudicos das senhorinhas pudessem entoar seus cantos de lamento e dor, de vergonha e saudade.

Por que desprezar esse cabedal de conhecimento? Como uma nação pode orgulhar-se do povo se este mesmo povo não recebe por parte das autoridades que compõem os vários governos, desde o vice-reinado até os dias atuais, de esquerda festiva, atenção, respeito e dignidade?

Por outro lado, em Portugal não se experimentou essa babel que amedronta chamada força multirracial, logo, é natural não ter evoluído com o ganho que se verifica e que paradoxalmente se despreza em uma de suas muitas filiais planeta afora.

Em primeiro lugar, sabe-se que boi (timbre fechado) não é bói (porque este possuiria timbre aberto) e que bóia não é o feminino de boi porque ao receber um acento aberto torna-a única como força emocional de sentido. A palavra quilo /kilo/ não recebe trema porque constitui dígrafo (duas letras iguais a um fonema), porém, o vocábulo tranqüilo constitui ditongo crescente oral por haver a pronúncia distinta de ambas: semivogal e vogal respectivamente. Será que no acordo também reza que devemos rasgar os ensinamentos fonéticos além dos dicionários e livros de gramática?

Antes de os senhores lançarem coros de alvíssaras a essa famigerada reforma, devo-lhes inquirir: Por que o paneleiro, após deglutir uma bica bem quente numa tasca, precisou encarar a bicha durante horas à espera do momento de usar o autoclismo? Ou então será preciso um moinante, perdão, um “malandro”, conhecedor desses dois mundos lingüísticos tão distintos para traduzir. Quem quiser que o faça, o assunto aqui é sério!

Indiscutivelmente há problemas na abordagem do vocabulário entre os que têm chance de estudar. O que não dizer dos que não percebem essa benesse social? Pão, avião e cidadão não deveriam ter plurais respectivos pães, aviões e cidadãos, afinal, para uma língua neolatina que já não ensina mais o latim, é pedir demais algumas aulas lúdicas de etimologia, certamente vão pensar: “Para que tanta cultura, o brasileiro quer cerveja gelada, carnaval e uma carninha de gato para saciar a fome de picanha!?”

Também poderiam, a fim de atingir à massa desinformada e mesmo a formada, disponibilizar feminino semelhante em terminações ão: pavão = pavoa, leão = leoa, cidadão = cidadoa, canastrão = canastroa, cristão = cristoa, e assim por diante!

Parece-me, após anos e anos ministrando aulas e alguns livros editados, óbvia a desnecessidade dessa medida política e que a todos custará mais caro do que se imagina. Pense em todos os seus livros, faça um arrazoado de tudo que já investiu e você saberá que precisará fazer tudo novamente. O livro de ontem, lingüisticamente, será o livro de ontem. É como se você comprasse num sebo, amanhã, um livro de português editado antes de 1943, ou encontrasse e comprasse, feliz da vida! a Constituição de 1891 e fizesse dela a evolução de sua carreira jurídica.

Reafirmo que é uma questão de negócio, não se vende em Portugal um livro escrito em português “brasileiro”. Ora, se eles sabem que há uma língua brasileira, por que fechamos, nós, os brasileiros natos, os olhos a essa inequívoca verdade: não falamos português, falamos BRASILEIRO, com muito ORGULHO. Não precisamos de reformas que nos façam involuir, ó pá!

 

 

Nelson Maia Schocair