ADORNOS DOS DRAKKARS VIKINGS E CARRANCAS DO RIO SÃO FRANCISCO

RESUMO

As carrancas do Rio São Francisco, são uma das formas mais expressivas da arte contemporânea popular brasileira. São peças originais, com soluções plásticas próprias respeitando a individualidade de cada artista, cercada de lendas e misticismos. Todavia, suas influências ainda é um mistério, isto porque os Vikings na Idade Média utilizavam-se de adornos semelhantes às carrancas em suas embarcações, inclusive as técnicas para o entalhamento das peças era parecido. Além disso, tanto os ribeirinhos quanto os vikings utilizavam-se dos adornos para afastar os perigos das águas. Estas semelhanças poderiam ser indícios da passagem dos vikings pelo Brasil? E neste paralelo entre manifestações artísticas de povos, cenários e épocas distintas embarcaremos em uma viagem artística, bibliográfica, iconográfica e documentários, com o objetivo de conhecer e exaltar a cultura brasileira.

Palavras-chave: carrancas, embarcações, vikings.

1 INTRODUÇÃO

As carrancas do Rio São Francisco, se destacam em nossa cultura, devido, a sua notável expressão artística coletiva e originalidade tipicamente brasileiras. Talvez pelo isolamento dos habitantes do médio São Francisco, surgiu esta arte inédita para o mundo, baseada no imaginário de um povo que não sofreu influências da arte neoclássica do século XIX, mas sim da sua cultura popular, ligada a valores locais, regionais, catolicismo, crenças, lendas e crenças, adotaram com soluções plásticas próprias de elevada técnica e conteúdo artístico, além de refletir a individualidade de cada artista, impactam a quem as aprecia de forma negativa ou positiva, mas decerto não passam despercebidas.

A figura das carrancas com olhos esbugalhados, sobrancelhas arqueadas, misto de homem e animal, expressão feroz, tem suas qualidades místicas, pois eram utilizadas para defender e proteger os barqueiros de maus espíritos, maldições e animais do rio.

A aparição das carrancas no Rio São Francisco ainda é um enigma, por um lado estudiosos como Jacques Mahieu , que afirma ser esta uma das comprovações da passagem dos vikings pelo Brasil, antes mesmo da chegada dos colonizadores. Isso dada à semelhança dos adornos utilizados nas proas das suas embarcações chamadas de drakkars, com as carrancas utilizadas nas proas das embarcações no Rio São Francisco, enquanto outros como Paulo Pardal acreditam que as carrancas surgiram a partir de navios vistos em alto-mar no Brasil, por fazendeiros do São Francisco em suas viagens à civilização.

Os drakkars, barcos de guerra vikings, eram conhecidos na Idade Média, continham peças ornamentais em suas proas que desempenhavam o papel de atemorizar o inimigo, através da representação de dragões, serpentes e cavalos. Geralmente estes adornos eram móveis, para serem retirados quando os barcos aportavam em cidades amigas, para não amedrontar os habitantes.

As primeiras carrancas surgiram entre 1875 e 1880, no período contemporâneo nas proas das embarcações, atualmente estas esculturas podem ser vistas, como adornos em casas, comércios, e seus artistas chamados de carranqueiros, detém grande habilidade artística, tendo inclusive participado de Bienais.

Assim, realizaremos o paralelo através de pesquisas bibliográficas e figuras a fim de demonstrar as semelhanças entre os adornos utilizados nos drakkars e as carrancas utilizados nas embarcações do médio São Francisco, que são manifestações artísticas em períodos diferentes, que nos leva é uma viagem em suas crenças, estórias, belezas e misticismos, em cenários culturais e épocas distintas.

2 DRAKKARS - UTILIZAÇÃO DE ADORNOS EM PROAS DE EMBARCAÇÕES NA IDADE MÉDIA

Os vikings eram os melhores construtores de embarcações e navios de toda Europa da época, e este oficio era passado de pai para filho. As embarcações, eram velozes fáceis de manobrar, e os únicos a conseguirem navegar contra o vento, em águas profundas e rasas. Utilizados para o transporte comércio e guerra, construídos em madeira, com escudos pendurados nas armaduras e adornos em suas proas.

A utilização de adornos nas proas das embarcações mais conhecidas na Idade Média, foram as oriundas dos drakkars (dragões), barcos vikings utilizados para a guerra, que tinham a função de aterrorizar o inimigo.

As peças representavam animais fantásticos, assemelhando-se geralmente a dragões, bem como a serpentes e cavalos, que serviam inclusive para espantar monstros e “maus espíritos”, que acreditavam existir nas águas.

Os adornos vikings em muitas das vezes poderiam ser retirados quando os barcos aportavam em cidades amigas os habitantes não se sentissem ameaçados ou impressionados ou como prova de amizade.

Esculpir os adornos utilizados nas proas dos drakkars vikings não era tarefa fácil, até mesmo para um entalhador experiente, afinal para entalhar as cabeças dos animais o escultor deveria selecionar uma madeira apropriada, com curvatura adequada e resistente, para suportar impactos.

Na cidade de Oslo, Noroega, está localizado o Viking Ship Museum, dedicado à cultura viking no qual existem embarcações, bem como adornos utilizados nestas. Um fato intrigante é que em um túmulo de um viking foram encontrados 5 (cinco) adornos, mas até a presente data não se sabe dizer ao certo o motivo.

2.1 CARRANCAS NAS BARCAS DO RIO SÃO FRANCISCO NO PERÍODO CONTEMPORÂNEO

Nos povos ocidentais ocorreu que a decoração foi evoluindo, das embarcações populares aos navios de maior porte, nos tempos modernos, somente os navios apresentavam esculturas e outros ornamentos considerados de luxo em todo o ocidente, inclusive no Brasil. As figuras nas proas existiam apenas nas embarcações maiores e as menores continham pinturas simples e no Brasil somente no rio São Francisco é que foram encontradas esculturas nas proas de forma generalizada.

A estas figuras ornamentais utilizadas nas barcas do Rio São Francisco se dá o nome de carrancas. Segundo o dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa significa “rosto sombrio ou carregado; cara feia; aspecto indicativo de mau humor; maus modos: cara disforme de pedra, madeira ou metal, com que adornam algumas construções.”

As carrancas são figuras teratológicas, que representam cabeças de animais com cara de gente e vice-versa, e quanto mais coloridas e horripilantes melhor. As cores predominantes são vermelha, azul e preta e o que impressiona é a capacidade dos artistas em criar e harmonizar características um tanto dessemelhantes.

A princípio as carrancas não eram consideradas obra de arte, entretanto a sua originalidade provocou artigos na imprensa, principalmente em revistas que traziam fotos tornando-as conhecidas em seu valor artístico isso no ano de 1947 e em 1954 nos festejos do IV Centenário da Cidade de São Paulo, foi armada, no Parque do Ibirapuera, a primeira exposição de carrancas, com aproximadamente uma dezena dessas peças. Com isto, as carrancas ganharam um atestado oficial de peças de arte popular.

As carrancas são antropomorfas ou zoomorfas e tem a intenção comercial ou decorativa, além de apresentarem figuras originais e bizarras e não representações exatas.

É sabido que o primitivo é avesso ao naturalismo, não pela habilidade técnica em executá-lo, mas porque a funcionalidade de sua arte o leva a outras soluções, onde só interessa a indicação plástica do símbolos exigidos pela finalidade básica da sua obra. Daí a simplificação de formas e o exagero de certos detalhes anatômicos que encontramos na escultura dos povos primitivos e ao invés destas peças denotarem inabilidade comprovam a capacidade criadora, fonte da renovação da pintura ocidental, a partir das experiências cubistas de Picasso e Braque, inspirados na escultura africana.

As carrancas eram esculpidas geralmente em um pedaço de tronco o que gera uma dificuldade técnica em reproduzir exatamente uma cabeça humana ou animal, sendo este um dos motivos para o zooantropomorfismo.

Os elementos antropomorfos predominam nas peças em especial, pela cabeleira , olhos e sobrancelhas. São esculpidas em corpo inteiro como nas embarcações oceânicas, para que a embarcação não fique pesada. Além disso, não eram tão somente em acréscimos decorativos como em outras embarcações, mas suas dimensões variavam proporcionalmente às das barcas onde eram aplicadas e a constituíam-na organicamente fazendo com que ficasse no formato de um pato e resistisse melhor a embates.

Obviamente que as deformações que acentuam os caracteres ideográficos das carrancas de bons artistas são propositais e não se tratam de inabilidade técnica, mas trata-se de arte popular e provavelmente a mais praticada pelo país, na qual o artista aprende seu oficio sem ter frequentado escolas de artes, mas criam obras de reconhecido valor estético e artístico.

As carrancas do São Francisco são uma manifestação artística coletiva, com características comuns, mas respeitadas as individualidades de cada artista. Fruto da criação de uma cultura de uma região isolada do resto do país e do mundo é intuitiva, pautada em valores locais, regionais e representa as crenças, lendas, costumes típicos de determinada cultura e traduz o cotidiano humilde e até difícil de uma população.

2.2 ORIGEM E DECLÍNIO DAS CARRANCAS NO RIO SÃO FRANCISCO

Pode-se afirmar que as primeiras carrancas datam de 1875 e 1880, mas a origem das carrancas no Rio São Francisco ainda é um mistério, pois alguns estudiosos acreditam que devem ter sido imitação de navios vistos em alto mar nas capitanias das Províncias da Bahia e do país, pelos nobres fazendeiros do São Francisco nas cidades da civilização.

Outros estudiosos como o antropólogo e arqueólogo francês Jacques de Mahieu, que esteve no Brasil no ano de 1974 e escreveu o livro (Os Vikings no Brasil), propõe que a passagem dos Vikings pelo Brasil antes mesmo da chegada dos europeus, por volta de 1250, em especial na região amazônica e no Nordeste do Brasil.

Em seu estudo relata a existência de uma república de guerreiras brancas altas e de olhos azuis e tribos de homens brancos, trata ainda, dos inscritos rúnicos e desenhos de objetos utilizados pelos vikings no parque de Sete Cidades no Piauí.

O autor também levanta a curiosa existência de uma grande quantidade de pessoas alouradas de olhos azuis no Piauí, e que estas características não são comuns entre portugueses, o que seria um indicio da descendência viking dos habitantes.

Traz ainda, a hipótese de que os vikings navegaram pelo Rio São Francisco, pois este era um dos afluentes de um rio conhecido como Reala que secou e que desaguava no Oceano Atlântico.

O declínio das carrancas nas barcas do São Francisco teve inicio quando da instalação de dependências da Capitania dos Portos em Juazeiro Pirapora, que passaram a fazer cumprir regulamentos até então ignorados pelos proprietários das barcas e tal atividade desapareceu do São Francisco, passando a ser adotadas as grandes canoas, mais leves, velozes e que velejavam com o vento em qualquer quadrante.

Atualmente as carrancas são em forma escultura de madeira (figura 04), barro e outros materiais presentes em residências e comércio com a finalidade de espantar o “mau”.

2.3 SUPERTIÇÕES

O isolamento, a ingenuidade, as condições de vida difíceis fizeram com que as supertições tivessem um campo fértil na comunidade ribeirinha, levando a uma busca de explicações sobrenaturais para tudo que atemorizava, especialmente os perigos do rio, tais como: encalhes, naufrágios, afogamentos dentre outros.

Citamos alguns personagens mitológicos do São Francisco e sua lendas, vejamos:

Lenda da mãe d’água:

Espécie de sereia que vive no Rio São Francisco. Para os barqueiros, o rio dorme quando é meia-noite, permanecendo adormecido por dois ou três minutos. Neste momento, o rio pára de correr e as cachoeiras de cair. Os peixes deitam-se no fundo do rio, as cobras perdem o veneno e a Mãe-d’Água vem para fora, procurando uma canoa para ela sentar-se e pentear seus longos cabelos. As pessoas que morreram afogadas saem do fundo das águas e seguem para as estrelas.

O nego d’água:

É forte, moreno, vive nas águas do Velho Chico. Costuma ficar nas proas das canoas, nas coxias das barcas e proas dos vapores, fazendo um animado batuque. Usa um colar e gosta de pedir fumo às pessoas. Carrega as moças para o fundo do rio e osmarinheiros para servi-lhe como escravo. Tem uma voz bonita, encantando a todos com o seu canto.

Lenda do Minhocão:

Serpente gigantesca, fluvial e subterrânea, vivendo no rio São Francisco e varando léguas e léguas, por baixo da terra, indo solapar cidades e desmoronar casas, explicando os fenômenos de desnivelamento pela deslocação do corpanzil. Escava grutas nas barrancas, naufraga as barcas, assombra pescadores e viajantes. É a réplica da boiúna, sem as adaptações transformistas em navio iluminado e embarcação de vela, rivalizando com o barco-fantasma europeu. O minhocão é um soberano bestial, dominando pelo pavor e sem seduções de mãe-d’água ou sereia atlântica.”

As carrancas colocadas nas proas das barcas serviam para espantar os maus espíritos, que tentavam naufragar as embarcações, devido a sua cara feia e assustadora e dava três gemidos para avisar quando estivesse em perigo de naufrágio.

2.4 ESCULTORES CARRANQUEIROS

Os escultores chamados de carranqueiros utilizavam uma repetição de elementos plásticos, especialmente a cabeleira, bem como orelhas e nuca. Podem ser considerados como legítimos artistas populares, pois guardam fidelidade a certas soluções próprias. O escultor mais reconhecido na produção de carrancas foi o Francisco Biquiba Dy Lafuente Guarany, mais conhecido como Guarany.

2.5 APRECIAÇÃO ARTÍSTICA - RELAÇÃO ENTRE AS CARRANCAS DO RIO SÃO FRANCISCO E ADORNOS UTILIZADOS NOS DRAKKARS VIKINGS

Conforme citamos, tanto as embarcações do Rio São Francisco quanto as embarcações vikings utilizavam adornos em suas proas. Todavia, as peças vikings eram zoomorfas, ou seja, se apresentavam em figuras de animais em especial dragões, enquanto as carrancas do Rio São Francisco se apresentam nas formas zoomorfas e antropomorfas, na qual características humanas e animalescas se misturam.

Ambos adornos, utilizados pelos ribeirinhos e vikings, eram utilizadas nas embarcações para afastarem os perigos das águas, portanto as peças tinham feições ameaçadoras. Entretanto, as carrancas serviam ainda para atrair a atenção dos ribeirinhos para o comércio, que estavam nessas embarcações, enquanto os vikings utilizavam as peças para atemorizar inimigos em caso de guerra.

As carrancas não poderiam ser removidas das proas dos barcos, mas incorporavam-na organicamente fazendo com que tivessem o aspecto de pato, enquanto adornos dos drakkars poderiam ser retirados das proas o que acontecia quando aportavam em cidades amigas.

Em ambos os casos as esculturas eram realizadas em madeira inteira e resistente, trabalhadas por instrumentos rudimentares, transmitindo o vigor da arte, o espírito supersticioso e místico de povos plásticos por excelência.

Tanto as carrancas quanto os adornos utilizados nos drakkars vikings, são manifestações artísticas coletivas que acabaram por criar soluções plásticas próprias de elevado conteúdo artístico e emocional, para impactar em momentos históricos e artísticos diferentes.

Insta citar a semelhança entre o ambiente psicológico da Idade Média – das aparições do “diabo” e dos exorcismo, das relíquias, as curas miraculosas, dos monges e das ordens enclausuradas e no interior do Nordeste, as supertições eram em torno dos milagres do Padre Cícero, o fanatismo de Antonio Conselheiro, as autoflagelações de penitentes e estes acontecimentos poderiam ter influenciado na necessidade de esculturas que tivessem o “poder” de afugentar os “mau sobrenatural”.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cultura carranqueira é uma das mais fortes expressões artísticas brasileira, que consiste em um símbolo místico, segundo a percepção e crença advinda da população ribeirinha do São Francisco, capaz de livrá-los de quaisquer perigos das águas.

Diante disso é de suma importância exaltar as carrancas, por serem legítima manifestação de arte brasileira, mas infelizmente estão sendo esquecidas, embora ainda tenham valor econômico e são fonte de renda para o sustento de várias famílias.

E assim como as peças encontradas nas proas dos drakkars vikings, as carrancas contam com artistas talentosos, que embora não tenham frequentado escolas de ates, utilizam técnicas eficazes, interessantes e semelhantes, o que merece reconhecimento e apoio.

4 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

MAHIEU, Jacques. Os Vikings no Brasil. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976;

PARDAL, Paulo. Carrancas do São Francisco, coleção Raízes. São Paulo, Martins Fontes, 2006;

LENDAS EM TORNO DO RIO SÃO FRANCISCO. Disponível em <http://penedo.al.gov.br/a-cidade-de-penedo/rio-sao-francisco/lendas/>. Acesso em 31/07/2016;

EM BUSCA DA VERDADE: A viagem dos Vikings. Produção The History;

VIKING SHIP MUSEUM, OSLO. Disponível em <http://www.khm.uio.no/besok-oss/vikingskipshuset>. Acesso em 25/08/2016.